Professora denuncia transfobia e omissão em escola da rede municipal de Guarapari
Organizações de direitos humanos apontam omissão da Prefeitura de Guarapari, sob gestão de Rodrigo Borges (Republicanos), diante de episódios de transfobia denunciados pela professora da rede municipal de ensino, Alice Reina. Em notas públicas, a Associação Diversidade, Resistência e Cultura (ADRC) e a Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos – Espírito Santo (ReBEDH-ES) ressaltam “falhas graves na mediação institucional de conflitos, na formação pedagógica e no compromisso com o combate à discriminação”.
Alice atua na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Cândida Soares Machado e relatou ter sido alvo de três episódios de agressão verbal dentro da sala de aula em menos de quatro meses. Segundo ela, a Secretaria Municipal de Educação não ofereceu respaldo suficiente, mesmo após denúncias formais, cartas protocoladas e apelos por medidas pedagógicas e preventivas. “O que eu quero é dignidade, segurança e respeito para trabalhar. É o mínimo”, reivindica Alice, que está afastada por recomendação médica.

A Associação Diversidade classificou o caso como um “retrato alarmante da exclusão institucional” e colocou-se à disposição para colaborar com formações, oficinas e projetos pedagógicos. “A transfobia não pode ser ignorada. Situações como essa violam princípios fundamentais dos direitos humanos e das diretrizes legais que regem a educação brasileira, especialmente no que se refere ao respeito à identidade de gênero e à diversidade”, afirma a nota.
A ReBEDH-ES reforça a denúncia, destacando a in’aceitável sequência de falhas institucionais” que colocaram a segurança da docente em risco. “O relato da professora Alice revela agressões verbais por parte de estudantes, além de falhas na aplicação de medidas pedagógicas adequadas e na garantia de um ambiente escolar seguro e respeitoso”, afirma a entidade.
Segundo a professora, mesmo após registrar os casos na direção da escola, na Ouvidoria da prefeitura e no gabinete da Secretaria de Educação, nenhuma comissão de apuração foi instaurada. A resposta institucional se restringiu a um pedido de retratação a um dos alunos envolvidos – uma solução que também não foi efetivada, relata. “A escola focou nisso, mas o que eu pedi foi outra coisa: formação, rodas de conversa, ações concretas. E isso não foi feito”, afirma.
Um dos episódios de violência ocorreu justamente com uma turma que não participou da única palestra sobre homofobia e transfobia organizada pela escola após sua primeira denúncia. Para a professora, faltam preparo dos profissionais e vontade política da gestão em lidar com o tema da diversidade. “Meus colegas de trabalho não têm formação sobre identidade de gênero. Isso é responsabilidade da secretaria”, pontua.
Diante da falta de resposta por parte da Secretaria, Alice buscou apoio de entidades e acionou o Conselho Estadual de Direitos Humanos, o Ministério dos Direitos Humanos e o Ministério Público Estadual (MPES). “Eu levo afeto para dentro da sala de aula, e os alunos retribuem com carinho, me abraçam, me escutam. Mas eu não posso continuar sendo atacada. A escola precisa se movimentar”, reforça.
Retrocessos
O cenário relatado por Alice Reina se insere num contexto legislativo hostil aos direitos da população LGBTQIA+ no município. Em janeiro de 2023, a Câmara de Vereadores promulgou a Lei nº 5.036/2025, que proíbe abordagens sobre identidade de gênero e orientação sexual em instituições de ensino públicas e privadas do município. De autoria do vereador Luciano Costa (PP), a medida foi aprovada por unanimidade, sem debate público, e sancionada pela então presidente da Câmara, Sabrina Astori (PSB).
A medida foi contestada pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) após representação da Associação Diversidade, Resistência e Cultura, que considerou a norma inconstitucional, por tratar de tema cuja legislação é de competência exclusiva da União, como já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O caso foi assumido diretamente pelo procurador-geral de Justiça, que optou por buscar uma solução extrajudicial por meio do Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição (NUPA), que promove reuniões com representantes da Câmara para buscar uma alternativa consensual.
No próximo semestre, a Casa ainda vai decidir sobre o Projeto de Lei nº 017/2025, de Vinícius Lino (PL), que pretende proibir a participação de crianças e adolescentes em Paradas do Orgulho LGBTQIAPN+. A Comissão de Justiça e Redação da Câmara rejeitou os apelos da ADRC, no último mês de junho, e adiantou que o parecer será pela constitucionalidade da proposta, prevista para ser votada após o recesso parlamentar, em agosto.