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Treze municípios capixabas ainda não aderiram ao Pronacampo

Ações do programa podem fortalecer as escolas do campo, que têm sido fechadas

Governo federal

O prazo para adesão ao Programa Nacional de Educação do Campo, das Águas e das Florestas (Pronacampo) vai até o próximo dia 30. Contudo, dos 77 municípios capixabas aptos a aderir – exceção da capital Vitória -, 13 ainda não o fizeram. O professor e integrante da coordenação do Comitê de Educação do Campo do Espírito Santo (Comeces), Francisco José de Sousa Rodrigues, aponta “falta de compreensão de quem está nas gestões quanto à importância da Educação do Campo”.

As cidades que ainda não aderiram são Afonso Cláudio, Castelo, Conceição do Castelo e Venda Nova do Imigrante, na região serrana; Alfredo Chaves, Muqui e Rio Novo do Sul, no sul; Divino de São Lourenço, no Caparaó; e João Neiva, Mantenópolis, Pedro Canário, Ponto Belo e São Roque do Canaã, no norte e noroeste. Já o Governo do Estado aderiu.

Francisco Rodrigues explica que a Capital não tem escolas do campo, que são as localizadas na zona rural ou até mesmo na zona urbana, mas formadas majoritariamente por alunos que moram no campo. Portanto, por ser totalmente urbana, Vitória não se enquadra.

Uma das incompreensões para a não adesão, avalia, é no que diz respeito justamente ao fato de que unidades de ensino da zona urbana também podem ser escolas do campo. “O que define uma escola do campo não é o local, é o público”, reforça. Outro equívoco, diz, é os municípios considerarem como escola do campo somente aquelas que trabalham com a Pedagogia da Alternância, quando o aluno alterna um período integralmente na escola, chamado de Tempo Escola, e uma em casa, denominado Tempo Comunidade.

Ele informa que a Pedagogia da Alternância pode ser desenvolvida, inclusive, em escolas que não são do campo. “Toda escola deve ser em alternância, mas muitas vezes esse movimento que se faz entre esses dois espaços tempo, casa e escola, não são pedagogizados. É preciso integrar a vida do estudante ao conhecimento científico. É preciso integrar os dois espaços tempo em qualquer território”, defende.

Francisco ressalta, ainda, outro argumento das gestões para o fechamento das escolas do campo. Nesse caso, as multisseriadas. De acordo com ele, há o pensamento de que essas unidades não têm qualidade. “A visão que se tem de educação é a hegemônica, a de escola seriada, ou seja, a divisão por série. A escola multisseriada tem uma pedagogia na qual os diversos ciclos estão juntos, possibilitando o aprendizado no mesmo espaço tempo. Mostra que crianças aprendem também com outras crianças, que um ciclo aprende com outro”.

Arquivo Pessoal

Esse tipo de escola, prossegue, é a possibilidade de o campo ter colégio. O professor fala isso com base no processo de expulsão das pessoas do campo, que “está vazio”. Essa realidade faz com que não haja estudante suficiente para cada série, em se tratando de uma escola seriada. Ele defende que o fechamento das escolas multisseriadas agrava o processo de êxodo rural. Assim, as escolas multisseriadas se tratam da “resistência e permanência das pessoas naquele lugar”.

Apesar do contexto, ainda assim Francisco avalia como consideráveis as adesões dos municípios ao Pronacampo, tendo em vista o olhar “equivocado” que grande parte dos gestores tem em relação à educação, o qual tece críticas. “Normalmente, quando se vai discutir educação, as gestões estão muito baseadas em habilidades e competências, metas com as do Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] e uma visão mais meritocrática, em vez daquilo que possibilita ao estudante conhecer o mundo a partir do lugar em que ele está”, enfatiza.

