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MPF pede critérios mais rigorosos para certificação de áreas quilombolas

Recomendação à Fundação Palmares aponta “grave conflito fundiário” no Sapê do Norte

Rogério Medeiros

O Ministério Público Federal (MPF) emitiu uma recomendação formal à Fundação Cultural Palmares (FCP), para adoção de medidas complementares relacionadas às analises de processos de certificação de comunidades quilombolas na região do Sapê do Norte, que compreende os municípios de São Mateus e Conceição da Barra, no norte do Estado. O documento alerta para um “grave conflito fundiário” e aponta preocupações de lideranças antigas da região.

De acordo com a procuradora da República Gabriela de Góes Anderson Maciel Tavares Câmara, que assina o documento, tramitam atualmente dois procedimentos no MPF relacionados a comunidades quilombolas. O primeiro trata da identificação dos remanescentes quilombolas do Córrego do Jacarandá, em São Mateus, e a adoção de políticas públicas em seu benefício. O segundo apura possíveis irregularidades praticadas pela Suzano Celulose (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria) contra membros da Associação dos Remanescentes de Quilombolas da Região de Braço do Rio (ASREMQUIRE) em Conceição da Barra.

A procuradora solicita ao presidente da Fundação Palmares, João Jorge Santos Rodrigues, que adote, no prazo de 30 dias, medidas administrativas como realização de visitas técnicas in loco e diálogos com comunidades vizinhas já certificadas e com organismos quilombolas da região, como a Comissão Quilombola do Sapê do Norte e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

Além disso, recomenda que a fundação reanalise a certificação da comunidade Braço do Rio e encaminhe cópias dos processos relacionados, e também do pedido da comunidade Córrego do Jacarandá, comunicando, no prazo de dez dias, as providências adotadas.

O órgão ministerial afirma que “tem recebido de lideranças quilombolas há muito tempo conhecidas na região, relatos demonstrando preocupação sobre o aumento de certificação de comunidades quilombolas no Estado do Espírito Santo, algumas sequer conhecidas por lideranças históricas”.

O MPF também informa denúncias “do surgimento de associações compostas por grileiros que se fazem passar por quilombolas, em razão da notícia de terras devolutas estaduais que seriam destinadas às comunidades quilombolas de São Mateus e Conceição da Barra, em decorrência de sentenças proferidas em ações civis públicas ajuizadas pelo MPF em face da Suzano Celulose e do Estado do Espírito Santo”.

A recomendação observa, ainda, que a Associação dos Remanescentes de Quilombolas da Região de Braço do Rio ajuizou a ação de reintegração de posse contra a Suzano, porém, a Fundação Cultural Palmares, responsável pela certificação, informou que não tinha conhecimento da comunidade até então, e afirmou que não houve diálogos anteriores com a entidade, pois não representa nenhuma comunidade quilombola certificada.

No plano legal, a procuradora da República ressalta a importância do autorreconhecimento das comunidades quilombolas, citando a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), mas observa que “o processo de certificação e titulação de territórios quilombolas no Brasil envolve etapas que podem incluir elementos de heteroidentificação, não como um critério superior ou substitutivo à autodeclaração, mas como um componente do processo de verificação e contextualização da identidade afirmada”.

Ela destaca que a heteroidentificação, no contexto quilombola, refere-se ao reconhecimento da identidade de uma comunidade “por outras comunidades quilombolas já reconhecidas, por órgãos públicos ou por outras instituições da sociedade civil”.

A depender do caso, o MPF afirma que a Fundação Cultural Palmares poderá realizar visita técnica às comunidades, com intuito de obter informações e tratar possíveis dúvidas, e os quilombolas ajudarem na obtenção de documentos e informações para instruir o procedimento administrativo de emissão de certidão de autodefinição.

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