segunda-feira, setembro 15, 2025
22.9 C
Vitória
segunda-feira, setembro 15, 2025
segunda-feira, setembro 15, 2025

Leia Também:

‘Estamos desesperados, não sabemos em quem nos apegar’

Quilombolas de Itaúnas protestam na Assembleia contra reintegração em favor da Suzano

Leonardo Sá

Famílias do distrito de Itaúnas que compõem o território quilombola de Angelim I, em Conceição da Barra, no norte do Estado, protestaram na Assembleia Legislativa nesta segunda-feira (15) em busca de providências quanto à reintegração de posse a ser efetivada nesta terça-feira (16), às 6h30, após ação movida pela Suzano (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria). “Estamos desesperados, não sabemos em quem nos apegar”, enfatiza o pescador Fabricio Caldeira Alves. Atos também têm sido realizados na área desde a semana passada, com bloqueios da rodovia.

O grupo se reuniu com o presidente da Casa, Marcelo Santos (União), mas não recebeu perspectivas de solução para o problema, uma vez que o deputado falou somente que iria acionar o governador Renato Casagrande (PSB) para falar da situação de vulnerabilidade das famílias. Segundo Fabricio, a comunidade, por meio de sua assessoria jurídica, tenta há meses dialogar com o parlamentar, sem sucesso. Diante disso, ele refuta o argumento de Marcelo, que durante a reunião, afirmou que o assunto não foi tratado com ele antes porque a advogada da comunidade não teria acionado a Presidência.

Leonardo Sá

As famílias também se reuniram com representantes da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), que falaram que tentarão fazer uma petição ainda nesta segunda, “mas não garantem que não haverá a reintegração”, diz Fabrício. Ao todo, aponta o pescador, são 300 famílias que correm o risco de ser desalojadas. A comunidade vive principalmente da pesca e da agricultura.

No horário da sessão ordinária, na tarde desta segunda, o grupo ocupou as galerias da Assembleia e recebeu apoio e pedidos de providências dos deputados Iriny Lopes (PT), Camila Valadão (Psol), Marcus Madureira (PP), Janete de Sá (PSB) e Raquel Lessa (PP). Neste momento, Marcelo Santos informou que Casagrande estaria em interlocução com a própria Suzano.

Iriny citou legislações de direitos humanos e políticas de reconhecimento do povo quilombola como descendentes de escravizados, com respaldo internacional, e criticou o plano de remoção, “inaceitável” e “muito aquém do necessário para que o ser humano viva com dignidade”. A deputada disse que entrou em contato com o governo federal e conversou com o governador. “Precisamos de mais tempo, para que seja encontrada uma solução, essas pessoas vão para rua”. Depois, ressaltou: “é terra quilombola, está documentada”.

Camila também manifestou “profunda preocupação” e afirmou que o plano é “extrememente insuficiente”. Ela alertou que as pessoas estão vivendo crise de estresse e adoecimento por conta da situação e fez um apelo a Casagrande, para que intervenha na questão e suspenda a reintegração e, a partir do diálogo, sejam debatidos estratégias e diálogos. “Essas pessoas estarão em situação de rua e em completo desamparo”, afirmou.

Famílias protestaram o dia todo no norte nesta segunda-feira. Foto: Foto Leitor

Marcus Madureira reforçou a pergunta: “as famílias vão sair de suas casas e irem para onde” e considerou a reintegração “uma desgraça para quem mora no Angelim”. Já Janete de Sá (PSB) lembrou que “se tem alguém que avançou sobre essas terras foi a Suzano, que adquiriu as terras não sei como, é um mistério”. A deputada criticou que a postura da empresa “está gerando um problema social de grandes proporções”.

Ao deferir a liminar, o juiz Akel de Andrade Lima determina que “os requeridos devem interromper a moradia e retirar eventuais objetos, como barracas, carros, motos e demais instalações que tenham sido fixadas no imóvel”. Em caso de não saírem voluntariamente, deve-se proceder “a reintegração de posse do imóvel objeto da presente ação, em face do requerido e demais ocupantes que estejam no imóvel sem a autorização da parte autora”.

Além disso, é determinado que “o requerido e demais ocupantes que estiverem no imóvel para que se abstenham de expandir a invasão e de ocupar outras áreas vizinhas pertencentes à demandante, sob pena de multa de R$ 1.000,00 por pessoa e por dia de invasão, bem como caracterização de crime de desobediência”. Consta, ainda, que se deve “possibilitar a requisição de força policial, se necessário, para o efetivo atendimento desta ordem judicial e segurança dos envolvidos”.

Leonardo Sá

‘Crime social e cultural’

Diante da situação, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) divulgou uma nota na qual manifestou “profunda preocupação e indignação”. É informado que o território encontra-se em processo de reconhecimento como quilombo junto ao Estado brasileiro, “sendo um espaço de resistência, memória e ancestralidade com mais de 300 anos de história”.

“Ali vivem diversas famílias, incluindo crianças, mestres da cultura popular e guardiões de tradições que fazem parte do patrimônio cultural brasileiro. Entre eles estão nomes como Mestre Anís, Mestre Caboquim, João Quemode, Vantuir e o Preto Velho, griôs que mantêm vivas as festas folclóricas e tradições reconhecidas e celebradas por toda a região”.

Para o Conaq, a reintegração “configura um crime social e cultural, um ataque frontal ao direito constitucional dos povos quilombolas à terra, à dignidade e à preservação de seus modos de vida”. Aponta, ainda, que “é inadmissível que, ao mesmo tempo em que a sociedade aplaude e valoriza a contribuição desses mestres e comunidades em eventos e festividades, se silencie diante da ameaça de sua destruição e invisibilização”.

A Conaq afirma que “o Estado brasileiro tem o dever legal e moral de proteger o território quilombola, respeitar os processos de reconhecimento em curso e garantir a permanência das famílias em suas terras de origem” e exige que “as autoridades competentes, municipais, estaduais e federais, adotem imediatamente medidas que impeçam a reintegração de posse e assegurem a proteção do Quilombo Itaúnas e de sua população”.

A Sociedade Amigos por Itaúnas (Sapi) também se manifestou. Em nota, recorda que a Suzano chegou no Espírito Santo “em plena era da ditadura no Brasil e ocupara, territórios há muito habitados por famílias de origem indígena e quilombola”. “A remoção dessas famílias descendentes dos que aqui estavam e a destruição de suas casas representam, portanto, mais um dos muitos atos de violência física, simbólica, psicológica e patrimonial que marcam a história desse território”.

A Sapi aponta que na reintegração “não serão derrubadas só casas, lavouras de agricultura familiar, iniciativas agroflorestais e recuperação de lagoas e nascentes; serão também derrubados sonhos e, quando derrubam-se sonhos, derrubam-se também futuros”. Trata-se, segundo a Sapi, de um modelo de ocupação baseado “em poder e propriedade”, que não reconhece “o direito dessas comunidades a seus territórios ancestrais. E isso tem sido motivo de injustiças sociais e econômicas”. A associação recorda que a comunidade fica na área vizinha ao Parque Estadual de Itaúnas.

“Toda essa ação de desmonte vai na contramão de ações para mitigar a grave crise climática que estamos enfrentando em todo o mundo e a desertificação que ameaça a bacia do Rio Itaúnas”.

Mais Lidas