Como funciona

O Pronacampo conta com ações de apoio aos sistemas de ensino para a implementação da Política de Educação do Campo, das Águas e das Florestas, em regime de colaboração com estados, municípios e o Distrito Federal. Neste ano, informa Francisco, está na sua segunda versão, com sete eixos, quatro a mais do que a primeira. Além de Formação; Currículo, Diretrizes e Material Didático; e Programa Nacional de Multisseriação (Promulti), foram inseridos Ação Climática e Agroecologia; Coordenação Federativa; Pesquisa, Avaliação e Monitoramento; Difusão de Saberes e Transversalidades

Outra novidade é “organizar a governança de formação e a de Estado”. A primeira cabe aos movimentos sociais. A segunda, à Secretaria Estadual de Educação (Sedu). É tarefa dos movimentos sociais realizar a formação dos agentes de território, que no Espírito Santo são 20, dois em cada uma das 10 regionais, tendo como um dos pré-requisitos para assumir a função ter conhecimento a respeito da Educação do Campo. O papel deles é acompanhar a implementação do Programa nos municípios, inclusive no trabalho de diálogo, junto às gestões, sobre a importância da adesão ao Pronacampo.

Além disso, os agentes devem acompanhar a criação e monitoramento dos Comitês de Gestão da Educação do Campo, a serem compostos pela sociedade civil e representantes do poder público, em especial das secretarias municipais de educação. “É a possibilidade de se materializar nos municípios o comitê, discutir temas como currículo, infraestrutura”, diz, destacando que, muitas vezes, não há nas secretarias municipais de Educação pessoas com conhecimento em Educação do Campo.

TAG

Nos últimos anos, muitas escolas do campo têm sido fechadas. O argumento das gestões, normalmente, é o Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) do Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCE-ES), aprovado em 2023 e assinado por mais de 50 prefeitos do Estado, além do governador Renato Casagrande (PSB). A criação dos comitês por meio do Pronacampo, acredita Francisco, pode impulsionar a mobilização popular diante desse cenário.

“Com o Pronacampo vamos ter mais condições de denunciar, de dialogar com as comunidades, organizar as famílias, esclarecer os gestores sobre os marcos legais”, enumera. O TAG, explica, estabelece que não pode haver concorrência entre escolas do município e do Estado, cabendo ao município a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, e ao Governo do Estado, o Ensino Médio.

“O TAG foi e tem sido um desafio na defesa das escolas do campo”, lamenta Francisco, que recorda que escolas de assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) não são impactadas. “Isso foi possível por meio da mobilização do movimento. Se nós tivéssemos feito uma articulação melhor, também teríamos mais chance de defesa das nossas escolas”, avalia.

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Sumika Freitas

Diante do que prevê o TAG, as gestões, em alguns casos, não têm condições financeiras de municipalizar e optam por fechar. As escolas do campo, segundo Francisco, são as mais vulneráveis até mesmo pela histórica falta de investimento na zona rural. Um dos argumentos das gestões para o fechamento, destaca, é o fato de as unidades de ensino em território camponês não terem infraestrutura. O Comeces, neste caso, defende que o poder público deve fazer o investimento necessário.

Outro argumento para fechar especificamente as escolas do campo é o fato de terem menos alunos do que as da zona urbana. Entretanto, Francisco reforça que isso é consequência do êxodo rural, da ideia de que o campo é “lugar de atraso, sem expectativa de vida”. Para o professor, o êxodo rural está alinhado também à expulsão da população campesina para beneficiar o agronegócio e os grandes empreendimentos industriais.

Possíveis fechamentos

Dos 13 municípios que não aderiram ainda ao Pronacampo, Rio Novo do Sul, Afonso Cláudio e Alfredo Chaves registram mobilizações atuais contra o fechamento de escolas. Em Afonso Claudio, após uma manifestação em frente ao Fórum e uma audiência pública feita pelas comunidades, na qual a gestão de Luciano Pimenta (PP) não apareceu, o presidente da Câmara, Marcelo Costa (PSB), assumiu o compromisso de realização de uma audiência, puxada pela Casa de Leis, para a qual a Administração Municipal será convidada.

As escolas que serão fechadas em Afonso Claudio são as EMEFs Fazenda Carlos Hackbart, Alto Santa Joana e São Luiz de Boa Sorte, além das EMEIEFs Duas Pedras e Julio Littig. De acordo com a professora aposentada do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e integrante Comeces, Maria do Carmo Paoliello, a gestão municipal ainda não definiu em qual unidade de ensino os estudantes da EMEIEF Julio Littig irão se matricular no ano de 2026.

