Famílias denunciam proposta da prefeitura como insuficiente e cobram alternativas dignas

Uma audiência de mediação realizada nesta quarta-feira (30) no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) reuniu autoridades e representantes da ocupação Vila Esperança, em Vila Velha, para discutir a remoção da comunidade, estimada em 3,6 mil pessoas. Do lado de fora do órgão, um protesto de moradores voltou a denunciar falta de alternativas habitacionais dignas na proposta elaborada pela gestão de Arnaldinho Borgo (sem partido) em conjunto com empresários interessados na área.
O plano prevê o pagamento de uma parcela única de R$ 2,2 mil para apenas 135 famílias cadastradas pelo município e a guarda dos pertences por 20 dias. Após esse período, os bens não recolhidos serão considerados abandonados e doados.
O encontro foi coordenado pela desembargadora Janete Vargas Simões, da Comissão de Soluções Fundiárias do TJES, e contou com a participação da secretária nacional adjunta da Secretaria-Geral da Presidência da República, Izadora Brito; da Defensoria Pública (DPES); dos Ministério Públicos (MPES e MPF); da a presidente da Vila Esperança, Adriana Paranhos, conhecida como Baiana; da advogada do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, Maria Eliza; e da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa.

Para Carol Rocha, residente de Vila Esperança, a audiência serviu principalmente para oficializar que o plano de remoção segue em andamento. “Eles apresentaram uma lista dos moradores de 2022, que é diferente da que nós reconhecemos. A nossa lista mostra maioria de mães e crianças, mas esses dados não estão anexados ao processo. E esse plano, com esse valor e essas condições, é muito insuficiente”, criticou.
O morador Josué Santos, que também participou do protesto, destacou a frustração geral da comunidade com a condução da audiência, especialmente pela falta de escuta às lideranças locais e à própria representante do governo federal. Nem Baiana, liderança comunitária, nem a advogada Maria Eliza, que acompanha o caso, teve espaço de fala formal durante a mediação. “Nós esperávamos que, com a presença da Izadora, houvesse mais diálogo, mas ela também não pôde se manifestar. Só o Ministério Público e a desembargadora falaram”, acrescenta Carol.
Ao final da mediação, a desembargadora solicitou à prefeitura e aos empresários o detalhamento do plano apresentado, o que será analisado pelo juiz da causa. A data do despejo só será definida após a homologação judicial do plano. Segundo a moradora da ocupação, o Ministério Público apontou, durante a audiência, que o plano não atende às condicionantes determinadas pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828 do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabelece parâmetros para remoções coletivas.
Ela também destacou que o valor oferecido não garante dignidade nem recomeço às famílias ameaçadas. “A assistência que estão oferecendo é mínima. A vila nunca teve o interesse de sair. A gente quer permanecer no nosso território. E, se tiver que sair, que seja com dignidade, para um lugar compatível, e não com esse valor simbólico”, avalia.
Um dos impasses na proposta apresentada gira em torno da divergência sobre o número de famílias impactadas, relata a moradora. “Eles consideram apenas cerca de 120 famílias da lista da prefeitura, enquanto deslegitimam a nossa lista, que tem muito mais. Dizem que a maioria das pessoas ‘não mora’ na vila, o que não é verdade. Isso impacta diretamente no alcance do auxílio que estão oferecendo”, afirmou.
Ainda não há uma nova data definida para outra audiência, mas o juiz da causa poderá convocar uma nova sessão após receber o plano detalhado. Enquanto isso, a comunidade segue organizando plenárias e denúncias, na tentativa de garantir visibilidade e justiça ao seu caso. “O que eles chamam de plano, para nós, é abandono. A decisão do STF é clara: não se pode remover famílias sem alternativas reais de habitação, diálogo e proteção social”, reforçou.
As comunidades de Vila Esperança e Vale da Conquista, ambas ameaçadas pela reintegração, estão situadas em uma área reivindicada pela empresa Fazenda Moendas Empreendimentos e Participações Ltda., no bairro Jabaeté, região de Grande Terra Vermelha. Em 2019, o empresário Carlos Fernando Machado moveu ação judicial requerendo a posse das glebas 3 e 4 da chamada “Fazendinha Treze”, área ocupada por dezenas de famílias.

Mesmo diante de protestos das comunidades e denúncias sobre a ausência de alternativas habitacionais dignas, a ordem de remoção foi mantida em fevereiro deste ano pela mesma desembargadora Janete Vargas Simões. O plano de reintegração de posse foi suspenso na véspera, por decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator da Reclamação Constitucional nº 77.983.
A medida considerou a ausência de qualquer solução habitacional ou assistencial às famílias atingidas. O plano derrubado pelo STF é apontado como um ato de violência institucional, marcado pela omissão das gestões do governador Renato Casagrande (PSB) e de Arnaldinho. Apesar das sucessivas audiências e pedidos da Defensoria Pública, nenhum ente federado apresentou soluções efetivas.
A decisão liminar foi referendada por unanimidade pela 2ª Turma do Supremo, e, no dia 9 de junho, Toffoli julgou parcialmente procedente a reclamação da Defensoria Pública do Estado (DPES). O ministro determinou que o juízo da 6ª Vara Cível de Vila Velha proferisse uma nova decisão, integrando concretamente à reintegração de posse medidas previstas na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, como reassentamento, cadastramento e ações de proteção social.
A liminar considera que a remoção das famílias, da forma como havia sido determinada, representava uma violação direta ao direito à moradia e aos parâmetros legais estabelecidos pelo próprio STF durante a pandemia de Covid-19. De acordo com a Defensoria, o plano apresentado pelo município de Vila Velha e pelo Estado não contemplava qualquer medida concreta de reassentamento e previa apenas auxílio financeiro a cerca de 100 famílias em situação de pobreza, o que foi considerado insuficiente.
Segundo a Defensoria, mais de 800 famílias vivem nas ocupações Vale da Conquista e Vila Esperança desde 2017. Relatórios oficiais apontam 870 imóveis no local, com cerca de 400 residências ocupadas. A instituição relatou ausência de visita técnica para cadastramento das famílias e criticou a metodologia da Prefeitura de Vila Velha, que se recusou a adotar o CadÚnico como critério de vulnerabilidade, optando pelo Bolsa Família “sem qualquer justificativa”.

A ocupação surgiu como resposta à falta de acesso à moradia digna na região durante a gestão do então prefeito Rodney Miranda (Republicanos), em um terreno abandonado que, com o tempo, foi sendo transformado em um território vivo, produtivo e solidário. Os moradores construíram suas casas com recursos próprios, acreditando no decreto do ex-prefeito Max Filho (PSDB), de 2020, que declarou a área como de interesse social e possibilitou a desapropriação do terreno para fins habitacionais.
No entanto, em 2022, Arnaldinho Borgo revogou o decreto, cedendo às pressões do setor privado. Desde então, as tentativas de diálogo com a Prefeitura de Vila Velha e o Governo do Estado não avançaram para encontrar uma solução que garantisse o direito à moradia e a permanência das famílias no território.