Gean Carlos, do Sindiupes, aponta desvalorização e não pagamento do piso a professores

O Espírito Santo pode enfrentar um “apagão de professores” nos próximos anos, resultado da desvalorização histórica da carreira e do descumprimento do piso salarial nacional do magistério. O alerta é de Gean Carlos Nunes, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindupes), ao comentar o relatório divulgado nesta semana pela Comissão de Educação da Assembleia Legislativa.
A preocupação ganha força após a repercussão da notificação do Ministério Público Federal (MPF) a 59 municípios capixabas pelo não pagamento do piso. A Comissão de Educação enviou questionários às prefeituras para que justificassem a situação. Apenas 14 municípios responderam: Vila Velha, na região metropolitana; Muqui, Piúma e Rio Novo do Sul, no sul do Estado; Montanha, Sooretama, Nova Venécia, Linhares, São Domingos do Norte e Gabriel da Palha, no norte e noroeste; e Santa Teresa, São Roque do Canaã, Vargem Alta e Marechal Floriano, na região serrana.
De acordo com os dados, mais da metade das cidades que prestaram esclarecimentos afirmam cumprir o piso. Em 2025, o valor definido pelo Ministério da Educação (MEC) é de R$ 3.042,36 para uma jornada de 25 horas semanais. O problema está nas que não atingem esse patamar. Em Nova Venécia, por exemplo, o salário-base de professor é de R$ 1.993,97, o que representa uma defasagem de 52,6% em relação ao piso. Já em São Gabriel da Palha, a diferença é de 7%, com pagamento de R$ 2.862,85.
As justificativas apresentadas pelos gestores municipais vão desde o descontrole de contas herdado de administrações anteriores, orçamento insuficiente, falta de recursos financeiros, até a sobrecarga causada pelo grande número de professores em escolas multisseriadas. O deputado Fabricio Gandini (PSD), membro da comissão, lamentou a baixa taxa de respostas e sugeriu que os prefeitos sejam cobrados por meio da Lei de Acesso à Informação (12.527/2011), para que se tenha um diagnóstico mais fiel da realidade.
Gean Carlos lembra que o piso nacional foi instituído em 2008 como conquista de movimentos sociais e sindicais, em parceria com o governo federal da época, para valorizar a profissão docente. “Foi um marco, mas desde o início enfrentou resistência. Muitos governadores judicializaram a lei alegando que a União não poderia legislar sobre finanças municipais e estaduais. O Supremo Tribunal Federal [STF] decidiu em 2011 que a norma é válida, mas até hoje há municípios e estados que não cumprem”, explica.
Segundo ele, mesmo onde há cumprimento, a aplicação é distorcida. “O que fazem é complementar apenas o salário de quem está na base da carreira. Se um professor deveria ganhar R$ 3.200 e recebe R$ 2.900, o Estado paga a diferença de R$ 300 e para por aí. Nossa luta é para que o reajuste anual, seja de 5% ou 6%, valha para todos os profissionais da educação, inclusive aqueles com graduação, mestrado ou doutorado. Mas isso não acontece”, critica.
Na avaliação do dirigente, os números da comissão apenas confirmam a precarização da carreira docente. “É estarrecedor. Mostra que, apesar de termos leis, elas muitas vezes ficam só no papel. Estados e municípios não cumprem nem o mínimo do piso e isso provoca o abandono da profissão. O resultado é que temos cada vez menos jovens interessados em seguir a carreira docente. É o prenúncio de um apagão de professores”, alerta.
Ele afirma que a preocupação se reforça pela diminuição do interesse de estudantes por cursos de licenciatura, e, entre os formados, poucos optam por lecionar na rede pública. “Os impactos diretos do não cumprimento do piso são a desestimulação e o abandono da carreira. Já há falta de professores nas redes municipais e estaduais, e isso tende a se agravar”, reforça.
Outro ponto do relatório são as limitações das redes municipais para atender a educação especial. Mais de 15% da folha de pagamento das cidades é destinada a professores que atuam com alunos público-alvo da inclusão. Gean considera a inclusão um avanço irreversível, mas aponta que não basta remanejar recursos. “É uma realidade que está imposta. Esses alunos existem e têm direito a uma educação de qualidade. Não podemos fechar os olhos. É preciso garantir recursos permanentes e planejamento”, defende. A Comissão de Educação propõe que parte dos recursos do Fundo de Apoio à Educação (Funpaes) seja redirecionada para custear esses profissionais.
Para o sindicalista, o caminho para evitar o colapso passa por valorização real da carreira, diálogo com a categoria e incentivo à formação docente. “Hoje os profissionais se sentem muito cobrados e pouco valorizados. É preciso investir em salário, mas também em condições de trabalho e formação para que os jovens optem pela docência”, ressalta. Ele aponta prejuízos de longo prazo se não houver investimento agora. “Os países mais desenvolvidos já entenderam isso. O Brasil precisa priorizar a educação e seus profissionais, ou viveremos um apagão sem precedentes”, reitera.