No caso das EMEFs Alto Santa Joana, São Luiz de Boa Sorte e Fazenda Carlos Hackbart, os alunos irão, respectivamente, para as escolas Arcanjo Tonoli Sobrinho, Abreu Alvim e Elvira Barros. Os da EMEIEF Duas Pedras poderão se matricular na Gumercindo Lacerda. Assim como em Rio Novo do Sul, o argumento para o fechamento das escolas é o TAG.

Foto Leitor

Em Alfredo Chaves, duas escolas do campo terão suas atividades encerradas em 2026. A decisão da gestão do prefeito Hugo Luiz (PP) não foi bem recebida pelas comunidades, que apontam falta e diálogo e de argumentos que, de fato, justifiquem o fechamento das EMEFs Boa Vista, em uma comunidade de mesmo nome, e Celita Bastos Garcia, em Nova Mantua.

Os alunos da EMEF Celita Bastos Garcia, em 2026, terão que estudar na EMEF Quarto Território, na comunidade de mesmo nome. Na Celita funciona a escola de Ensino Infantil Arco-Íris, que também migrará para a mesma escola. Outra escola para a qual os alunos do Celita Bastos Garcia poderão migrar é a EMEF Crubixá, em São João. No entanto, a unidade de ensino entrará em obras no final deste ano. Isso preocupa a comunidade, que teme que não fique pronta até o início do ano letivo. Caso isso aconteça, afirma, a única alternativa será ter aulas na quadra.

Em Rio Novo do Sul, a possibilidade de fechamento de seis escolas voltou a preocupar moradores de seis comunidades. A gestão do prefeito Nei Castelari (Podemos), que anunciou o fechamento em novembro de 2024, retomou o processo, e mais uma vez sem diálogo, como apontam famílias de estudantes.

As unidades de ensino são as mesmas: as Escolas Municipais Pluridocentes de Ensino Infantil e Fundamental (Empeief) Princesa, na comunidade de Princesa; Cachoeirinha, em Cachoeirinha; Ivo Menegardo, em Alto São Vicente; Alto Mundo Novo, na comunidade de Alto Mundo Novo; Oreste Bernardo, em Itataiba; e José Lima, em São Francisco.

Google Maps

A agricultura Kátia Polonino Mardegan, mãe de uma aluna da escola em Princesa, afirma que, em 2024, o fechamento foi impedido após mobilização das comunidades. A ideia da prefeitura, na época, era transferir os alunos das escolas Princesa, Oreste Bernardo, José Lima e Ivo Menegardo para a escola Maria Giacomelli Peterle, que funciona na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EEEFM) Virginia Nova, na zona rural, em três salas cedidas pelo Governo do Estado, portanto, sem infraestrutura adequada.

A Maria Giacomelli Peterle seria, novamente, o destino anunciado pela Prefeitura de Rio Novo do Sul para os alunos de Princesa e parte dos de Ivo Menegardo, e ainda de Alto Mundo Novo. Além da falta de infraestrutura, as comunidades reclamam que, para estudar lá, os estudantes, que hoje fazem um trajeto de 10 a 15 minutos para ir à escola, demorarão mais de 40 minutos caso a estrada esteja em boas condições.

Os alunos de Cachoeirinha, informa Kátia, serão destinados para a escola Quarteirão, a qual, aponta, também não tem infraestrutura, pois se encontra em reforma. Por isso, para usar banheiro químico, fazer as refeições e beber água, os alunos têm que atravessar a rua e acessar um espaço improvisado. Outra parte dos estudantes de Ivo Menegardo, além de alunos do José Lima e Orestes Bernardo, irão para a EMEF Bodart Júnior, no Centro, o que, aponta Kátia, contraria o próprio TAG, pois retira as crianças da zona rural. A escola também se encontra em reforma, sem previsão de término. No momento, as aulas são realizadas no salão da Igreja Batista.

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