Ex-prefeito André Fagundes repassou lotes públicos para “desenvolvimento econômico”

O juiz Maxon Wander Monteiro, da 1ª Vara Cível de Nova Venécia, na região noroeste do Estado, determinou, em caráter liminar, a suspensão dos efeitos da Lei Municipal 3.805/2024, que doou lotes públicos a 39 empreendimentos e empresários. A medida atende a requisição do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), que ingressou com ação civil pública contra a prefeitura e os donatários.
Conforme a decisão, publicada na última quarta-feira (16), os empresários devem paralisar imediatamente qualquer obra, acessão, construção, terraplanagem ou outra intervenção física que esteja em andamento nos lotes, sob pena de multa diária de R$ 10 mil. A prefeitura também deve se abster de expedir novas escrituras públicas e novas licenças e alvarás, ou então poderá ser multado em R$ 100 mil por ato praticado.
A Lei Municipal 3.805/2024 foi sancionada em 26 de junho de 2024, pelo então prefeito André Fagundes (Podemos). O juiz atendeu pedido da gestão atual, comandada por Lubiana Barrigueira (PSB), para que migre do polo passivo ao polo ativo da ação – ou seja, para o lado da acusação, e não do réu.
A norma prevê a doação de imóveis localizados nos polos Industrial I e Agroindustrial II do município. No projeto que deu origem à lei, o então prefeito justificou que a medida “objetivava o desenvolvimento econômico, bem como a implantação de indústrias e comércio no município, a fim de alavancar empresas que pretendem se instalar e ampliar seus negócios nos dois distritos industriais de Nova Venécia”.
Entretanto, segundo o Ministério Público, entre as doações constam também lotes desmembrados de uma área do Bairro Aeroporto. O pedido de desmembramento foi feito em 27 de setembro do ano passado, e o procedimento foi finalizado no dia 2 de outubro do mesmo ano – ou seja, nem sequer existiam como unidades autônomas antes da publicação da lei. Além disso, de acordo com o MPES, a legislação municipal só autoriza a alienação de bens nos polos industriais e agroindustriais.
Outra irregularidade, ainda de acordo com o Ministério Público, foi a dispensa de licitação na doação de lotes, sem que fosse realizado um procedimento formal de justificativa. “O fato de os empresários terem feito ‘seus requerimentos’ em um cenário de ausência de publicidade prévia para a oportunidade de doação, reforça a tese de favorecimento a pessoas certas e determinadas especialmente em momento que antecede ao pleito eleitoral municipal”, diz a petição inicial do processo.
Os pareceres anexados aos requerimentos dos lotes pelos empresários tinham redação idêntica, de acordo com o órgão ministerial, e não há registro de que tenham sido corroborados pela Procuradoria-Geral do Município. As doações também não passaram pelo crivo da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, como manda a legislação municipal, e inexistem estudos técnicos justificando as doações.
O Ministério Público destacou ainda o valor “flagrantemente irrisório” dado aos imóveis: R$ 8,15 por metro quadrado. O montante, “desconexo com a realidade do mercado imobiliário de Nova Venécia” se baseou em uma lei municipal de 2006 que não está mais em vigor. “Apesar de ter sido uma doação com encargos, o valor bem abaixo do mercado serve para dar aparência de legalidade aos atos e encobrir a desvantagem que tais atos causaram ao patrimônio público”, asseverou o MPES.
Além disso, o Ministério Público afirmou, na petição inicial, que “causou estranheza” que o projeto de lei que resultou na norma tenha tramitado na Câmara de Vereadores em regime de “urgência especial”, sem que tenham sido apontadas as condicionantes previstas para isso no Regimento Interno: caso de necessidade de pronta apreciação por conta do risco de perda da oportunidade ou eficácia.
Mais um fato notado pelo Ministério Público diz respeito ao prazo para início das obras. De acordo com a lei, os donatários precisam iniciar as intervenções em até 12 meses após a doação. Entretanto, o artigo 11 prevê que a contagem dos prazos depende da “liberação de todas as licenças e autorização das esferas de poder para o respectivo empreendimento”. Uma vez que cabe ao empreendimento o pedido de licença, também cabe a ele próprio o início da contagem do prazo.
“A ausência de critérios objetivos e transparentes na seleção dos beneficiários, a inexplicável urgência na aprovação da lei e a liberalidade com o patrimônio público, doado a preço vil, criam uma robusta presunção de que o ato não visava ao interesse público, mas sim provável cooptação de apoio político e empresarial, utilizando a máquina administrativa para obter vantagens indevidas na disputa eleitoral”, escreveu o MPES.
Em manifestação dentro do processo, a Procuradoria-Geral do Município defendeu a necessidade da medida cautelar, dizendo que foram verificadas obras em curso em alguns dos lotes doados. A PGM argumentou ainda que a prefeitura “tem diligenciado no sentido de mitigar e corrigir os atos ora questionados, embora esteja limitado no seu âmbito de ação, tendo em vista que a propositura da ação judicial sobre os mesmos fatos possui efeito substitutivo e paralisante”.
Em sua decisão sobre o caso, o juiz afirmou que “em tese, o açodamento promovido para pelo gestor municipal para concretizar os atos de transferência do patrimônio público para particulares, sem a observância dos critérios legais, violou as normas que regulamentam a matéria. (…) Por fim, no que se refere ao presente requisito para a concessão da tutela de urgência, não há como deixar de registrar o valor irrisório de R$ 8,15 o metro quadrado, demonstrando a velha prática do patrimonialismo”.
Dentre as áreas e imóveis doados, o de maior área, com 17 mil metros quadrados, ficou com a empresa Nextcon Construtora LTDA. Claudio Zanol foi a única pessoa física que recebeu uma doação. De acordo com a lei, ele devia apresentar Termo de Compromisso de Constituição da Empresa no prazo de 90 dias.
