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Justiça bloqueia lotes de imobiliária acusada de fraude em Guarapari

Imobiliária Garantia vendeu empreendimento de alto luxo com promessas nunca entregues

Após seis anos de tramitação, a Justiça do Espírito Santo determinou o bloqueio de imóveis da Imobiliária Garantia no loteamento Village do Sol – Setor Recanto, também chamado de Residencial Vale do Luar, em Guarapari. A decisão foi proferida nessa segunda-feira (30), no âmbito de uma ação civil pública movida pela Associação Nacional de Defesa dos Consumidores e das Donas de Casa, que aponta fraude na venda dos lotes e busca indenização para os consumidores lesados.

Uma audiência de instrução e julgamento está marcada para o dia 16 de outubro, em Vila Velha. Na ocasião, testemunhas serão ouvidas, provas complementares serão analisadas, e novas decisões poderão ser tomadas, inclusive a possível ampliação do bloqueio de lotes da empresa.

A disputa envolvendo o loteamento tem se desenrolado desde 2018, mas diferentemente dos processos individuais julgados em 2023 – que trataram principalmente da cobrança irregular de taxas de condomínio –, a ação busca reparar os danos coletivos e individuais causados pelas empresas responsáveis pelo empreendimento, a Imobiliária Garantia e a construtora G&C. Os dois nomes, Village do Sol – Setor Recanto e Residencial Vale do Luar -, aparecem nos documentos e nos processos como parte do mesmo caso e, por isso, têm sido tratados de forma conjunta na Justiça.

A advogada Débora Pauli Freitas, representante da associação que move o processo, afirma que ainda em 2000, a Imobiliária Garantia e a construtora G&C prometeram a construção de um condomínio fechado com toda infraestrutura, incluindo ruas pavimentadas, saneamento básico, rede elétrica, restaurante, piscina, área de lazer e segurança 24 horas. Os consumidores, atraídos por essas promessas, compraram os lotes e começaram a construir suas casas. No entanto, o condomínio nunca foi entregue como anunciado.

Propaganda do empreendimento. Foto: Reprodução

“Eles venderam a ideia de um condomínio de alto padrão. Fizeram propaganda em outdoors, supermercados e televisão. As pessoas investiram suas economias de uma vida acreditando nesse projeto, mas a realidade foi completamente diferente. As ruas não foram calçadas, o saneamento nunca chegou, e a rede elétrica só foi parcialmente instalada após ações individuais dos moradores”, explica. Apesar da vitória ainda parcial – cabe recurso -, Débora ressalta que as provas “são muito contundentes e as chances de sucesso são grandes”.

‘Histórico de fraudes’

Diante dos fatos apresentados, o juiz Camilo José D’Ávila Couto apontou risco de prejuízo irreparável aos consumidores e determinou o bloqueio das matrículas 13.785, 13.786 e 16.060, impedindo que os imóveis sejam vendidos ou transferidos enquanto o processo estiver em curso. O bloqueio foi concedido com base no artigo 300 do Código de Processo Civil, após o juiz constatar que a Imobiliária Garantia continuava alienando lotes mesmo durante o andamento da ação.

“A eventual alienação dos demais lotes causará prejuízos à parte autora, bem como a eventuais terceiros de boa-fé”, pontuou o magistrado. A medida busca assegurar que, caso os consumidores tenham direito a indenização ao final do processo, a empresa ainda possua patrimônio suficiente para garantir o pagamento.

Segundo a advogada, a Imobiliária Garantia é conhecida por atuar há décadas na região com loteamentos questionáveis. “A empresa tem histórico de fraudes. São dezenas de processos contra ela no Tribunal de Justiça. Eles venderam terrenos em áreas onde nunca poderiam ter sido feitos loteamentos. Continuam vendendo até hoje, mesmo com diversas denúncias”, alerta.

