Sexta, 29 Março 2024

Volta às aulas sem monitoramento pode aumentar infecções em 270%, alerta Abrasco

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O retorno das aulas presenciais no ensino fundamental, sem nenhuma medida de monitoramento, mesmo com turmas reduzidas, pode aumentar o total de infectados na população escolar em até 270% em 80 dias.

A conclusão consta na nota técnica Quantificando o impacto da reabertura escolar durante a pandemia de Covid-19, publicada nessa terça-feira (4) pelo projeto ModCovid19, coordenado por Claudio Struchiner (FGV e UERJ) e Tiago Pereira (USP São Carlos), e divulgado nessa quinta (6) pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

O projeto ModCovid19 foi selecionado pelo Instituto Serrapilheira em uma chamada de projetos emergenciais para análise da crise sanitária e desenvolvimento de medidas de contenção apropriadas à realidade brasileira, e foi realizado em parceria com o município de Maragogi, em Alagoas, com 30 mil habitantes.

Os pesquisadores avaliam que a redução de atividades e turmas e até mesmo a vacinação dos trabalhadores não são suficientes para garantir a retomada segura de atividades presenciais. "A retomada de aulas presenciais sem que condições seguras sejam garantidas, e sem o treinamento de suas equipes em protocolos de monitoramento, significa assumir grandes riscos para o aumento de infecções e perda de vidas", afirmam.

Na nota técnica, os pesquisadores descrevem os resultados de simulações computacionais científicas, investigando o impacto da reabertura de aulas presenciais em escolas do ensino fundamental quantificando numericamente o número esperado de infectados dentro da comunidade escolar (estudantes, professores e demais funcionários da escola).

As salas de aula nas escolas estudadas são fechadas e contam com aparelhos de ar-condicionado para circulação, ressaltam os autores, o que propicia o contágio por aerossóis acumulados. "Garantir a ampla circulação aérea é uma medida essencial", advertem.

Cenários

No desenvolvimento da pesquisa, foram considerados quatro cenários e seis ações:

Cenário A - Contágio comunitário com escolas fechadas;

Cenário B - Reabertura com turmas e horários reduzidos: turno escolar de 2 horas, turmas separadas em dois grupos, com aulas presenciais em dias intercalados.

Cenário C - Reabertura reduzida com funcionários imunes: turno escolar de 2 horas, turmas separadas em dois grupos, com aulas presenciais em dias intercalados, funcionários imunizados.

Cenário D - Reabertura reduzida com monitoramentos e fechamentos temporários: turno escolar de 2 horas, turmas separadas em dois grupos, com aulas presenciais em dias intercalados, estudantes são testados e isolados (14 dias) quando sintomáticos ou quando familiar for confirmado positivo, se estudante for confirmado positivo, seu grupo é suspenso por 14 dias, se mais de um grupo apresentar estudantes positivos, a escola é fechada por 7 dias.

Apenas 2,5 horas de aula/semana

Entre os principais resultados obtidos, está a conclusão de que a vacinação de profissionais é uma medida essencial para potencializar o efeito da redução de turmas (Cenário C). Mas, ainda assim, somente a imunização de funcionários não é suficiente para barrar a cadeia de contágio em ambiente escolar, pois o número de infecções aumenta em 178% quando comparado à situação de escolas fechadas.

Outro resultado indica que um protocolo de monitoramento ativo, com detecção e isolamento de casos, aliado a atividades reduzidas (Cenário D) mostra-se bastante seguro, tendo aumento relativo de casos de 18% em comparação com o cenário A de escolas fechadas. No entanto, as simulações indicam que com este protocolo as escolas passam em média 40% do tempo fechadas. Levando em conta o fechamento extra de turmas, cada aluno teve em média apenas 2,5 horas de aula semanais.

"Assim, o início de aulas presenciais sem medidas de monitoramento de casos e protocolo de resposta podem oferecer riscos à comunidade escolar e potencialmente agravar a situação do sistema de saúde. Além de protocolos de higiene e uso de máscaras, as escolas precisam estar preparadas para detectar casos dentro do ambiente escolar, pois eles inevitavelmente aparecerão em estudantes, professores e demais funcionários", asseveram os autores.

