Ato do MAB rememora massacre em Aracruz e crime da Samarco/Vale-BHP

Há exatos três anos, um adolescente de 16 anos entrou em duas escolas de Aracruz, no norte do Estado, disparou diversos tiros e vitimou fatalmente quatro pessoas. Uma delas a professora Flavia Amboss, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e uma das milhares de pessoas atingidas pelo crime da Samarco/Vale-BHP, há 10 anos, já que era de Regência, em Linhares, um dos territórios afetados. Na próxima sexta-feira (29), um ato de rua pedirá justiça às vítimas de ambos os crimes, para garantir que não caiam no esquecimento.
“Nosso Estado teve, nos últimos 10 anos, dois crimes graves apagados propositalmente”, aponta o coordenador do MAB, Heider Bozza. A concentração do ato será às 15h30, na Praça do Papa, em Vitória. De lá, os manifestantes seguirão até a escola Professora Flávia Amboss Merçon Leonardo, em Santa Helena. Antes denominada de Fernando Duarte Rabelo, em homenagem a um ex-reitor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) que assumiu ao cargo nomeado pelo governo ditatorial, a unidade de ensino foi renomeada recentemente após aprovação do Projeto de Lei (PL) 450/2025, de autoria da deputada estadual Camila Valadão (Psol).
O ato terá como tema “Contra o Fascismo, em defesa da vida: professora Flávia Amboss, presente!” e faz parte da programação do “Encontro dos 10 anos do MAB no Espírito Santo – do rio ao mar é tempo de avançar!”. Além de Flávia, o atentado vitimou fatalmente a estudante Selena Sagrillo e as professoras Maria da Penha Banhos e Cybelle Bezerra. Deixou, ainda, pessoas feridas e com sequelas, como a estudante Thaís Pesotti da Silva e a professora Degina Rodolfo de Oliveira Fernandes.

Heider informa que o adolescente que invadiu as duas escolas está solto, já que cumpria medida socioeducativa e completou 18 anos de idade. O pai, tenente da Polícia Militar (PM), cujas armas foram utilizadas pelo filho, uma de uso pessoal e outra da corporação, ainda nem foi julgado.
“É uma impunidade”, protesta, destacando que os processos tramitam de forma lenta e em segredo de justiça. Para ele, “existe uma censura nesse debate” e uma das formas de trazer à tona é por meio do ato.
Outra maneira, aponta, foi por meio do lançamento, em junho deste ano, do livro “Imprensados no tempo da crise – a gestão das afetações no desastre da Samarco (Vale e BHP Biliton) e a crise como contexto no território tradicionalmente ocupado na foz sul do Rio Doce“, fruto da tese de doutorado de Flávia, defendida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Na chegada dos manifestantes à escola, haverá uma homenagem às vítimas do atentado, feita pelo MAB em parceria com a escola e a Secretaria Estadual de Educação (Sedu). Depois, todos irão para a Assembleia Legislativa, onde haverá o encerramento do ato com a leitura de uma carta à sociedade capixaba, elaborada pelos atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP.
A ideia, segundo Heider, é dialogar com a população e pedir justiça e reparação quanto aos dois crimes. “Se muitas pessoas não se lembram de um crime que aconteceu há três anos, muito menos se lembram do que ocorreu há 10. A maioria nem recorda que no nosso Estado aconteceu o maior crime ambiental do país. Também não há entendimento da proporção dos danos que isso causou. Metade da população capixaba foi atingida. A maior bacia hidrográfica do Espírito Santo e quinta maior do Brasil está destruída. Nós somos o Estado que é vítima desse crime”, ressalta.
Plenária popular
A carta à sociedade capixaba será elaborada coletivamente na quinta-feira (27), na plenária popular “Somos Todos Atingidos”, das 14h às 18h30, na Ufes, onde será realizada a outra parte da programação do “Encontro dos 10 anos do MAB no Espírito Santo – do rio ao mar é tempo de avançar!” A atividade, explica Heider, tem um caráter mais interno.
Também será elaborada uma pauta a ser entregue para os governos federal e estadual no dia seguinte, 28 de novembro, às 9h. Já confirmaram presença representantes da Secretaria Estadual da Presidência da República e dos ministérios da Saúde, Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e Pesca e Aquicultura, além do secretário estadual de recuperação do Rio Doce, Guerino Balestrassi. Participarão também aliados do MAB, como movimentos sociais, sindicatos e parlamentares.
Heider afirma que será um momento, ainda, de ouvir os gestores sobre o que tem sido feito nesse novo ciclo de reparação, com a assinatura do novo acordo de repactuação, em 2024. Um dos avanços, avalia, foi o fim da Fundação Renova, “braço da Vale e da BHP”. Heider denuncia que a forma como a Renova conduziu a reparação violava os direitos humanos, negando o reconhecimento de atingidos, com as mulheres, e do trecho do litoral que vai da Serra, na Grande Vitória, até Conceição da Barra, no norte.

