Advogado acusa Marise Cavalcanti de “parcialidade” e “incoerência” em decisões

O advogado Thom Bernardes Guyansque formalizou mais uma reclamação disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra a desembargadora Marise Medeiros Cavalcanti Chamberlain, vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (TRT17). Bernardes afirma que as decisões de Marise apresentam “parcialidade e incoerência em detrimento dos trabalhadores, aliadas à manifestação pública de opiniões político-partidárias incompatíveis com o dever de imparcialidade judicial”.
O documento, protocolado na quinta-feira (28), cita diretamente outra reclamação feita por três magistrados capixabas no início deste mês, baseada em declarações de Marise em um grupo de WhatsApp da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 17ª Região (Amatra 17). A desembargadora foi acusada de adotar um tom desproporcionalmente ofensivo contra colegas e promover discurso político-ideológico contrário ao decoro da magistratura, tendo falado inclusive em “tratorar a esquerda” quando assumir a Presidência do Tribunal.
De acordo com Thom Bernardes, as decisões de Marise no TRT refletem a visão política que ela tem manifestado nas redes sociais e grupos de aplicativos de mensagem. Mas, segundo ele, o problema não está em diferença de interpretação de casos específicos, e sim num suposto “padrão” adotado pela magistrada, que frequentemente se desvia da “linha média” de decisões de seus pares no Tribunal e muitas vezes contradiz até mesmo as suas próprias decisões.
Para isso, ele faz um comparativo entre diversas decisões tomadas no tribunal. Um dos pontos ressaltados pelo advogado é que, nos processos em que assume relatoria, Marise costuma negar o acesso à Justiça gratuita a trabalhadores. Entretanto, em ações semelhantes em que não está na relatoria, acompanha seus colegas de tribunal e vota favoravelmente ao benefício, sem que uma alteração legislativa ou mudança de jurisprudência justifique a mudança de posicionamento. Para Thom Bernardes, esse é um sinal de seletividade decisória.
Outro “padrão” observado por Thom Bernardes é uma redução ao mínimo de condenações patronais, mesmo quando há “provas robustas e as decisões são favoráveis ao trabalhador”, o que acaba por esvaziar os efeitos práticos das demandas. O apelo a formalismos processuais, segundo ele, também costuma acontecer em detrimento de garantias trabalhistas.
O advogado defende que “não se está diante de desacordos hermenêuticos episódicos, mas de um padrão reiterado, seletivo e convergente com manifestações político-ideológicas recentemente externadas”. Segundo ele, “a magistrada se apresenta como verdadeiro outlier [pessoa com padrão desviante] decisório em desfavor dos trabalhadores, o que, por si só, impõe a atuação correcional deste Conselho”.
Sobre a questão da liberdade de expressão, ele argumenta que “para magistrados, tal liberdade sofre limitações funcionais”. Nesse sentido, “o padrão exigido não é apenas o de imparcialidade real, mas também o de aparência de imparcialidade. Quando áudios, mensagens e publicações assumem nítido viés político-partidário e convergem com decisões sistematicamente restritivas aos trabalhadores, ultrapassa-se o limite do aceitável. A questão, pois, não é punir opinião, mas coibir o transbordamento ideológico para a função jurisdicional”.
Também não se pode, de acordo com ele, alegar “independência funcional”. “A independência funcional protege a convicção jurídica no julgamento do caso concreto; não confere salvo-conduto para padrões seletivos e reiterados que comprometam a neutralidade objetiva. O CNJ não revisa mérito; examina conduta funcional e compatibilidade ética. O que se apresenta aqui é um conjunto coerente de sinais que, para o observador razoável, indica prejuízo estrutural à imparcialidade”.
Na reclamação, Thom Bernardes demanda o afastamento cautelar da desembargadora e sua aposentadoria compulsória ao final do processo. Ele também solicita “medidas correicionais complementares” no TRT17, como análise dos acervos julgados nos últimos cinco anos pela 5ª Turma e reforço normativo sobre redes sociais.
‘Show de horrores’
A primeira reclamação disciplinar contra Marise Cavalcanti, que motivou a ação do advogado, foi protocolada pelo desembargador do Trabalho aposentado José Carlos Rizk Filho; pelo juiz titular da 13ª Vara do Trabalho de Vitória, Roque Messias Calsoni; e pela juíza titular da 2ª Vara do Trabalho de Cachoeiro de Itapemirim (sul do Estado), Suzane Schulz Ribeiro.
De acordo com reclamação, nos dias 30 e 31 de julho últimos, Marise “protagonizou um verdadeiro ‘show de horrores” em um grupo de WhatsApp da Amatra 17. Os autores pedem a instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), com sanção de aposentadoria compulsória.
Tudo começou quando José Carlos Rizk postou no grupo uma nota da Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas) condenando as sanções impostas pelos Estados Unidos ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), com base na chamada Lei Magnitsky. Marise, porém, classificou o texto como “coisa ridícula” e fez acusações pessoais contra Risk.
O bate-boca continuou e envolveu Roque Messias e Suzane. Marise começou a compartilhar postagens de figuras ligadas à extrema direita como Nikolas Ferreira (PL-MG) e Luiz Camargo, com provocações aos colegas.
Em decisão do último dia 8, o ministro Mauro Campbell Marques, do Conselho Nacional de Justiça, classificou os fatos narrados como “graves”, mas indeferiu o pedido de afastamento cautelar da desembargadora por considerar que as manifestações ocorreram em lista particular de mensagens. Ele também pediu que Marise se manifestasse em até 15 dias. No dia 21, a defesa de Marise pediu que fosse decretado segredo de justiça no processo.
No campo político, Marise foi “abraçada” pelos bolsonaristas. Os vereadores de Vitória Armandinho Fontoura e Dárcio Bracarense, ambos do PL, classificaram as reclamações contra a desembargadora como “patrulha ideológica”, “censura” e “assassinato de reputações”. Bracarense anunciou que vai protocolar uma “moção de aplausos” a Marise.