Marise Cavalcanti, do TRT-17, apresentou sua defesa em apuração disciplinar do CNJ

“(…) a reclamada não buscou autopromoção, não utilizou redes sociais para se expor publicamente e tampouco disseminou informações sabidamente falsas. Limitou-se a reagir a postagens de colegas com posicionamento político divergente, em ambiente privado, e a compartilhar links de matérias jornalísticas de circulação ampla, sem qualquer intenção de propagação enganosa”.
Esse é um dos pontos da defesa da desembargadora Marise Medeiros Cavalcanti Chamberlain, vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (TRT-17), alvo de reclamação disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) após uma discussão política em um grupo de WhatsApp da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho do TRT-17 (Anamatra 17). Na peça, protocolada nessa terça-feira (2), o advogado da desembargadora, Alexandre Pontieri, pediu nova decretação de sigilo no processo.
A reclamação foi protocolada pelo desembargador do Trabalho aposentado José Carlos Rizk; pelo juiz titular da 13ª Vara do Trabalho de Vitória, Roque Messias Calsoni; e pela juíza titular da 2ª Vara do Trabalho de Cachoeiro de Itapemirim (sul do Estado), Suzane Schulz Ribeiro. Entretanto, uma das falas mais polêmicas de Marise aconteceu em um diálogo privado com a juíza Rosaly Stange, após a discussão no grupo dos juízes.
“Rosaly eu tinha decidido que se tivesse qualquer postagem política [no grupo da Anamatra] eu ia retrucar, porque eu…eu estou assim…há anos nesse tribunal, só vendo essa ‘esquerdalha’ militante, com esse discurso filho da p*ta, e eu não estou afim…outra coisa: eu vou ser presidente do tribunal e aí é….não… (risos) quando eu for presidente do tribunal, menina, a direita já tratorou a esquerda toda (risos)”, disse Marise, por áudio.
A argumentação da defesa diz que Marise, “em momento algum, afirmou ou deixou subtendido que iria perseguir qualquer magistrado”: estava apenas fazendo um “prognóstico” das eleições gerais de 2026, e não tratando das relações do tribunal. Ou seja, quando eventualmente ela se tornar presidente do TRT-17, em pleito previsto para 2027, um político de direita também estará governando o país.
O principal argumento de Marise é que as manifestações aconteceram em um grupo de WhatsApp privado, restrito a magistrados, e não publicamente em redes sociais. Apesar de terem sido anexadas também publicações da desembargadora no Facebook, a defesa afirma que o perfil da vice-presidente do TRT-17 é fechado.
Dentro desse entendimento, afirma que não seria possível falar em violação à Resolução Nº 305/2019, do CNJ, que estabelece os parâmetros para o uso das redes sociais pelos membros do Poder Judiciário. Também haveria infração ética aos Princípios de Bangalore, que trata da conduta pública de magistrados, conforme defendido pelos responsáveis pela reclamação.
A defesa de Marise cita inclusive uma postagem de Suzane Ribeiro nas redes sociais, de 2019, reproduzindo uma charge com crítica velada a eleitores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL); e um post de Rosaly Stange, também de 2019, de uma foto em um ato com a Associação Juízes para a Democracia (AJD), em que aparece ao lado de pessoas com camisa do presidente do Lula e fazendo gestos alusivos à sua campanha.
Esses exemplos, segundo a defesa, servem para ilustrar “o clima e o ambiente de discussões internas no grupo privado da Anamatra”, com predomínio de um grupo “alinhado a uma vertente política de esquerda”, que teria resultado até mesmo no afastamento de muitos magistrados da associação. Marise, ao contrário, decidiu continuar. “Foi nesse cenário de desequilíbrio e de constante proselitismo político velado que os fatos que deram origem a esta reclamação se desenrolaram”, diz a peça.
A defesa ainda acusou José Carlos Risk de usar o seu filho, José Carlos Risk Filho, para difundir os autos da reclamação e trecho da conversa com Rosaly, uma vez que Risk Filho tem 30 mil seguidores nas redes sociais – boa parte deles, advogados. Assim, um assunto privado ganhou exposição pública.
“É inegável que o debate foi acalorado e, em determinados momentos, descambou para o campo pessoal, com trocas de acusações e uso de linguagem contundente. Contudo, é fundamental compreender que tal comportamento foi uma exceção, um evento isolado, circunscrito a um debate privado e inflamado, e não reflete o padrão de conduta que marca seus mais de 31 anos de dedicação à magistratura”, argumentou.
Também foi rechaçada a alegação de que Marise apresenta “desequilíbrio psicológico e emocional”, conforme colocado em ata de uma reunião da Anamatra 17. Diante da exposição, a defesa pediu que a reclamação disciplinar fosse rechaçada ou, caso não seja esse o entendimento, que se adotem “medidas consensuais”.
Sobre essas medidas, é citado como precedente o caso do juiz Boanerges Eler Lopes, da 8ª Vara Cível de Vitória, que postou nas redes sociais conteúdo político-partidário e com críticas a integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e senadores. O caso foi arquivado no início deste ano após um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pelo magistrado em agosto do ano passado.
Apesar de ter falado que a desembargadora compartilhou “links de matérias jornalísticas de circulação ampla, sem qualquer intenção de propagação enganosa”, o conteúdo defendido por ela partiu de figuras de extrema direita, como Nikolas Ferreira (PL-MG) e Luiz Camargo, notabilizados por espalharem desinformação – inclusive com ataques ao STF. A defesa, entretanto, não entrou no mérito das interações da magistrada.
Em petição no último dia 27 de agosto, a Anamatra requereu participação no processo contra Marise como assistente dos magistrados autores.
Mais uma reclamação
Na esteira desse processo, o advogado Thom Bernardes Guyansque entrou com outra reclamação no CNJ contra a vice-presidente do TRT-17. De acordo com ele, as decisões de Marise no TRT refletem a visão política que ela tem manifestado nas redes sociais e grupos de aplicativos de mensagem.
Segundo o advogado, o problema não está em diferença de interpretação de casos específicos, e sim num suposto “padrão” adotado pela magistrada, que frequentemente se desvia da “linha média” de decisões de seus pares no Tribunal e muitas vezes contradiz até mesmo as suas próprias decisões.