A revelação da lista de clientes do escritório de consultoria Éconos, sociedade entre o governador eleito Paulo Hartung (PMDB) e o ex-secretário da Fazenda, José Teófilo de Oliveira, virou caso de polícia. Mas diferentemente do que se poderia imaginar, a investigação policial não tem o objetivo de elucidar a relação das consultorias com o governo Hartung – já que a empresa foi aberta ainda na administração do peemedebista –, mas sim a identidade de quem forneceu a listagem das operações da Éconos publicada com exclusividade pelo jornal Século Diário.
Embora o sigilo da fonte seja um direito constitucional, os jornalistas de Século Diário tiveram que comparecer à Delegacia de Polícia Civil da Praia do Canto para prestar depoimento em inquérito aberto, a pedido de José Teófilo. O ex-secretário protocolou uma representação no Ministério Público Estadual (MPES) se queixando da eventual quebra do sigilo fiscal da Éconos no episódio. Além dos profissionais de Século, uma jornalista do jornal ES Hoje teve que passar pelo mesmo expediente, devido a uma reportagem publicada pelo veículo sobre os serviços de “consultoria” prestados pela Éconos à concessionária Rodosol, que administra a Terceira Ponte.
As queixas do ex-secretário da Fazenda e sócio majoritária da Éconos são as mesmas contra os profissionais dos dois veículos. No entanto, mais inusitado do que o pedido, é o parecer da promotora de Justiça Lauanda Abdala Brandão da Costa, que requisitou a instauração do inquérito policial. “Extrai-se ainda dos autos que, as informações fiscais obtidas seriam supostamente adquiridas de forma ilegal através da Prefeitura Municipal de Vitória, detentora dos dados fiscais da empresa do noticiante [José Teófilo]”, afirma a promotora.
Em nenhum momento, o órgão ministerial se voltou para a situação concreta: um secretário de Fazenda deixa um governo, em 2008, para montar uma empresa de consultoria, que tem como principais clientes os próprios beneficiários de incentivos fiscais ou até mesmo concessionários de serviços públicos. A questão se torna ainda mais grave, quando o mesmo governador ao sair do Palácio Anchieta, passa a fazer parte do quadro societário da consultoria, deixando a mesma somente para disputar um novo mandato no governo capixaba.
Ao invés disso, o único objetivo do MPES – e da Polícia Civil, que interrogou os jornalistas com a mesma abordagem – é a descoberta da fonte do documento (cuja veracidade sequer foi contestada pelos denunciantes). Na representação, o ex-secretário José Teófilo chega a pedir a responsabilização criminal e por improbidade administrativa aos “autores” do eventual crime. Consta no sistema processual do Tribunal de Justiça do Estado (TJES) que o atual sócio da Éconos também está movendo ações contra os jornalistas na Justiça comum, mas os casos não chegaram sequer à fase inicial.
No campo político, o governador eleito – agora como ex-sócio da consultoria – tenta implicar o prefeito de Vitória, Luciano Rezende (PPS), pelo vazamento da lista de clientes da Éconos. Logo após o resultado do pleito, Hartung aproveitou as entrevistas na imprensa local – que, em sua maioria, se calou diante das denúncias de corrupção contra o governador – para cutucar adversários, sem citar nomes, mas claramente se referindo a Luciano. “Inventar uma lista contra pessoas, isso é brutalidade do uso da máquina. É um ato criminoso”, bradou o peemedebista, que se esquivou de falar da relação comercial com grandes empresas.
Relembre o caso
Nas reportagens publicadas pelo jornal Século Diário, foi revelado que o ex-governador Paulo Hartung e o ex-secretário José Teófilo montaram uma consultoria com capital simbólico de R$ 5 mil cada, com o objetivo de atender empresas que haviam sido beneficiadas durante sua gestão à frente do governo do Estado. Entre os anos de 2010 e 2013, a empresa batizada como um “escritório de negócios” faturou R$ 5,8 milhões em serviços prestados para grandes projetos, companhias de comércio exterior e beneficiárias de incentivos fiscais no governo passado.
Estão listadas todas as notas fiscais emitidas pela Éconos entre janeiro de 2010 e outubro do ano passado. Nesse período, o escritório de negócios emitiu 364 notas por serviços prestados a 66 pessoas jurídicas, entre elas, empresas ligadas a vários ramos de atividade, sindicatos empresariais e até companhias e órgãos ligados à administração pública. Essa lista de clientes revela a íntima ligação entre o escritório de negócios do ex-governador e atos relacionados à sua própria administração.
A entrada de Hartung na empresa de consultoria foi consumada somente no dia 5 de abril de 2011 – pouco depois de quatro meses após deixar o governo. No período em que o governador eleito figurava entre os sócios, a Éconos faturou R$ 4,35 milhões dos R$ 5,83 milhões listados. Os pagamentos eram mensais e, em alguns casos, transcorrem durante todo o período de funcionamento do escritório de negócios.
Nesse período, os principais clientes da empresa do ex-governador foram a empresa TPK Logística, que pagou R$ 720 mil; Sindicato das Empresas do Comércio Exterior do Estado (Sindiex), R$ 613,7 mil; Cisa Trading, R$ 415 mil; Tristão Companhia de Comércio Exterior, R$ 390 mil; VD Comércio de Veículos Ltda (Vitória Diesel, que pertence ao Grupo Águia Branca), R$ 280 mil; Manabi Logística S/A, R$ 275 mil; Itatiaia Móveis S/A, R$ 265 mil; além da Nutripetro S/A, R$ 264 mil.
Muito embora a natureza das atividades dos clientes seja distinta, todos eles guardam uma semelhança: a ligação com negócios realizados ou iniciados durante a gestão de Hartung no governo. Todos os repasses eram feitos mensalmente pelas empresas. Por exemplo, a Cisa Trading realizou 38 pagamentos à consultoria do ex-governador. Na maior parte dos repasses, o valor cobrado era de R$ 10 mil.
Situação semelhante aos pagamentos realizados pela Concessionária Rodovia do Sol (Rodosol), que fez 16 repasses no total de R$ 160 mil, e a empreiteira A Madeira Indústria e Comércio Ltda, de propriedade de Américo Madeira, um dos sócios da Terceira Ponte, que pagou 19 parcelas de R$ 12 mil mensais, totalizando R$ 228 mil.