Além das promessas não cumpridas e dos impactos ambientais, Débora também denuncia a criação de uma associação de fachada pela Imobiliária Garantia, que continuou a cobrar taxas de condomínio dos moradores. Esse foi o centro das ações individuais julgadas em 2023, quando a Justiça reconheceu que a cobrança era ilegal e que a associação havia sido criada por pessoas ligadas à empresa, sem a participação real dos moradores.

Na ação coletiva, há ainda uma disputa entre duas associações que reivindicam representar os proprietários dos imóveis. De um lado está a Associação dos Proprietários de Imóveis do Condomínio Vale do Luar, considerada legítima pelos autores da ação. Do outro, a Associação do Residencial Vale do Luar, apontada como falsa e ligada à Imobiliária Garantia. Ambas solicitaram participação no processo, e o juiz determinou que o Ministério Público Estadual (MPES) se manifeste sobre a legitimidade de cada uma.

A ação pede a condenação das empresas por danos morais coletivos e danos patrimoniais individuais, além da reparação financeira aos consumidores lesados. Também solicita que a venda de novos lotes seja definitivamente proibida para impedir a perpetuação dos danos. “O impacto dessa fraude não foi apenas financeiro. Os consumidores tiveram prejuízos emocionais, perderam qualidade de vida, alguns vivem sem infraestrutura básica. Estamos lutando para garantir que essas pessoas sejam reparadas”, reforça Débora.

Lista de problemas

Em março de 2024, a moradora Scheila Ventura Fontana denunciou, na Tribuna Popular da Assembleia Legislativa, a precariedade enfrentada no local onde reside há mais de 15 anos. Ela destacou que a comunidade de aproximadamente 12 mil pessoas sofre com a ausência de serviços públicos básicos, como saúde, saneamento básico, transporte, segurança e educação infantil, e fez um apelo aos parlamentares por melhorias.

Entre os problemas mais graves apontados, está a falta de saneamento básico e água potável. Segundo Scheila, os moradores dependem de água de poços, que é salobra e contaminada. Outro ponto crítico é a falta de asfaltamento das ruas e de transporte público. O bairro possui cerca de 60 ruas de terra, o que dificulta a circulação de ônibus e a chegada de viaturas da polícia.

Arquivo Pessoal

Além do descumprimento contratual, o loteamento foi aberto em uma Área de Proteção Ambiental (APA) de Setiba, o que por si só inviabiliza a realização de obras de infraestrutura como rede de esgoto e fornecimento regular de energia elétrica. “A EDP [Brasil] e a Cesan [Companhia Espírito-Santense de Saneamento] negaram a instalação porque não poderiam intervir na área protegida. Mesmo assim, as empresas continuaram vendendo lotes”, denuncia a advogada.

Em 2018, dois Termos de Ajustamento de Conduta Urbanística (TACs) foram firmados entre o Ministério Público Estadual, a Imobiliária Patrimônio (ligada aos mesmos responsáveis pela Imobiliária Garantia) e a Prefeitura de Guarapari, com o objetivo de regularizar parte do empreendimento localizado dentro da APA de Setiba. Os acordos, no entanto, foram amplamente criticados por não sanarem as agressões ambientais já constatadas na área. 

O TAC obrigava apenas o patrolamento de algumas ruas, ignorando problemas graves como a contaminação do lençol freático, a ausência de rede de esgoto, de energia elétrica adequada e de pavimentação, descumprindo inclusive a legislação urbanística e ambiental vigente. À época, o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), gestor da APA, sequer participou das negociações, mesmo tendo emitido autos de infração contra a Imobiliária Garantia desde 2003 e solicitado formalmente sua inclusão no processo. 

A falta de infraestrutura adequada levou a soluções improvisadas pelos moradores, como a abertura de fossas sépticas próximas a poços artesianos, o que hoje representa um risco de contaminação do lençol freático. O conselheiro Cesar Ivan Pinheiro, que acompanha a situação por meio de conselhos municipais de meio ambiente, aponta que o problema poderia ser resolvido com soluções simples, se houvesse vontade política. Ela aponta que cidades como Aracruz, no norte do Estado, já adotaram estações de tratamento de esgoto específicas para loteamentos.

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