Quilombolas de Itaúnas protestam na Assembleia contra reintegração em favor da Suzano

Famílias do distrito de Itaúnas que compõem o território quilombola de Angelim I, em Conceição da Barra, no norte do Estado, protestaram na Assembleia Legislativa nesta segunda-feira (15) em busca de providências quanto à reintegração de posse a ser efetivada nesta terça-feira (16), às 6h30, após ação movida pela Suzano (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria). “Estamos desesperados, não sabemos em quem nos apegar”, enfatiza o pescador Fabricio Caldeira Alves. Atos também têm sido realizados na área desde a semana passada, com bloqueios da rodovia.
O grupo se reuniu com o presidente da Casa, Marcelo Santos (União), mas não recebeu perspectivas de solução para o problema, uma vez que o deputado falou somente que iria acionar o governador Renato Casagrande (PSB) para falar da situação de vulnerabilidade das famílias. Segundo Fabricio, a comunidade, por meio de sua assessoria jurídica, tenta há meses dialogar com o parlamentar, sem sucesso. Diante disso, ele refuta o argumento de Marcelo, que durante a reunião, afirmou que o assunto não foi tratado com ele antes porque a advogada da comunidade não teria acionado a Presidência.

As famílias também se reuniram com representantes da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), que falaram que tentarão fazer uma petição ainda nesta segunda, “mas não garantem que não haverá a reintegração”, diz Fabrício. Ao todo, aponta o pescador, são 300 famílias que correm o risco de ser desalojadas. A comunidade vive principalmente da pesca e da agricultura.
No horário da sessão ordinária, na tarde desta segunda, o grupo ocupou as galerias da Assembleia e recebeu apoio e pedidos de providências dos deputados Iriny Lopes (PT), Camila Valadão (Psol), Marcus Madureira (PP), Janete de Sá (PSB) e Raquel Lessa (PP). Neste momento, Marcelo Santos informou que Casagrande estaria em interlocução com a própria Suzano.
Iriny citou legislações de direitos humanos e políticas de reconhecimento do povo quilombola como descendentes de escravizados, com respaldo internacional, e criticou o plano de remoção, “inaceitável” e “muito aquém do necessário para que o ser humano viva com dignidade”. A deputada disse que entrou em contato com o governo federal e conversou com o governador. “Precisamos de mais tempo, para que seja encontrada uma solução, essas pessoas vão para rua”. Depois, ressaltou: “é terra quilombola, está documentada”.
Camila também manifestou “profunda preocupação” e afirmou que o plano é “extrememente insuficiente”. Ela alertou que as pessoas estão vivendo crise de estresse e adoecimento por conta da situação e fez um apelo a Casagrande, para que intervenha na questão e suspenda a reintegração e, a partir do diálogo, sejam debatidos estratégias e diálogos. “Essas pessoas estarão em situação de rua e em completo desamparo”, afirmou.

Marcus Madureira reforçou a pergunta: “as famílias vão sair de suas casas e irem para onde” e considerou a reintegração “uma desgraça para quem mora no Angelim”. Já Janete de Sá (PSB) lembrou que “se tem alguém que avançou sobre essas terras foi a Suzano, que adquiriu as terras não sei como, é um mistério”. A deputada criticou que a postura da empresa “está gerando um problema social de grandes proporções”.
Ao deferir a liminar, o juiz Akel de Andrade Lima determina que “os requeridos devem interromper a moradia e retirar eventuais objetos, como barracas, carros, motos e demais instalações que tenham sido fixadas no imóvel”. Em caso de não saírem voluntariamente, deve-se proceder “a reintegração de posse do imóvel objeto da presente ação, em face do requerido e demais ocupantes que estejam no imóvel sem a autorização da parte autora”.
Além disso, é determinado que “o requerido e demais ocupantes que estiverem no imóvel para que se abstenham de expandir a invasão e de ocupar outras áreas vizinhas pertencentes à demandante, sob pena de multa de R$ 1.000,00 por pessoa e por dia de invasão, bem como caracterização de crime de desobediência”. Consta, ainda, que se deve “possibilitar a requisição de força policial, se necessário, para o efetivo atendimento desta ordem judicial e segurança dos envolvidos”.

‘Crime social e cultural’
Diante da situação, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) divulgou uma nota na qual manifestou “profunda preocupação e indignação”. É informado que o território encontra-se em processo de reconhecimento como quilombo junto ao Estado brasileiro, “sendo um espaço de resistência, memória e ancestralidade com mais de 300 anos de história”.
“Ali vivem diversas famílias, incluindo crianças, mestres da cultura popular e guardiões de tradições que fazem parte do patrimônio cultural brasileiro. Entre eles estão nomes como Mestre Anís, Mestre Caboquim, João Quemode, Vantuir e o Preto Velho, griôs que mantêm vivas as festas folclóricas e tradições reconhecidas e celebradas por toda a região”.
Para o Conaq, a reintegração “configura um crime social e cultural, um ataque frontal ao direito constitucional dos povos quilombolas à terra, à dignidade e à preservação de seus modos de vida”. Aponta, ainda, que “é inadmissível que, ao mesmo tempo em que a sociedade aplaude e valoriza a contribuição desses mestres e comunidades em eventos e festividades, se silencie diante da ameaça de sua destruição e invisibilização”.
A Conaq afirma que “o Estado brasileiro tem o dever legal e moral de proteger o território quilombola, respeitar os processos de reconhecimento em curso e garantir a permanência das famílias em suas terras de origem” e exige que “as autoridades competentes, municipais, estaduais e federais, adotem imediatamente medidas que impeçam a reintegração de posse e assegurem a proteção do Quilombo Itaúnas e de sua população”.
A Sociedade Amigos por Itaúnas (Sapi) também se manifestou. Em nota, recorda que a Suzano chegou no Espírito Santo “em plena era da ditadura no Brasil e ocupara, territórios há muito habitados por famílias de origem indígena e quilombola”. “A remoção dessas famílias descendentes dos que aqui estavam e a destruição de suas casas representam, portanto, mais um dos muitos atos de violência física, simbólica, psicológica e patrimonial que marcam a história desse território”.





A Sapi aponta que na reintegração “não serão derrubadas só casas, lavouras de agricultura familiar, iniciativas agroflorestais e recuperação de lagoas e nascentes; serão também derrubados sonhos e, quando derrubam-se sonhos, derrubam-se também futuros”. Trata-se, segundo a Sapi, de um modelo de ocupação baseado “em poder e propriedade”, que não reconhece “o direito dessas comunidades a seus territórios ancestrais. E isso tem sido motivo de injustiças sociais e econômicas”. A associação recorda que a comunidade fica na área vizinha ao Parque Estadual de Itaúnas.
“Toda essa ação de desmonte vai na contramão de ações para mitigar a grave crise climática que estamos enfrentando em todo o mundo e a desertificação que ameaça a bacia do Rio Itaúnas”.