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‘Que o caso do André inspire uma nova política de avaliação na Ufes

Aluno autista terá acompanhamento pedagógico em pesquisa, informa Douglas Ferrari

O estudante da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), André Luís Fazzolo, terá acompanhamento de um profissional da área da Pedagogia no processo de escrita de seu projeto de iniciação científica. Segundo seu orientador na pesquisa, o professor do Centro de Educação (CE), Douglas Ferrari, isso ficou acordado em reunião com o Comitê de Iniciação Científica, nessa segunda-feira (2).

Leonardo Sá

Contudo, o docente aponta que não basta solucionar somente a situação do estudante. “Que o caso do André seja inspiração para uma nova política de avaliação”, defende Douglas.

Ele informa que foi acordada a realização de uma política de formação e avaliação de iniciação científica, de forma que os avaliadores possam levar em consideração as especificidades dos estudantes e professores com deficiência.

André teve seu relatório parcial aprovado com ressalvas pelo comitê de avaliação. O fato gerou questionamento por parte do aluno, que é autista, e do orientador, pessoa com deficiência visual, que apontam capacitismo. Na reunião, o comitê afirmou que estuda possibilidades de garantia de acessibilidade nos portais e documentos, como nos editais. Além disso, Douglas se colocou à disposição do comitê para sustentação oral da pesquisa e para arguição quanto ao seu desenvolvimento.

O argumento utilizado pelo comitê para a aprovação com ressalvas foi de que o relatório estava fora das normas da escrita acadêmica, com necessidade de coesão em algumas regras gramaticais e ortográficas. Além disso, a pesquisa “encontra-se com fragilidades argumentativas e de coerência interna”. Os argumentos são os mesmos utilizados para reprovar o subprojeto do aluno, apresentado ano passado para pleitear a possibilidade de fazer iniciação científica.

A reprovação em 2024 ocorreu mesmo o estudante tendo tirado 5,25, nota superior à mínima para passar, que é de 5. Somente foi permitido ao estudante fazer iniciação científica após recurso feito por Douglas. O professor aponta que, ao avaliar a pesquisa em andamento e aprovar com ressalvas, o comitê não levou em condição o fato de o aluno ser autista.

Para o docente, o estudante precisa de uma avaliação diferenciada. “É preciso tratar os iguais de forma igual, os desiguais de forma desigual na exata proporção de sua desigualdade”, defende. Além disso, aponta, a universidade deveria disponibilizar um monitor para auxiliar o graduando.

Douglas explica que, caso o relatório final de pesquisa de André Luis seja reprovado, será punido com a impossibilidade de ser orientador de iniciação científica por um ano, tendo que interromper pesquisas em andamento. Diante disso, afirma que vai buscar “alternativas individuais” para que o aluno tenha auxílio na escrita do projeto, mas reitera: “quem tem que trazer solução para esse problema é a Ufes”.

Douglas também aponta que, na avaliação, o comitê não levou em consideração sua condição de pessoa com deficiência visual e que a universidade não garante a ele acessibilidade ao portal e editais. Ele também critica a formatação estabelecida para a escrita do projeto, que é com fonte tamanho 10 e espaçamento simples, impondo dificuldade de leitura.

Douglas informa que, neste ano, a Ufes lançou um edital de iniciação científica específico para pessoas trans e pessoas com deficiência (PCDs), iniciativa que classifica como positiva, mas que não trará resultados se não levar em conta as especificidades das PCDs. “Vai se garantir uma avaliação especial para esses alunos?”, questiona.

André Luis afirma que tem como uma de suas metas cursar mestrado e doutorado, contudo, está desanimado, pois acredita que, assim como na iniciação científica, não haverá uma avaliação especial, levando em consideração o fato de ele ser autista.

André é estudante de História e sua proposta de pesquisa é sobre a educação voltada para os cegos nos séculos XVIII, XIX e XX e a trajetória do Instituto Benjamim Constant (IBC). Ligado ao Ministério da Educação (MEC) e criado por Dom Pedro II, o IBC é uma instituição de ensino voltada para pessoas com deficiência visual.

Manifestações

Em 2024, a reprovação de André Luis motivou duas manifestações, uma no prédio da Reitoria e outra no Restaurante Universitário (RU).  Na ocasião, a estudante Kael Miguel Lopes, integrante do Coletivo Neurodivergentes, que atua em defesa dos direitos de neuroatípicos e Pessoas com Deficiência (PCDs) na Ufes e organizou os atos, avaliou que o fato de André Luís ser autista foi determinante para sua reprovação. De acordo com ela, muitas pessoas neuroatípicas têm dificuldade na escrita, portanto, a universidade deveria disponibilizar uma monitoria para auxiliar na elaboração do texto.

A disponibilização de monitores, tanto na graduação quanto na pós-graduação, para atuar junto dos alunos e professores com deficiência, inclusive, na escrita dos projetos, foi uma das reivindicações da manifestação. As demais dizem respeito ao Restaurante Universuitário (RU) e à Perícia para avaliar se de fato os estudantes podem ingressar na universidade por meio de cotas para PCDs.

No que diz respeito ao RU, os universitários reivindicaram a reabertura do “RUzinho”, um espaço que se encontra fechado e que se reaberto diminui o barulho no ambiente, o que é importante para pessoas neuroatípicas. Outras reivindicações foram identificar PCDs e pessoas neuroatípicas com uma coloração diferente no cartão do RU para ter prioridade na entrada no restaurante; disponibilização de pessoas nas portas laterais para possibilitar a entrada dos cadeirantes, já que elas ficam fechadas e é preciso aguardar muito tempo até que alguém apareça para abrir; e distribuição de protetor auricular.

Também constava entre as demandas, no caso de fornecimento de marmitas, possibilitar que os alunos se sirvam, porque algumas pessoas neuroatípicas não comem se um determinado alimento encostar no outro. Ao poder fazer a própria marmita, o estudante, portanto, tem a possibilidade de escolher os alimentos.

Em relação à Perícia, a reivindicação foi que seja feita por especialistas em neurodivergência e que a Secretaria de Inclusão Acadêmica e Acessibilidade (Siac) acompanhe o processo. Essas iniciativas, acreditam os universitários, evitariam problemas como o ocorrido no início do primeiro semestre letivo de 2024, quando a Perícia da Ufes não reconheceu que as estudantes Alice Martins Guedes e Letícia Assunção Ramos são autistas. Após protestos, elas passaram por uma nova Perícia, que reconheceu, mas elas acabaram não podendo efetivar matrícula no curso de Medicina por meio de cotas para PCDs. A alegação da universidade foi de que a quantidade de vagas já estava completa.

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