Edital havia sido lançado por OSs contratada pela gestão de Lucas Scaramussa
O juiz Mauricio da Cruz Rossato deferiu o pedido de tutela provisória de urgência feito pela médica Monique Jaretta Ardison em face da Associação Tristão da Cunha, Organização Social de Saúde (OSs) contratada pela Prefeitura de Linhares, na gestão do prefeito Lucas Scaramussa (Podemos), para a gestão da saúde pública municipal.

A associação deu início a uma seleção para contratação de pessoal por meio do Edital n.º 002/2025, que foi questionada. O juiz determinou a suspensão do processo seletivo, “bem como de todos os atos dele decorrentes, incluindo a análise de currículos, a divulgação de resultados, a homologação e a eventual convocação ou contratação de candidatos”.
Determinou, ainda, que a associação “se abstenha de praticar quaisquer atos subsequentes relacionados ao referido certame até nova deliberação deste juízo, sob pena de multa diária que fixo em R$ 50 mil, limitada, por ora, a 30 dias, com fundamento no artigo 537 do Código de Processo Civil, sem prejuízo de outras sanções cíveis e criminais cabíveis”.
Por fim, também determinou que caso a associação “opte por dar prosseguimento ao certame após o cumprimento da suspensão, proceda à prévia retificação do Edital n.º 002/2025, de modo a reabrir o prazo para inscrição e juntada de documentação por período não inferior a 15 dias úteis, a contar da nova publicação, garantindo-se ampla divulgação do novo cronograma nos mesmos meios utilizados para a publicidade do edital original”.
Conforme consta na decisão, Monique, que mantém vínculo contratual com a prefeitura desde 2024, destacou que o edital foi assinado nessa terça-feira (23), mas as inscrições se encerram nesta sexta-feira (26), às 18h, e que a previsão de homologação do resultado final é na segunda-feira (29). Assim, alega, “o calendário é manifestamente irrazoável e desproporcional, uma vez que coincide com as festividades de Natal, período em que a administração pública, tanto em âmbito municipal quanto estadual, decretou ponto facultativo nos dias 24 e 26 de dezembro”.
Além disso, a autora do pedido de tutela provisória de urgência aponta que “os dias 27 e 28 de dezembro correspondem a um sábado e um domingo, o prazo útil para que os interessados pudessem providenciar a extensa documentação exigida para a habilitação seria, na prática, inexistente”. Assim, denuncia, “a exiguidade do prazo viola frontalmente os princípios constitucionais da Publicidade, da Competitividade e da Eficiência, que devem nortear os processos de seleção de pessoal realizados por organizações sociais que gerenciam recursos e serviços públicos”.
A médica também argumentou que a exigência de documentos como Alvará de Funcionamento “torna a participação de novos interessados uma impossibilidade material, visto que a obtenção de tal documento depende de repartições públicas que se encontram em recesso ou com expediente suspenso” e que “nem ela nem outros profissionais na mesma situação foram notificados sobre uma eventual rescisão de seus contratos vigentes com o município, o que agrava a insegurança jurídica e o prejuízo iminente”.
Diante dos argumentos apresentados pela médica, o magistrado aponta que houve violação do princípio da Publicidade, que, explica, não se resume à divulgação formal do ato. “A publicidade administrativa efetiva pressupõe a concessão de um lapso temporal razoável para que a informação atinja seu público-alvo e para que os administrados possam reagir a ela, seja para se inscreverem, seja para impugnarem o ato”, diz.
O juiz acrescenta que “um prazo que se exaure em menos de 48 horas úteis, durante um recesso festivo, frustra a finalidade essencial da publicidade, que é a de viabilizar o controle social e a participação democrática. Consequentemente, o princípio da Competitividade é diretamente esvaziado. Ao se impor um prazo tão exíguo, restringe-se o universo de competidores àqueles poucos que, porventura, já dispunham de toda a complexa documentação de pessoa jurídica pronta e à mão, direcionando o certame e ferindo de morte a isonomia que deveria pautar a disputa por oportunidades vinculadas à gestão de serviços públicos”.