Inclusão social

Com base na pesquisa, a Abrasco reafirma que "a discussão sobre a retomada das escolas deve ser ampla e intersetorial" e que "é preciso pensar no presente e no futuro da educação pública, ao mesmo tempo em que se aborda o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), e do sistema de proteção social".

É preciso ainda, complementa a entidade, "incluir toda a sociedade – os órgãos federais, estados, municípios, sociedade civil e cada território. Todas as periferias ou rincões do Brasil devem ser contemplados". As proposições, ressalta, constam no documento Saúde, Educação e Assistência Social em defesa da Vida e da Democracia, lançado em março pela Frente Pela Vida.

Repúdio

O estudo do projeto ModCovid19 é mais um ingrediente a embasar a posição de diversas entidades e coletivos de educadores, trabalhadores e pesquisadores da Educação capixaba, de repudiar a decisão do governo do Estado de autorizar a volta às aulas presenciais também nos municípios de risco alto a partir da próxima segunda-feira (10), inicialmente, para a educação infantil e ensino fundamental 1.

Para o Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espírito Santo, vinculado à Universidade Federal do Estado (Lagebes/Ufes), a decisão "desconsidera o seu próprio precário protocolo de segurança (que precisava ser revisto em função das variantes mais transmissíveis e agressivas) e, sobretudo, a ciência" e atende aos apelos "de uma minoria que possui escolas particulares ou tem seus filhos matriculados nas mesmas, colocando a vida de toda população capixaba em risco".

Posição semelhante tem o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes), que classifica de "incoerente, desumana e gravíssima" a atitude do Executivo capixaba.

Ao ceder "às pressões dos empresários da Educação e dos grupos políticos negacionistas, que buscam a todo custo garantir seus lucros e defender suas posições ideológicas em detrimento da vida dos capixabas", afirma o sindicato, o governo pode promover "uma tragédia ainda maior para os capixabas, colocando em risco a vida dos trabalhadores, estudantes e suas famílias".

Os professores e demais funcionários de escolas, contextualiza a entidade, representam um contingente de mais de 100 mil profissionais no Espírito Santo, mas é um grupo que sofre com "a total ausência de diálogo por parte do governo estadual", o que demonstra "descaso com a classe trabalhadora".

A redução da ocupação dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) não deve ser o único fator para respaldar tal decisão, invoca o Sindiupes, "pois pessoas continuam morrendo e se contaminando pela Covid-19 em índices elevados", com quase 10 mil vidas perdidas e mais de 400 mil casos de contaminação no Estado.

"As nossas perspectivas são as piores possíveis diante da falta de estrutura adequada nas escolas para o cumprimento dos protocolos sanitários, a lentidão na vacinação dos trabalhadores em educação e de toda a população, bem como pela circulação de novas variantes do vírus no país que, segundo especialistas, não são sensíveis aos imunizantes utilizados e poderão agravar a pandemia nos próximos meses", alertam os trabalhadores.

'Escolas fechadas salvam vidas'

Em sua conta no Twitter, a doutora em Epidemiologia e professora da Ufes Ethel Maciel também condena a decisão de reabertura. O Estado, salienta, não promoveu melhorias nas estruturas das escolas, não distribuiu máscaras filtrantes para os trabalhadores, e atingiu até o momento um percentual ínfimo de vacinados.

Assim, a justificativa de que crianças com até dez anos de idade correspondem a somente 1,32% do total de casos de Covid-19, como argumentado pelo governador Renato Casagrande ao anunciar a decisão, é "uma completa invisibilização dos trabalhadores", sublinha a cientista.

"Há uma justificativa de que o fechamento da escola está causando atraso escolar. Correção: o que está causando o atraso escolar é a pandemia e não o fechamento da escola. Este salva vidas!", assevera.

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