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Justiça homologa plano e determina desocupação de Vila Esperança

Prazo é de 20 dias para remoção compulsória das famílias, com uso de força policial

Leonardo Sá

A 6ª Vara Cível de Vila Velha determinou a retomada da ordem de desocupação da área conhecida como Vila Esperança, localizada em Jabaeté, após homologar o plano de ação apresentado pela Prefeitura de Vila Velha, sob gestão de Arnaldinho Borgo (sem partido). A decisão, assinada nessa quarta-feira (20) pelo juiz Manoel Cruz Doval, restabelece a eficácia da medida de reintegração de posse e fixa prazo de 20 dias corridos para que a remoção das famílias seja efetivada. Ele também autorizou o uso de força policial, arrombamentos e demolições, caso necessário.

A execução da reintegração havia sido suspensa por determinação do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que exigiu a elaboração de um plano voltado a garantir alternativas habitacionais para as famílias vulneráveis antes da remoção. Após audiência de mediação realizada no último mês de julho para discutir a remoção da comunidade, estimada em 3,6 mil pessoas, o juiz entendeu que o plano de desocupação pactuado entre o município, o proprietário da área e a Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), “mostrou-se satisfatório e razoável para mitigar a situação de vulnerabilidade dos ocupantes, quando da execução da ordem de desocupação”.

O magistrado também rejeitou o pedido da Defensoria Pública do Estado (DPES) para divulgação nominal dos beneficiários do auxílio habitacional, “por se tratar de medida irrelevante” à execução da ordem de despejo. O plano pactuado prevê a concessão de auxílio extraordinário de uma parcela única de R$ 2,2 mil para até cem famílias previamente identificadas em situação de vulnerabilidade. A prefeitura deverá oferecer ainda um apoio logístico para mudanças, transporte de pertences para cidades vizinhas e guarda em galpões por até 21 dias.

Segundo o despacho, o atendimento às famílias começará quatro dias antes da data final estipulada para a saída voluntária, com equipes das secretarias municipais de Mobilidade, Desenvolvimento Urbano e Assistência Social atuando no local. No dia da reintegração, a estrutura também deverá contar com serviços de saúde, segurança e assistência social.

Entre as 135 famílias consideradas aptas ao auxílio extraordinário, quase metade (65 famílias, ou 48,1%) vive com renda de até R$ 105 por mês, configurando situação de extrema pobreza. Outras 14 famílias (10,3%) têm renda entre R$ 105,01 e R$ 210, enquanto 28 famílias (20,7%) sobrevivem com valores entre R$ 210,01 e meio salário mínimo (R$ 759,00). Mais 25 famílias (18,5%) possuem renda superior a meio salário mínimo. Além disso, em três casos (2,2%), a inclusão se deu por outros critérios sociais, como recebimento de Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou ausência de imóvel próprio.

Segundo a Defensoria, mais de 800 famílias vivem nas ocupações Vila Esperança e Vale da Conquista, localizada ao lado e também alvo da desocupação, desde 2017. Relatórios oficiais apontam 870 imóveis no local, com cerca de 400 residências ocupadas.

Leonardo Sá

‘Violação direta’

A advogada Maria Elisa Koehler Quadros, representante da comunidade Vila Esperança, apresentou manifestação ao processo apontando diversas falhas no plano homologado pela Justiça. Para ela, as medidas previstas não asseguram os direitos constitucionais à moradia e à dignidade da pessoa humana. “O número de 135 famílias apontado pelo município não reflete a realidade e não resiste a simples visita in loco, onde se constata expressivamente maior densidade populacional”, afirma. Ela alega ainda que o levantamento socioeconômico feito pela prefeitura em 2022 está defasado e não corresponde à realidade atual, três anos depois, quando o número de famílias residentes aumentou consideravelmente.