A Renova, recorda, reconhecia como atingidos somente os territórios de Regência e parte de Povoação, ambos em Linhares. Todo o trecho, informa, foi reconhecido como atingido após decisão judicial em segunda instância, no Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), e garantido no novo acordo. Heider afirma que antes já havia decisões judiciais favoráveis ao reconhecimento, mas a Renova não cumpria.
O coordenador do MAB faz críticas ao fato de os atingidos não terem sido escutados na elaboração do novo acordo, mesmo o movimento tendo pleiteado isso ao Governo Federal e à Justiça. Heider avalia que, diante da falta de diálogo, “o acordo já veio com problemas”. Um exemplo é a falta de auxílio no valor mensal de R$ 2,5 mil para todos os agricultores de Linhares e Aracruz que atuam em áreas de alagamento do Rio Doce.
O coordenador do MAB explica que há regiões, nessas cidades, onde o rio alaga quando chove muito, o que é normal. O problema é que, antes, a terra estava sendo molhada por uma água fértil, e não contaminada, como passou a ser depois do rompimento da barragem. A não abrangência da totalidade dos agricultores atingidos na região para o recebimento do auxílio, que será repassado aos trabalhadores por quatro anos, segundo Heider se deu porque a delimitação da área foi feita por monitoramento via satélite. Caso os atingidos tivessem tido o direito de participar das negociações, acredita, a exclusão teria sido evitada.
Programação cultural
No sábado (29), pela manhã, terá a “Atividade auto-organizada das mulheres”, com uma oficina de Arpilleras e roda de conversa da Tenda da Saúde Popular. Durante todo o dia, feira com artesanato indígena, produtos da agricultura familiar e produtos fitoterápicos, além de apresentações culturais das comunidades atingidas, com bandas de congo, cultura indígena, pop rock, teatro, batalha de rima e slam e forró pé de serra. Haverá também programação cultural na sexta-feira (28), com apresentação da Banda Casaca, a partir das 20h. Nesse mesmo horário acontecerá o encerramento do Encontro, com apresentação do cantor Zé Geraldo, no sábado (29).
Vitória na justiça inglesa
A Justiça da Inglaterra decidiu que a BHP Billiton é culpada pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), que despejou 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério na bacia do Rio Doce, atingindo o litoral e comunidades capixabas. Na decisão, a juíza Finola O’Farrella considerou a mineradora, que administrava a Samarco em conjunto com a Vale, responsável pelo colapso por negligência, imprudência e imperícia.
Com o julgamento da responsabilidade concluído, o processo avança agora para a fase de avaliação dos danos. Uma audiência de gerenciamento do caso está marcada para os próximos dias 17 e 18 de dezembro, e o julgamento da segunda fase, para avaliação dos danos, está previsto para outubro de 2026. A ação tramita na Inglaterra porque a BHP era listada na Bolsa de Londres à época, o que permitiu que atingidos buscassem reparação naquela jurisdição.
Na decisão, a juíza identificou “provas esmagadoras” de que a empresa sabia que a estrutura estava instável e de que o risco de liquefação e ruptura era previsível e poderia ter sido evitado. Mesmo assim, a BHP ignorou sucessivos sinais de alerta desde, pelo menos, agosto de 2014, e seguiu elevando a barragem. A decisão é a primeira a responsabilizar formalmente uma das corporações envolvidas no crime socioambiental que devastou comunidades ao longo do Rio Doce até o litoral e é considerado o maior já registrado no Brasil e um dos maiores do mundo.
Outro ponto central da decisão foi o reconhecimento da legitimidade dos municípios brasileiros para processar a BHP na Inglaterra. Atualmente, 31 municípios integram a ação, incluindo quatro do Espírito Santo: Aracruz, Baixo Guandu, Colatina e Marilândia, no norte e noroeste do Estado. Embora a legitimidade dessas ações tenha sido contestada pelas mineradoras no Supremo Tribunal Federal (STF), o tribunal inglês decidiu que eles têm direito de seguir litigando na jurisdição britânica.

