Trechos sobre medidas disciplinares e mediação de conflitos foram retirados

Ao sancionar a Lei nº 12.520, que institui o programa “SOS Educação” e trata do enfrentamento à violência nas escolas do Estado, o governador Renato Casagrande (PSB) vetou três trechos do projeto (469/2025), de autoria do deputado Callegari (PL). Um deles previa que em casos de reincidência ou de agressões com lesão ou ameaça grave a profissionais da área, a escola deveria acionar os responsáveis e encaminhar o aluno à autoridade judiciária. Outros dois se referiam à mediação de conflitos nas unidades de ensino e à aplicação de advertências às instituições que descumprissem a norma. Os vetos estão na pauta da Assembleia Legislativa, que retomou os trabalhos nesta segunda-feira (4) após o recesso parlamentar.
A lei cria medidas protetivas e procedimentos a serem adotados nos casos de violência em instituições públicas e privadas contra professores, coordenadores, auxiliares, bibliotecários, bedéis, secretários e demais trabalhadores com contato direto com alunos. A principal novidade é a padronização de um protocolo de resposta imediata a casos de agressão física ou ameaça direta à integridade física ou ao patrimônio do profissional da educação.
Serão adotadas medidas como o acionamento da polícia; atendimento médico à vítima; registro da ocorrência em até 36 horas; e afastamento do agressor e comunicação à Superintendência Regional de Ensino (no caso da rede pública) ou à direção da unidade (na rede privada). Quando o agressor for menor de idade, a chefia imediata também deverá notificar os responsáveis legais, acionar o Conselho Tutelar e comunicar ao Ministério Público Estadual (MPES).
Também foi mantida a possibilidade de o gestor escolar solicitar ao Judiciário que o agressor e, se necessário, seus pais ou responsáveis, sejam incluídos em programas oficiais ou comunitários de assistência e orientação, medida que pode ser importante para a reeducação em contextos de violência recorrente. A lei ainda responsabiliza pais, responsáveis legais ou gestores escolares que se omitirem diante dos fatos.
Entretanto, o governador vetou trechos que ampliavam as obrigações da escola em situações de maior gravidade. Além disso, a lei não contempla situações como assédio moral, humilhações, perseguições institucionais, desrespeito verbal ou outras formas de violência simbólica e psicológica, que frequentemente fazem parte da realidade escolar. Esses tipos de violência não são reconhecidos como gatilhos para a aplicação das medidas previstas, tampouco há dispositivos específicos de acolhimento ou acompanhamento psicológico às vítimas.
Para o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes), a nova lei tem limitações por restringir-se a agressões físicas ou ameaças diretas, deixando de fora situações mais frequentes, como assédio moral, intimidações verbais e discursos discriminatórios — especialmente contra mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+. A entidade também aponta que a legislação carece de diretrizes de prevenção e ação pedagógica frente a essas formas de violência psicológica. Para o diretor Gean Carlos Gomes, a norma expõe a fragilidade institucional do trabalho docente e reforça a “sensação de insegurança, censura e desrespeito” que tem levado ao adoecimento mental de profissionais.
A contradição do governo em sancionar uma lei que visa proteger educadores contra a violência nas escolas e, ao mesmo tempo, permitir que entrasse em vigor — por omissão — uma norma que restringe o ensino de gênero, é destacada pela entidade, que se manifestou contra essa última medida, considerada censora, discriminatória e que enfraquece ainda mais a segurança e a autonomia dos professores. O Sindiupes destaca que as violências mais comuns nas escolas são justamente essas ligadas a assédio moral, perseguição e censura — exatamente o tipo de agressão que a nova lei não contempla e que a outra norma recém-aprovada pode intensificar.
“Essas propostas sobre disciplina escolar têm sua importância, claro, mas o essencial agora é corrigir a injustiça cometida contra a educação pública. Isso sim é urgente”, reiterou Gean Carlos. Ele defende que governo deveria priorizar a correção do que chamou de “um imenso retrocesso” e observa que o debate sobre o novo projeto de lei ocorre em um contexto de críticas à aprovação da chamada “lei da mordaça” no Espírito Santo por diversas entidades em defesa da educação democrática e inclusiva e à população LGBTQIA+.
“Tudo o que está sendo apresentado agora parece uma cortina de fumaça, talvez para tentar justificar o grande erro que o governo capixaba e os deputados cometeram ao censurar os profissionais da educação. O que está no nosso radar é a revogação dessa lei absurda, aprovada às escondidas, na calada da noite”, afirmou.
O Sindicato dos Professores do Espírito Santo (Sinpro-ES) também ponderou que considera a medida válida, mas com pouca eficácia para a rede privada. A entidade propõe ajustes no artigo 9º da lei, incluindo responsabilizações com base na Lei de Improbidade Administrativa para gestores públicos e a aplicação de medidas previstas no Código Civil, Penal, CLT e demais normas para o setor privado. O Sinpro também sugere que omissões sejam comunicadas ao Ministério Público e órgãos reguladores de educação.