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Depois de se omitir, Casagrande diz que lei sobre gênero é inconstitucional

Manifestação ao Supremo atende à Adin movida por entidades nacionais

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Hélio Filho/Secom

Depois de se omitir na questão, o governador Renato Casagrande (PSB) defende, no Supremo Tribunal Federal (STF), a anulação e a inconstitucionalidade da Lei 12.479/2025, que autoriza pais e responsáveis a vetarem a participação de seus filhos em atividades pedagógicas com a temática de gênero no Espírito Santo. A norma, promulgada pelo presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Santos (União), após o chefe do Executivo estadual perder o prazo legal para sancionar ou vetar o texto, é alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Aliança Nacional LGBTI+, Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH) e pelo Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans).

No posicionamento enviado à ministra-relatora, Carmem Lúcia, após notificado para prestar “informações urgentes e prioritárias”, Casagrande adotou a mesma linha de defesa da Procuradoria Geral do Estado (PGE) já manifestado antes da sanção tática. Diz que a norma “viola dispositivos constitucionais e jurisprudência consolidada do STF e a competência legislativa privativa da União para dispor sobre diretrizes e bases da educação, bem como a vedação constitucional a quaisquer formas de censura e à liberdade de cátedra e concepções pedagógicas de professores”.

A lei também foi apontada como inconstitucional do ponto de vista material, por violar direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana, a igualdade, a liberdade de expressão e a liberdade de ensino e cátedra. Entre os efeitos, aponta que “implica censura à liberdade de expressão e de ensino/cátedra de professores(as) em sala de aula” e ainda “promove a supressão de campos inteiros do saber da sala de aula e desfavorece o pleno desenvolvimento da pessoa, que precisa ter acesso à realidade fática social e construir seu próprio repertório cultural”.

O governador conclui que, “diante de tudo quanto exposto, restou evidenciado que a Lei Estadual nº 12.479/2025, do Estado do Espírito Santo, padece de vícios de inconstitucionalidade, tanto formal quanto material”, e aponta a “procedência da presente ação” – as entidades requerem ao STF que suspenda imediatamente os efeitos da lei por meio de medida cautelar e, no mérito, declare sua total inconstitucionalidade.

A Secretaria de Estado da Educação (Sedu) já tinha se manifestado contrária à lei. Em nota a Século Diário na ocasião da sanção tática, afirmou que cumprirá a Lei nº 12.479/2025, “mesmo não tendo concordado com a proposição legislativa, conforme manifestação oficial enviada pela Sedu durante a tramitação do projeto”, e “destacou a importância do respeito às diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e do Currículo do Espírito Santo, que orientam uma formação integral e cidadã, e reforçou a defesa da autonomia pedagógica das escolas e profissionais da educação”.

‘Apenas um convite’

Já o presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Santos (União), também notificado, apresentou posição divergente. O deputado sustenta que “a norma está em conformidade com a Constituição Federal e visa apenas promover o diálogo entre família e escola”. Trata-se, segundo a manifestação, “de uma iniciativa que não traz qualquer proibição, mas apenas um convite a uma salutar e legítima integração entre a escola e a família no processo de formação pedagógica da criança e do adolescente”.

O documento, assinado também pela Procuradoria-Geral da Assembleia, aponta que “não há qualquer vedação genérica de conteúdo” e “a lei não interfere na liberdade de cátedra, tampouco cerceia o pluralismo de ideias”, apenas assegura aos pais o “direito de veto” quanto à participação dos filhos em determinadas atividades escolares. Nesse sentido, argumenta que a Constituição “garante a liberdade dos pais de fazer com que os filhos recebam a educação religiosa e moral de acordo com suas convicções”.

Além de defender o mérito da norma, o presidente da Assembleia pediu que a ADI não seja sequer conhecida pelo STF, ao sustentar que as entidade autoras não têm legitimidade para ajuizar a ação, por não representarem categorias profissionais ou econômicas.

Com os dois posicionamentos registrados nos autos da ADI 7847, o processo segue agora para análise da Advocacia-Geral da União (AGU) e, posteriormente, da Procuradoria-Geral da República (PGR). Ambas devem emitir pareceres antes de o caso ser incluído na pauta de julgamento do Supremo.

‘Tese superada’

Para a advogada Amanda Souto, que representa as entidades, essa tese já foi superada pelo Supremo Tribunal Federal há mais de cinco anos. “O STF já reconheceu a legitimidade das associações em mais de outras 20 ações. Não vejo por que seria diferente nessa em específico”, contestou.

Ela cita, inclusive, decisão da própria ministra Cármen Lúcia, que reconheceu a legitimidade ativa de entidades da sociedade civil em caso análogo julgado na ADPF 1161. No voto, a ministra registrou que “a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem evoluído no sentido de admitir a atuação de entidades que, embora não se enquadrem tecnicamente como entidades de classe ou confederações sindicais, demonstram representatividade social suficiente e pertinência temática com o objeto da demanda”.

Esse entendimento tem sido reafirmado em ações sobre direitos fundamentais, especialmente nos casos que envolvem a defesa de grupos vulneráveis e minorias sociais, como a população LGBTI+, observa Amanda. Ela avalia que há tendência de que o Supremo reitere o entendimento de que legislações estaduais ou municipais que interferem em conteúdos escolares ligados a gênero são inconstitucionais.

A proposta

A lei é originária do Projeto de Lei 482/2023, de autoria do deputado Alcântaro Filho (Republicanos), e foi aprovada em plenário no mês passado. Mesmo com parecer técnico apontando inconstitucionalidade formal e material, o projeto passou com maioria simples e entrou em vigor sem interferência do Executivo.

A norma obriga escolas públicas e privadas do Estado a informarem previamente os pais ou responsáveis sobre essas atividades, cabendo às famílias decidir, por escrito, se autorizam ou não a participação dos filhos.

Na justificativa do projeto de lei que originou a nova lei estadual, Alcântaro sustenta que atividades pedagógicas sobre identidade de gênero e orientação sexual teriam caráter “doutrinário” e poderiam “moldar valores e visões de mundo” das crianças, o que justificaria o direito dos pais de vetar o conteúdo.

Mais contestações

A Lei nº 12.479/2025 também é contestada no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) em duas Ação Direta de Inconstitucionalidade protocoladas pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol) e Partido dos Trabalhadores (PT), que pedem a suspensão da norma. Já no Tribunal de Contas do Estado (TCES), tramita uma representação do Ministério Público (MPC-ES), que pede a suspensão da aplicação da lei e solicita que o governo estadual e as prefeituras capixabas se abstenham de regulamentá-la ou tomar qualquer medida com base na nova norma.

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