Macário Júdice chegou a ser aposentado compulsoriamente em outro processo

A Polícia Federal (PF) prendeu, na manhã desta terça-feira (16), o desembargador capixaba Macário Júdice Neto, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). A prisão faz parte da Operação Unha e Carne, e se insere no contexto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, mais conhecida como APPF das Favelas – uma das providências determinadas no âmbito da ADPF foi a condução de investigações sobre a atuação dos principais grupos criminosos violentos em atividade no Rio de Janeiro e suas conexões com agentes públicos.
Segundo a Polícia Federal, além do mandado de prisão preventiva, são cumpridos nesta terça-feira dez mandados de busca e apreensão no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, todos expedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A PF não deu detalhes sobre as motivações das medidas e nem forneceu nomes de investigados.
De acordo com informações da imprensa nacional, a suspeita é de que Macário tenha vazado informações sobre a operação que resultou na prisão do ex-deputado estadual carioca Thiego Raimundo dos Santos Silva, conhecido como TH Joias (MDB) – o desembargador é o relator do processo do ex-parlamentar. O presidente licenciado da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Rodrigo Bacellar (União), que chegou a ser preso na primeira fase da operação, também teria sido alvos de busca e apreensão, junto a um de seus assessores.
Não é a primeira vez que Macário Júdice Neto é ligado a irregularidades. Na verdade, ele ficou 17 anos sem atuação como magistrado. No início dos anos 2000, quando era juiz da 3ª Vara Federal de Vitória, Macário foi acusado de produzir decisões favoráveis aos interesses de um grupo que atuava no ramo de jogo do bicho e máquinas caça-níqueis, tendo seu primeiro afastamento em 2005.
No âmbito criminal, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela extinção da ação penal contra ele em 2014 – o então ministro Celso de Mello criticou o que chamou de “acusações genéricas” feitas pelo Ministério Público Federal (MPF). Apesar disso, no Processo Administrativo Disciplinar (PAD), o TRF-2 decidiu em dezembro de 2015, por dez votos a oito, pela aplicação da pena de aposentadoria compulsória.
Em 2017, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu anular a condenação, por entender que o julgamento não contou com o número mínimo de magistrados. Em 2022, o próprio CNJ reconheceu a prescrição da pena e não houve novo julgamento. No ano seguinte, o TRF-2 rejeitou recurso em uma ação de improbidade administrativa proposta pelo MPF, e Macário ficou livre das acusações.
Logo após retomar a toga, Macário foi promovido a desembargador, tendo em vista que era, na época, o juiz mais antigo em atividade – o tempo em que ficou afastado também foi contado.
ADPF das Favelas e disputa política
Em 2019, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) ingressou com ação no STF para conter a letalidade das operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro. Em 2020, o supremo proibiu a realização dessas operações durante a pandemia. Em abril deste ano, o STF determinou que o Rio de Janeiro criasse um plano de segurança para reduzir a letalidade policial, além de colocar a Polícia Federal para investigar o elo entre organizações criminosas como o Comando Vermelho (CV) e o poder público.
Entretanto, políticos de extrema direita criticam a ADPF das Favelas por supostamente impedir a ação das forças de segurança e favorecer o crime organizado. O assunto ganhou um componente mais explosivo após a chacina que resultou em mais de 120 mortes nos complexos da Penha e do Alemão. Durante uma entrevista coletiva sobre a operação, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), chamou a ADPF de “maldita”.
Temendo repercussão negativa com o eleitorado, a Executiva Nacional do PSB decidiu destituir os advogados que representavam o partido na ADPF. A medida ocorreu logo após uma petição cobrando investigações sobre possível descumprimento das imposições do STF durante a megaoperação.
Em resposta, 17 entidades de direitos humanos que compõem a Coalizão da Sociedade Civil na ADPF das Favelas publicaram uma nota de repúdio contra a decisão da cúpula socialista. “Tal postura representa não apenas um ato de desrespeito e deslegitimação da luta histórica pela responsabilização do Estado nas execuções decorrentes de operações policiais, mas também um retrocesso ético e político para um partido que se reivindica comprometido com os princípios da justiça social, da democracia e dos direitos humanos”, diz a nota, que fala também em “cálculo eleitoral” por parte do PSB.
No Espírito Santo, figuras como o deputado estadual Lucas Polese (PL) e o secretário de Meio Ambiente de Vitória Coronel Ramalho (Republicanos) usaram a APDF das Favelas para fustigar o governador Renato Casagrande (PSB), que fez críticas à operação do Rio de Janeiro – apesar de ele e o vice-governador, Ricardo Ferraço (MDB), também utilizarem um discurso de punição aos “bandidos”.
Com as operações da Polícia Federal, fica claro que a ADPF das Favelas não se resume ao impedimento de ações pela polícia, e ainda poderá mexer bastante com o cenário político carioca e nacional.

