sexta-feira, novembro 14, 2025
27.9 C
Vitória
sexta-feira, novembro 14, 2025
sexta-feira, novembro 14, 2025

Leia Também:

Justiça inglesa declara BHP culpada pelo crime da Samarco

Mineradora atuou com negligência, imprudência e imperícia, conclui julgamento

Pogust Goodhead

A Justiça da Inglaterra decidiu que a BHP Billiton é culpada pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), que despejou 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério na bacia do Rio Doce, atingindo o litoral e comunidades capixabas. Na decisão, a juíza Finola O’Farrella considerou a mineradora, que administrava a Samarco em conjunto com a Vale, responsável pelo colapso por negligência, imprudência e imperícia.

Com o julgamento da responsabilidade concluído, o processo avança agora para a fase de avaliação dos danos. Uma audiência de gerenciamento do caso está marcada para os próximos dias 17 e 18 de dezembro, e o julgamento da segunda fase, para avaliação dos danos, está previsto para outubro de 2026. A ação tramita na Inglaterra porque a BHP era listada na Bolsa de Londres à época, o que permitiu que atingidos buscassem reparação naquela jurisdição.

Na decisão, a juíza identificou “provas esmagadoras” de que a empresa sabia que a estrutura estava instável e de que o risco de liquefação e ruptura era previsível e poderia ter sido evitado. Mesmo assim, a BHP ignorou sucessivos sinais de alerta desde, pelo menos, agosto de 2014, e seguiu elevando a barragem. A decisão é a primeira a responsabilizar formalmente uma das corporações envolvidas no crime socioambiental que devastou comunidades ao longo do Rio Doce até o litoral e é considerado o maior já registrado no Brasil e um dos maiores do mundo.

A sentença determina que a BHP deve responder como poluidora tanto sob a legislação ambiental brasileira quanto com base no regime de culpa previsto no Código Civil. Para o Tribunal, qualquer pessoa física ou jurídica direta ou indiretamente responsável por atividade poluidora pode ser tratada como poluidora. Isso inclui quem controla, financia, participa ou lucra com a atividade, ou cria o risco que ela representa.

Diante dos fatos, a juíza concluiu que o colapso da barragem resultou de falhas graves na gestão de risco. Segundo as provas apresentadas, a BHP, junto da Vale, era a “mente diretiva” da Samarco e participava desde decisões estratégicas até rotinas operacionais. Ela observou que a mineradora assumiu a responsabilidade pela gestão dos riscos da estrutura, tinha controle direto sobre os procedimentos de segurança, e realizou investimentos substanciais na empresa, dela extraindo benefícios financeiros e comerciais significativos.

A sentença também rejeitou as tentativas da empresa de afastar ou limitar sua responsabilidade. Para a Justiça inglesa, os processos criminais ainda em curso no Brasil adiaram o início da contagem do prazo prescricional para, pelo menos, setembro de 2024. Com isso, vítimas poderão apresentar novas ações até, no mínimo, setembro de 2029 — e, em alguns casos, até prazos mais longos, conforme suas circunstâncias individuais.

Outro ponto central da decisão foi o reconhecimento da legitimidade dos municípios brasileiros para processar a BHP na Inglaterra. Atualmente, 31 municípios integram a ação, incluindo quatro do Espírito Santo: Aracruz, Baixo Guandu, Colatina e Marilândia, no norte e noroeste do Estado. Embora a legitimidade dessas ações tenha sido contestada pelas mineradoras no Supremo Tribunal Federal (STF), o tribunal inglês decidiu que eles têm direito de seguir litigando na jurisdição britânica.

O Tribunal também avaliou a validade das quitações assinadas por atingidos que aderiram aos programas de compensação conduzidos pela Fundação Renova ou pela Repactuação. Para a juíza, o alcance dessas quitações deve ser interpretado caso a caso, de acordo com o Código Civil brasileiro. Ela entendeu que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica aos acordos firmados no âmbito da Renova, mas ressaltou que cada documento deve ser analisado individualmente para determinar se limita ou não o direito do atingido de ingressar na ação inglesa.

Para Gelvana Rodrigues, que perdeu o filho de sete anos arrastado pela lama, a sentença representa o início da justiça. “Prometi não descansar enquanto os responsáveis não fossem punidos. Sempre dissemos que não foi acidente. Agora está claro que a BHP deve responder”.

O Tribunal também definiu que alguns acordos firmados no Brasil podem impedir determinados autores de seguir no processo inglês. O escritório internacional Pogust Goodhead, que conduz a ação coletiva, já adiantou que pretende recorrer dessas restrições para evitar atrasos no processo.

No Brasil, após quase dez anos do crime, executivos e engenheiros foram “absolvidos por falta de provas” e a gravidade se aprofunda com a atuação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6). Para as vítimas, a reparação segue um ritmo lento e frustrante, enquanto a abrangência do crime ainda não foi totalmente mapeada, com reivindicações surgindo até no sul da Bahia, como aponta o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Leonardo Sá

O grupo alerta que a falta de responsabilização criminal representa um precedente perigoso, que posterga a devida justiça para os atingidos, incluindo 19 vítimas fatais, e um feto no útero materno. Os rejeitos percorreram 684 km do Rio Doce até alcançarem o mar em Regência, em Linhares. Mais de 2,5 milhões de pessoas em três estados, e até hoje os atingidos sofrem com a desestruturação social e política, além das perdas ambientais e econômicas.

Desde o rompimento, o que se seguiu foi uma cadeia de danos e injustiças sociais de proporções catastróficas, cujas consequências ainda ecoam desde Minas Gerais até o litoral capixaba, descreve o MAB. “Existem mais de 200 mil pedidos de reconhecimento de atingidos negados ou ignorados, e territórios inteiros seguem fora do acordo de reparação”, sustenta.

Mais Lidas