Parecer aponta “balcão de negócios” entre o governo do Estado e a concessionária

O Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) quer anular o estudo técnico que apontou dívida de R$ 351 milhões (valor atualizado até 2023) de indenização a ser paga pelo governo do Estado à Concessionária Rodovia do Sol S.A. (Rodosol). Parecer nesse sentido foi emitido no processo que trata da auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-ES) no contrato número 01/1998, encerrado em 2023, após 25 anos de concessão.
O estudo foi contratado pela Agência de Regulação de Serviços Públicos do Espírito Santo (ARSP) após determinação do Tribunal de Contas, e realizado pela Fundação Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológicos (Coppetec), entidade privada de apoio técnico e científico conveniada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A contratação foi feita sem licitação, no valor de R$ 1,3 milhão, sob argumento de definir uma metodologia para elaboração de novo cálculos e analisar o equilíbrio econômico-financeiro da concessão. O MPC sustenta, porém, que o estudo é “absolutamente nulo” devido a irregularidades como terceirização indevida de prerrogativas do TCE, estudo anônimo, negociações diretas com a concessionária e sigilo injustificado.
O principal argumento do órgão ministerial é que o estudo tem natureza “apócrifa”, por ausência de identificação de autoria. O trabalho foi apresentado pela ARSP ao TCES no final de 2023, depois de diversos pedidos de prorrogação de prazo para cumprir a determinação, sem a assinatura dos pesquisadores responsáveis. “A ausência de autoria e autenticidade impede a validação científica rigorosa e a responsabilização técnica pelo conteúdo, invalidando o estudo e todos os atos decorrentes dele”, ressalta.
O parecer relembra que o cálculo anterior, descartado no julgamento do TCES, foi elaborado a partir da atuação de 18 auditores de controle externo, em mais de 2 mil horas de trabalho de análise técnica, todos eles foram devidamente identificados, e apontou, ao invés de dívida, um crédito de R$ 613 milhões a favor do governo.
O Ministério Público de Contas defende que a metodologia de cálculo usada para chegar à dívida do Estado com a Rodosol foi fruto de um “processo negocial” definido diretamente entre a ARSP e os grupos econômicos controladores da Concessionária Rodosol – Coimex, Tervap-Pitanga, A. Madeira e Urbesa-Arariboia.
A Fundação Coppetec/UFRJ, contratada para definir a metodologia, “na verdade, atuou como mediadora ou facilitadora de entendimentos entre o órgão fiscalizador (ARSP) e o fiscalizado (Rodosol)”, acrescenta. A situação pode ser classificada, segundo o MPC, como um “balcão de negócios’ sobre o interesse público, subvertendo a lógica do controle regulatório e afrontando os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público”.
O parecer destaca, ainda, que o Estado transferiu para a Fundação Coppetec/UFRJ, uma entidade privada, a responsabilidade de desenvolver o método de cálculo do equilíbrio econômico-financeiro da concessão, sendo essa uma atribuição constitucional do Tribunal de Contas, “caracterizando uma terceirização indevida de uma função essencial do controle externo”. O documento também questiona o sigilo imposto pela ARSP aos cálculos, “que beneficia exclusivamente os grupos econômicos” e “viola o direito constitucional de acesso à informação”.
Diante da gravida dos fatos, o órgão ministerial requer que o governo do Estado seja impedido de realizar quaisquer pagamentos à Concessionária Rodosol com base nos cálculos fundamentados no documento contestado; que o TCES notifique a ARSP e a UFRJ para que prestem esclarecimentos quanto à ausência de identificação e assinaturas no estudo; e a realização de perícia técnica para confirmar a autoria e autenticidade do trabalho, com acesso integral às bases de dados, planilhas e registros das reuniões que envolveram a elaboração do material.
Como medida corretiva, propõe que a UFRJ apure internamente a atuação de sua fundação de apoio e revise seus mecanismos de supervisão, além de recomendar que os órgãos de controle federais e estaduais investiguem a “eventual violação aos princípios de integridade acadêmica e responsabilidade institucional, visando impedir novas distorções que possam afetar de forma indevida os cofres públicos”.
Outra medida é a formação de nova equipe multidisciplinar de auditores do TCE para analisar a metodologia aplicada no contrato de concessão; a suspensão temporária do monitoramento no Processo 5591/2013, até que seja esclarecida a omissão dos nomes dos pesquisadores responsáveis pelo estudo anônimo; e o fim do sigilo.
O parecer recomenda ainda o envio do caso ao Tribunal de Contas da União (TCU), Controladoria Geral da União (CGU), Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF), bem como à Secretaria de Estado de Controle e Transparência (Secont), ao Ministério Público Estadual (MPES) e à Assembleia Legislativa, para que adotem as providências cabíveis em suas respectivas esferas de atuação.