Quanto à exigência de Alvará de Funcionamento, pelo fato de sua expedição depender de órgãos públicos que não operam em feriados ou pontos facultativos, segundo o juiz, “constitui uma barreira materialmente intransponível para qualquer profissional que pretendesse constituir uma pessoa jurídica para participar da seleção”.
Ainda de acordo com o magistrado, “tal cláusula, combinada ao cronograma surreal, cria um funil, em detrimento do interesse público de selecionar a proposta mais vantajosa dentre o maior número possível de concorrentes qualificados. A condutada ré, ao assim proceder, também se afasta do princípio da Eficiência, pois um processo seletivo restritivo e apressado não garante, necessariamente, a contratação dos melhores e mais preparados profissionais, objetivo último de qualquer procedimento dessa natureza”.
Na decisão, o juiz destaca que “a suspensão do concurso público configura medida plenamente reversível, pois não implica a anulação definitiva do certame nem a extinção de direitos dos candidatos, mas apenas a interrupção temporária de seus atos até a apuração das irregularidades apontadas”.
Protesto
A contratação da associação por parte da Prefeitura de Linhares motivou, nessa terça, a realização de um protesto do Sindicato dos Servidores da Saúde do Espírito Santo (Sindsaúde/ES) em frente à sede do Executivo Municipal. Após o ato foi realizada uma reunião com os secretários de Administração, Rodrigo Sales Campelo, e de Saúde, Alexandre Marim Vieira.

A presidente do sindicato e representante da entidade no Conselho Municipal de Saúde, Geiza Pinheiro, afirma que os trabalhadores são contra a terceirização e que foi reivindicada a suspensão da contratação da associação, para que seja feito um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) no Ministério Público do Espírito Santo (MPES), com o objetivo de contratar profissionais da saúde. Isso porque o argumento da gestão municipal é de que não será possível contratar via processo seletivo.
Geiza recorda que o Projeto de Lei (PL) 35/2025, que previa a realização do processo seletivo, não foi aprovado na Câmara Municipal. Na proposta constava a contratação de técnicos de Enfermagem (70), auxiliares de consultório dentário (55), enfermeiros (65), cirurgiões dentistas (55) e médicos (65).
Também não foi aprovado o PL 33/2025, que previa contratação de assistente social (10), auxiliar de consultório dentário (20), cirurgião dentista (10), condutor de veículos (15), enfermeiros com cara horária de 20 horas semanais (10), enfermeiros com carga horária de 40 horas semanais (100), engenheiro de segurança do trabalho (1), farmacêutico bioquímico (55), fisioterapeuta (40), fonoaudiólogo (15), médico (100), médico veterinário (3), nutricionista (5), psicólogo (20), técnico de Enfermagem com 40 horas semanais (170), técnico de Enfermagem com 30 horas semanais (300), técnico em imobilização ortopédica (5), técnico em radiologia (10), técnico em segurança do trabalho (5) e terapeuta ocupacional (5).
Os PLs foram retirados de pauta no início de novembro para que os trabalhadores pudessem dialogar com a prefeitura, pois havia questionamentos sobre a proposta. Um deles é o fato de os salários dos técnicos em Enfermagem serem muito baixos. Contudo, a proposta foi reencaminhada no mesmo mês para a Casa de Leis sem as alterações solicitadas, o que ocasionou a rejeição.
Geiza explica que o Executivo não poderia encaminhar o PL pela terceira vez para a Câmara no mesmo ano, por isso a gestão argumentou que, por meio da associação, será possível fazer as contratações. Os contratos de cerca de 650 trabalhadores de diversas áreas da saúde, segundo a presidente do sindicato, terminam no dia 31 de dezembro. Uma das preocupações é que o atendimento à população fique prejudicado nas festas de virada de ano.
“Fizeram a escala de trabalho do dia primeiro de janeiro. Como a pessoa vai trabalhar se não sabe se será contratada pela associação? Como fazem escala de fim de ano se já tem rescisão de contrato? Não queremos que a saúde de Linhares fique sem profissionais”, diz Geiza.