Outro ponto de crítica é a exigência de inscrição no Cadastro Único para acesso ao auxílio, o que, segundo a advogada, exclui moradores da Vila Esperança por se tratar de área irregular. “Negar tais serviços com base na ausência de comprovante de residência constitui violação direta a direitos humanos e sociais”, ressalta.

Sobre o auxílio financeiro, a representante da comunidade considera o valor e o formato insuficientes. “O auxílio proposto não assegura moradia digna, resultando, na prática, na colocação de inúmeras famílias em situação de rua logo após a desocupação, em frontal violação ao art. 6º da Constituição Federal”, reforça. Ela também critica o prazo reduzido de atendimento às famílias antes da desocupação. “O lapso temporal é manifestamente inviável para tratar da situação de mais de 700 famílias, apenas intensificando o estado de insegurança e vulnerabilidade da comunidade”.

Outro aspecto apontado pela advogada é a ausência de participação efetiva da própria comunidade na formulação do acordo. “A comunidade — que é o sujeito mais diretamente atingido — não participou do ajuste e não anuiu às condições estabelecidas, o que compromete sua legitimidade. Sendo os moradores os principais afetados, é imprescindível sua concordância”, enfatiza.

Ela sustenta que o processo deveria envolver soluções estruturantes, como inclusão em programas habitacionais permanentes ou uso de recursos federais destinados à urbanização de favelas e reassentamentos. “O simples repasse de valores não garante reassentamento digno, tampouco assegura acesso efetivo a direitos”, afirma.

A advogada aponta que o Estado está apto a receber recursos federais para implementação de soluções habitacionais, conforme discutido em reuniões entre secretarias estaduais e nacionais. Apesar da participação de representantes da Presidência da República nas audiências, ela acrescenta que tiveram sua participação cerceada. Por fim, ela defende que a mediação de conflitos fundiários “transcende o âmbito estritamente judicial, devendo se concretizar, sobretudo, na construção coletiva de alternativas que coloquem a vida e a dignidade das pessoas no centro das decisões públicas”.

A ocupação surgiu como resposta à falta de acesso à moradia digna na região durante a gestão do então prefeito Rodney Miranda (Republicanos), em um terreno abandonado que, com o tempo, foi sendo transformado em um território vivo, produtivo e solidário. Os moradores construíram suas casas com recursos próprios, acreditando no decreto do ex-prefeito Max Filho (PSDB), de 2020, que declarou a área como de interesse social e possibilitou a desapropriação do terreno para fins habitacionais.

No entanto, em 2022, Arnaldinho Borgo revogou o decreto, cedendo às pressões do setor privado. Desde então, as tentativas de diálogo com a Prefeitura de Vila Velha e o Governo do Estado não avançaram para encontrar uma solução que garantisse o direito à moradia e a permanência das famílias no território.

Déficit habitacional

O Censo 2022 do IBGE identificou 516 favelas e comunidades urbanas no Espírito Santo, onde predominam domicílios com insegurança na posse, ausência de serviços públicos básicos, infraestrutura autoproduzida e localização em áreas ambientalmente frágeis ou com restrições legais de ocupação. Vila Velha aparece como o terceiro município com maior número dessas comunidades (61), atrás de Cariacica (79) e Serra (68).

De acordo com o relatório da Fundação João Pinheiro (FJP), o déficit habitacional capixaba saltou de 83,2 mil domicílios, em 2019, para 92,2 mil em 2024 — o equivalente a 6,3% das moradias do Estado. Entre janeiro de 2022 e junho de 2024, a Defensoria registrou 59 casos de remoções coletivas e ameaças de despejo em todo o Espírito Santo, sendo 47 em áreas urbanas e 12 em áreas rurais, atingindo cerca de 9,4 mil famílias ou mais de 37 mil pessoas.

A DPES aponta quye a maior parte das ocupações ameaçadas surgiu antes da pandemia, reforçando a necessidade urgente de políticas habitacionais efetivas e permanentes.

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