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MPES requer inquérito para apurar declarações de vereadores da Serra

Pastor Dinho e Antonio C&A são acusados de discriminação e intolerância religiosa

O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) requisitou a instauração de um inquérito policial para apurar declarações consideradas discriminatórias e de intolerância religiosa proferidas pelos vereadores Antonio C&A (Republicanos) e Pastor Dinho (PL) da Câmara da Serra. A medida atende a uma representação apresentada pelo Conselho Municipal de Promoção de Políticas da Igualdade Racial, com apoio de movimentos sociais capixabas.

CMS

A promotora de Justiça Mariana Souto de Oliveira Giuberti apontou prazo de 60 dias para conclusão, para apurar “possível prática de crime previsto na Lei nº 7.716/89”, que trata da discriminação ou preconceito contra raça, cor, etnia, religião ou origem. Como providências a serem adotadas, ela sugere a oitiva dos vereadores acusados, do presidente do Conselho Municipal de Igualdade Racial, Ivo Lopes, e a requisição do vídeo da sessão plenária de 12 de maio de 2024, data em que parte das declarações foi proferida, entre outras medidas que a autoridade policial julgar necessárias.

As falas atribuídas aos vereadores incluem afirmações como “os negros mimimis do Brasil que querem cota, acham que são diferentes […] esses camaradas acham que são livres, mas são escravos”, e que o “movimento negro está escravizado”. Também foram registradas manifestações contrárias às religiões de matriz africana, com declarações como: “Eu fui nas redes sociais dele, vi que ele é do Candomblé […] sabe por que o senhor não tá aqui? Porque pra entrar aqui não é com cotinha e com mimimi, não”.

Os episódios ocorreram em sessões da câmara nos últimos dias 9 e 12 de maio, após a aprovação do Projeto de Resolução nº 10/2025, que alterou o nome da Comissão de Direitos Humanos, incluindo os termos “Igualdade Racial” e “Povos Tradicionais”. Na ocasião da votação, Antônio C&A questionou “o que seriam povos tradicionais?”; afirmou que “pelo menos na Constituição que eu estudei, todos são iguais perante a lei”; e criticou a medida como “irrelevante”, mesmo após ter se autodeclarado quilombola.

Em reação às falas do parlamentar, o Fórum Chico Prego, que reúne representantes de comunidades tradicionais, negras e de matriz africana, denunciou o “despreparo” do vereador para atuar no colegiado e anunciou que vai solicitar uma audiência pública para discutir o tema e cobrar atuação do legislativo municipal diante de falas que consideram desrespeitosas.

Na sessão seguinte, em defesa de C&A, Pastor Dinho acusou um dos porta-vozes do fórum, Rosemberg Caetano, de “intolerância religiosa contra evangélicos”, devido às críticas feitas pelo militante às declarações do parlamentar. Além disso, o pastor fez referência pejorativa a coletivos negros e, em tom exaltado, classificou Rosemberg como “escravo ideológico”, “alienado” e representante dos “negros mimimis do Brasil”. Também tentou deslegitimar a atuação do fórum, afirmando que, para defender qualquer religião na Câmara, seria necessário “disputar uma eleição e vir aqui defender”.

Durante o pronunciamento dos vereadores sobre o caso, a servidora pública Saionara Paixão, que atua na cabine de comunicação do plenário e é adepta da religião Umbanda, relatou ter sido intimidada por parte de Antonio C&A e seus aliados, após expressar desconforto com falas de cunho intolerante proferidas durante essa sessão. O vereador se dirigiu até ela para repreendê-la, gerando tensão que resultou na interrupção da sessão. Mais tarde, a servidora registrou Boletim de Ocorrência (BO) e relatou tentativa de coação por parte do parlamentar.

Diante das ocorrências, o Fórum Chico Prego e outras organizações de luta pela justiça racial convocaram um ato público no último dia 14 de maio, em frente à Câmara da Serra, para denunciar “violência institucional e ataques à população negra, religiões de matriz africana e pautas de diversidade”.

‘Passo importante’

Para o presidente do Conselho, Ivo Lopes, o inquérito representa “um passo importante na responsabilização de agentes públicos que assumem posturas violentas”. Para ele, “não dá para passar em branco casos de racismo religioso,”. Ivo destacou que espera que os vereadores sejam ouvidos e responsabilizados de acordo com a lei.

O conselheiro também cobra medidas da própria Câmara Municipal, como a abertura de uma Comissão de Ética para apurar o caso e a adoção de ações educativas. “Eu acredito que é papel da Câmara instaurar uma Comissão de Ética para ver tudo o que aconteceu. Não dá para nada acontecer com quem viola a Constituição e os direitos humanos”, critica.

Leonardo Sá

Após o ato público realizado na Câmara, Ivo relata que os movimentos sociais apresentaram uma série de propostas ao presidente da Casa, Saulinho da Academia (PDT), incluindo a implementação de um programa de letramento racial para os parlamentares e servidores. “Ele foi receptivo, mas já se passou um tempo e até agora não vimos nenhuma ação concreta. Não dá para ser só tapinha nas costas. Vamos continuar lutando para que esse caso não caia no esquecimento,” reforça.

Na representação, o colegiado enfatizou a composição populacional do município, onde em torno de 71% da população se autodeclarou como pessoa preta ou parda no último Censo Demográfico de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), totalizando mais de 369 mil dos 520 mil habitantes. Isso torna indispensável, segundo avalia a organização, “a garantia da história, identidade, ancestralidade e direitos humanos dessa coletividade”.

Para o presidente do Conselho, a solução passa por uma transformação institucional: “A Câmara da Serra precisa passar por um letramento racial. Nós, do Conselho e dos movimentos, estamos à disposição para atuar junto. Não dá para continuar escutando o que escutamos dentro daquela Casa de Leis”, afirmou.

Reprodução

Ele também aponta o impacto das declarações dos parlamentares: “Muito horrível. Tem uma fala que a gente escuta muito: não basta não ser racista, precisa ser antirracista. Nós nos vimos em uma situação onde tudo ocorre com falas muito problemáticas vindas de um vereador negro, que é o caso do C&A. Isso para a gente foi muito delicado. Uma pessoa que também sofre racismo no dia a dia e, ao chegar a um espaço de poder – tão difícil de ser ocupado por pessoas negras – acaba reproduzindo o racismo”, avalia.

Procurada por Século Diário após o pedido de instauração do inquérito pelo Ministério Público, a Câmara não se pronunciou, até o fechamento desta matéria.

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