Eleições
André Fagundes foi eleito pela primeira vez como prefeito de Nova Venécia em 2020, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), mas não conseguiu se reeleger no ano passado – em candidatura pelo Podemos. Ele perdeu para Lubiana Barrigueira (PSB), por 47,14% dos votos contra 37,53%. Antonio Emilio (PL) também entrou na disputa majoritária e obteve 15,33% dos votos.
Apesar de Lubiana ter disputado a eleição pelo partido do governador Renato Casagrande, André Fagundes recebeu apoio nas eleições do então deputado estadual Tyago Hoffmann (PSB), atual secretário de Estado da Saúde. Após as eleições, Casagrande nomeou Fagundes como diretor-geral do Hospital Dr. Roberto Silvares, em São Mateus, norte do Estado.
Confira a relação de empresas/empresários que receberam doações de lotes em Nova Venécia
Sebim Caminhões e Automóveis Ltda, de Adelson Zavarise Sebim – área de 1.767,94 m²
Cibox Comércio e Serviços Ltda – ME, Cirio Soares Junior – área de 1.356,31 m²
Tech Control Soluções Elétricas e Mecatrônicas Ltda, de Everton Silva Ribeiro, – Área de 1.762,31 m²
Viação Vale do Cricaré Ltda, de Sebastião Scarpi Melhorim – área de terras de 5.237,80 m²
Viação Pacanhã Ltda EPP, de Anastacio Pacanhã – área de terras de 4.527,41 m²
Merlin Transportes Ltda, de Fabricio Da Silva Merlin – área de terras de 3.464,15 m²
Denoni Máquinas Ltda, de Eder Ancelmo Denoni – área de terras de 1.036,24 m²
J.R. Pinturas, de José Renato Lima – área de terras de 1.037,52 m²
Coffeemac Comércio e Serviços Ltda, de Augusto Menenguce Zavarise – área de terras de 1.875,24 m²
JW Transportes e Guincho Ltda, de Juvagner Tonetto De Oliveira e William Delfino – área de terras de 1.000 m²
D. F. Locação de Máquinas Ltda, de Fabiano Candido Da Silva – área de terras de 1.000 m²
Possimozer Auto Socorro e Posto de Molas Ltda, de Evandro Cerqueira Possimozer – área de terras de 1.000 m²
Cigano Radiador Ltda, de Deunezir Fagundes Da Silva – área de terras de 1.000 m²
Allig Telecom Ltda, de Levilson Lourenço Galvão – área de terras de 1.000 m²
Cornelio Novaes do Amaral – ME/Mega Motos, de Cornelio Novaes do Amaral – área de terras de 1.000 m²
AutoCar Peças e Serviços Ltda, de Luiz Marcos Carleti – área de terras de 1.000 m²
FJA Distribuidora Ltda, de Fabio Junior Angeli – área de terras de 1.000 m²
Flaviana Alves Rodrigues MEI, de Flaviana Alves Rodrigues – área de terras de 1.000,22 m²
Centro Automotivo SML-ME, de Marco Aurélio Meireles – área de terras de 1.000,63 m²
João Luiz Zava ME, de João Luiz Zava- área de terras de 1.000,63 m²
Brazil Especiarias Ltda, de Marcos Rita – área de terras de 1.000,63 m²
Metalurgica Veloso Ltda, de Sueder Vieira Veloso – área de terras de 1.252,01 m²
Casa Gama Comércio Importação e Exportação LTDA, de Dante Dominicini Gama – área de terras de 4.000,30 m²
Street Auto Peças e Serviços Ltda, de Euclides Gomes Silva – área de terras de 3.473,95 m²
Fretamento Marilândia Ltda – ME, de Rodrigo Kuster Dias e Adriana Kunzler – área de terras de 2.650,41 m²
Madeireira GHR Ltda – ME, de Osvaldo Moreira De Souza e – área de terras de 3.044,27 m²
Varejão Doces e Festas Ltda, de Bianca Pin Barollo – área de terras de 2.424,05 m²
Zanotti Armazéns Gerais Ltda, de Leonor Andrade Seixas Zanotti – área de terras de 5.629,56 m²
Pinaffo Construção e Acabamentos, de Alexandre Ferreira Pinaffo, Cosme Pinaffo, Lorenzzo Ferreira Pinaffo e Tainah Ferreira Pinaffo – imóvel contendo área total de 3.500 m²
JJ Sabadim Ltda, de Wesley Sabadim Pereira – imóvel contendo área total de 3.500 m²
Decoragran Granito, de Iva Dos Santos De Oliveira – imóvel contendo área total de 2.400 m²
Serafim Cobranças Ltda, de Douglas Serafim Rozario – imóvel contendo área total de 15.000 m²
Samira Pereira da Costa – MEI (Edimar Granitos), de Samira Pereira da Costa – imóvel contendo área total de 2.500 m²
Medal Comércio e Serviços Ltda ME, de Angela Maria Neres Vardiero Soares – imóvel contendo área total de área total de 5.000 m²
Pavani Comércio de Café LTDA, de Regina Oliosi Pavani – imóvel contendo área total de 14.500 m²
Manutenção Mercês, de Cleidimar Dias Mercês – imóvel contendo área total de 3.200 m²
Nextcon Construtora LTDA, de Remo Tonon Lima – imóvel contendo área total de 17.000 m²
Conilon Transportes e Serviços LTDA, de João Victor Fuzari Meneguete, Gustavo Fuzari Meneguete e Kleber Fuzari Meneguete – imóvel contendo área total de 5.000 m²
Claudio Zanol (criou depois da lei a Zanol Pré-Moldados Ltda) – imóvel contendo área total de 4.700 m²