Diego Herzog, da Gold, critica falta de transparência e descumprimento de exigências
O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) instaurou procedimento para apurar denúncias de irregularidades e possível partidarização no processo eleitoral do Conselho Estadual LGBTQIAPN+ (biênio 2025–2027), após representações encaminhadas pela Associação Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade (Gold), pelo Fórum Municipal pela Cidadania LGBTI+ da Serra e pelo Coletivo Transencruzilhadas.
As entidades afirmam que o processo conduzido pela Comissão Eleitoral apresenta “falhas técnicas”, “falta de transparência” e “favorecimento político”, com a habilitação de organizações que não cumprem os requisitos do edital e têm vínculos com partidos políticos. A eleição está prevista para ocorrer no próximo dia 29. Diante do impasse, os movimentos afirmam que poderão romper com o conselho em protesto contra o que classificam como “retrocesso democrático” e “desrespeito à sociedade civil organizada”.
O item 2.2 do Edital de Convocação nº 001/2025 determina que as instituições e coletivos devem ter sede e atuação no Espírito Santo e comprovar, no mínimo, dois anos de trabalho voltado à defesa e promoção dos direitos da população LGBTQIAPN+. Segundo as entidades denunciantes, parte das organizações pré-selecionadas não cumpre essas exigências. “O edital é claro, mas há grupos habilitados que não têm sede aqui e tampouco esse histórico de atuação”, afirmou Diego Herzog Peruch, coordenador da Associação Gold.

Entre os exemplos citados estão o Coletivo Revolucionário e Socialista LGBTI+ (Cores), identificado como ligado ao Partido dos Trabalhadores (PT); o LGBT Socialista – Espírito Santo, vinculado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB); e o Movimento Participa no Espírito Santo, também associado ao PSB, legenda do governador Renato Casagrande.
As entidades apontam que essas organizações não têm comprovação de dois anos de atividades regulares. Além disso, afirmam que a Rede Gay, que integra a lista de habilitadas, não possui sede no Espírito Santo, sendo representada localmente por Renan Cadais, filiado ao PSB, ex-subsecretário de Direitos Humanos do Estado e atualmente gerente de Políticas de Diversidade Sexual e Gênero da Secretaria Estadual de Mulheres. Outros representantes de entidades habilitadas, como Thiago Rodrigues e Fabhyanna Carvalho, ambos da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS (RNP+ES), também são filiados ao PSB, segundo apuração das organizações.
“Quando você analisa o conjunto, percebe que há uma concentração de entidades com pessoas ligadas à base do governo, muitas delas sem histórico recente de atuação. Isso compromete a pluralidade e a independência do conselho”, enfatizou Diego.
Nos documentos enviados ao conselho e à Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH), as entidades apresentam pedidos de revisão do processo eleitoral e de publicização dos critérios utilizados pela Comissão Eleitoral, integrada pelo presidente do colegiado, Filipe Costa Vieira, e pelos membros Fábio Veiga Silva Pires, Felipe do Carmo Menegone e Thiago Rodrigues de Freitas.
A Associação Gold solicita “esclarecimentos públicos” sobre a seleção das entidades habilitadas e “informações sobre as medidas adotadas para garantir lisura e imparcialidade”. O ofício, assinado pelo coordenador Diego Herzog, alerta para “a aparente concentração de organizações com histórico de alinhamento político-partidário”, o que, segundo ele, “gera uma percepção amplamente compartilhada sobre o risco de comprometimento da pluralidade e da autonomia do conselho”.
O Fórum Municipal pela Cidadania LGBTI+ da Serra, presidido por Kassandro Santos, pede reavaliação criteriosa das habilitações, publicização dos documentos, critérios apresentados e garantia de imparcialidade na condução do processo. A entidade afirma que algumas organizações aprovadas, como o Cores, o Fórum Estadual LGBT, a Rede Gay, o LGBT Socialista e o Movimento Participa “não possuem sede nem atuação comprovada no Espírito Santo” ou “não atendem plenamente aos requisitos do edital”. Para Kassandro, “o conselho não pode, não deve e não será aparelhado por qualquer partido político, sob pena de comprometer sua legitimidade como instância representativa da sociedade civil”.
O Coletivo Transencruzilhadas, coordenado por Jeffa B. Santana, requer “revisão urgente do edital e dos procedimentos de seleção”, “auditoria independente” e “exclusão de entidades inativas ou sem atuação comprovada”. No ofício, a representante do grupo denuncia uma “captura partidária das instâncias participativas” e pede “vedação explícita de monopolização por qualquer partido político”. “Não podemos permitir que instâncias criadas para fortalecer nossa participação se tornem instrumentos de hegemonia política”, reforça.
Em resposta, o Ministério Público do Espírito Santo confirmou nessa segunda-feira (10) a instauração de procedimento investigativo para apurar os fatos. O caso foi encaminhado à 11ª Promotoria de Justiça Cível de Vitória, após despacho da Comissão de Direito à Diversidade Sexual e à Identidade de Gênero (CDDS), coordenada pelo promotor de Justiça Franklin Gustavo Botelho Pereira.
As organizações avaliam que a manifestação do MP representa “um passo importante para assegurar a lisura e a legitimidade do processo eleitoral”. No entanto, reiteram que caso as irregularidades não sejam sanadas, poderão entregar seus mandatos e se retirarem do conselho em protesto.“Nosso compromisso é com a democracia e com a transparência. O conselho precisa continuar sendo um espaço autônomo, plural e representativo da diversidade LGBTQIAPN+ capixaba”, reforça a Gold.
Após as denúncias, a Comissão Eleitoral do Conselho Estadual LGBTQIAPN+ encaminhou uma resposta às entidades, em que afirma ter conduzido o processo “em estrita observância ao edital e aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e transparência”. Entretanto, as organizações criticam a falta de explicação sobre os critérios de seleção e verificação da atuação das entidades habilitadas.
A Comissão Eleitoral sustenta que não há “qualquer disposição que restrinja a participação de coletivos ou entidades com eventual vinculação partidária, desde que atendam aos requisitos objetivos de comprovação de atuação no campo dos direitos LGBTI+ no Estado”. Além disso, que “todas as inscrições foram analisadas exclusivamente com base na documentação apresentada e nos critérios definidos em edital, assegurando igualdade de condições e lisura no processo” e que o edital registrou “o maior número de inscrições desde a criação do Conselho, com 22 entidades de todas as regiões do Estado”. O texto encerra com a afirmação de que as organizações “serão sempre bem-vindas a participar das próximas chamadas públicas”.
O Conselho Estadual LGBT foir criado em 2016, como espaço de controle social e formulação de políticas públicas para a população LGBTQIAPN+ capixaba. A Secretaria de Estado de Direitos Humanos, a qual o colegiado é vinculado, liderada por Nara Borgo, ainda não se manifestou oficialmente.

