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Cármen Lúcia vota pela derrubada da lei capixaba ‘antigênero’

Relatora de ação no Supremo vê inconstitucionalidade em censura ao tema

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou, nesta sexta-feira (21), o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7847, que questiona a Lei 12.479/2025, a chamada “lei antigênero”, que permite que pais e responsáveis proíbam a participação de estudantes em atividades pedagógicas relacionadas a gênero, à orientação sexual e à diversidade nas escolas públicas e privadas do Espírito Santo. O caso é analisado no plenário virtual, sob relatoria da ministra Cármen Lúcia, e os demais ministros terão até a próxima sexta-feira (1), às 23h59, para incluírem seus votos.

A ADI foi ajuizada pela Aliança Nacional LGBTI+, pela Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (Abrafh) e pelo Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans). O voto disponibilizado nesta sexta pela relatora já adiantou o entendimento de que a lei estadual viola a Constituição, ao invadir competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação.

A ministra Cármen Lúcia afirma que a norma capixaba “interviu de forma indevida no currículo pedagógico submetido à disciplina da Lei Nacional n. 9.394/1996”, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)”. Ela enfatiza que o legislador estadual foi além da competência suplementar que cabe aos estados no âmbito da educação. Para ela, “o legislador estadual, ao assegurar aos pais e responsáveis o direito de vedar a participação de seus filhos (…) em atividades pedagógicas de gênero, ultrapassou as balizas constitucionais pelas quais lhe é autorizada tão somente a complementação normativa”.

Marcelo Camargo/Abr

A ministra lembrou que a Constituição estabelece ser competência privativa da União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (artigo 22, inciso XXIV), reforçando que estados e municípios não podem interferir em currículos, conteúdos programáticos ou metodologias de ensino. Ela cita ainda decisões recentes do STF, como as ADPFs 466 e 522, nas quais o tribunal declarou inconstitucionais leis municipais que proibiam o uso de termos como “gênero” e “orientação sexual” em escolas. O entendimento consolidado é que tais normas violam não apenas a repartição de competências, mas também direitos fundamentais.

“Figura-me inviável e completamente atentatório ao princípio da dignidade da pessoa humana proibir que o Estado fale, aborde, debata e, acima de tudo, pluralize as múltiplas formas de expressão do gênero e da sexualidade”, registrou. A relatora também destacou que a lei capixaba afronta a igualdade, a liberdade de expressão e a promoção do bem de todos sem discriminação, fundamentos constitucionais que impedem políticas públicas que reforcem estigmas e invisibilização de identidades de gênero e orientação sexual.

O voto defende ainda que a lei estadual é formal e materialmente inconstitucional. Para a ministra, a norma viola a competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação; a liberdade de ensinar, aprender e divulgar conhecimento; o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas; a dignidade da pessoa humana; o princípio da igualdade; o dever estatal de combater discriminações. Ela cita o parecer do governador Renato Casagrande (PSB) também em defesa da inconstitucionalidade da lei: “O Estado tem o dever constitucional de agir positivamente para concretizar políticas públicas (…) voltadas à promoção de igualdade e de não discriminação”.

Para a relatora, ao transformar conteúdos ligados à diversidade em uma espécie de “ensino facultativo” condicionado à autorização familiar, o Estado viola o espírito da LDB, que prevê educação voltada ao pleno desenvolvimento do aluno, à cidadania, ao respeito à liberdade e à tolerância.

Antes de analisar o mérito, Cármen Lúcia reconheceu a legitimidade da Aliança Nacional LGBTI+ e da Abrafh com base em precedentes recentes, mas considerou que o Fonatrans não atende ao requisito de ser uma entidade de classe de âmbito nacional – a questão foi questionada nos autos. “Tem-se não caracterizada a legitimidade ad causam do Fonatrans, que representa especificamente travestis e transexuais negras e negros, e não a totalidade da categoria trans”, afirmou, com base em precedentes do STF que negam legitimidade a entidades que representam apenas subgrupos de uma categoria mais ampla.

A advogada das entidades, Amanda Souto, afirmou que respeita o entendimento da ministra, mas discorda. “Nós entendemos que o Fonatrans tem os requisitos para ser reconhecido como entidade nacional”, informou, sob o argumento de que a entidade tem atuação nacional e relevância comprovada, razão pela qual foi incluída na ação desde o início.

A Lei 12.479/2025, de autoria do deputado Alcântaro Filho (Republicanos), foi promulgada pela Assembleia Legislativa após omissão do governador, que não se manifestou dentro do prazo constitucional. O texto determina que escolas públicas e privadas informem previamente aos pais sobre qualquer atividade pedagógica envolvendo gênero e orientação sexual e garante que familiares possam impedir a participação de seus filhos nesses conteúdos. A norma prevê sanções e responsabilização civil e penal para instituições que descumprirem as determinações.

Além da ação que requer ao STF que a lei seja declarada inconstitucional, outras duas tramitam no Judiciário capixaba com o mesmo pleito, uma de autoria do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) e outra do Partido dos Trabalhadores (PT), ainda no aguardo de julgamento.

Divergências

Em outubro, após pareceres favoráveis à inconstitucionalidade da medida, o procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, defendeu que a lei do Espírito Santo “não interfere na liberdade de expressão ou de cátedra, tampouco impõe ou veda que sejam ministrados assuntos relacionados à ideologia de gênero nas escolas públicas e privadas da rede estadual de ensino”. Argumentou, ainda, que a lei “tampouco cuida de currículos, conteúdos programáticos, metodologias de ensino ou modos de exercício da atividade docente, não se cogitando de invasão da competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional”.

Já o advogado-geral da União, Jorge Rodrigo Araújo Messias, escreveu que a lei estadual contraria aqui diretrizes federais “pois criou uma hipótese de matrícula/frequência facultativa que descaracteriza o padrão curricular e pedagógico constante das diretrizes federais”. Neste sentido, defendeu que “seja fixada interpretação conforme a Constituição à lei atacada, de modo a se estabelecer que o direito parental de escolha nela veiculado somente pode ser aplicado a atividades pedagógicas que o currículo escolar considere eletivas ou que extravasem a base curricular mínima exigida” – apesar de a lei capixaba não fazer diferenciação entre atividades obrigatórias ou eletivas.

Em posicionamento enviado à ministra-relatora da ação no STF, Carmem Lúcia, Casagrande, embora tenha se omitido antes, adotou a mesma linha de defesa da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) já manifestado antes da sanção tática. Ele disse que a norma “viola dispositivos constitucionais e jurisprudência consolidada do STF e a competência legislativa privativa da União para dispor sobre diretrizes e bases da educação, bem como a vedação constitucional a quaisquer formas de censura e à liberdade de cátedra e concepções pedagógicas de professores”.

Já o presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Santos (União), apresentou posição divergente. O deputado sustenta que “a norma está em conformidade com a Constituição Federal e visa apenas promover o diálogo entre família e escola”. Trata-se, segundo a manifestação, “de uma iniciativa que não traz qualquer proibição, mas apenas um convite a uma salutar e legítima integração entre a escola e a família no processo de formação pedagógica da criança e do adolescente”.

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