Pedido de reconsideração aponta “lógica jurídica equivocada” em ação de herdeiros
Um dia após a decisão da 2ª Vara da Fazenda Pública que determinou à Prefeitura de Vila Velha, sob gestão de Arnaldinho Borgo (sem partido), que se abstenha de iniciar obras ou promover o fechamento da área do Morro do Moreno, o município protocolou um pedido de reconsideração em que defende a continuidade do projeto, anunciado como “implantação de infraestrutura urbanística”, e contesta a lógica jurídica adotada pelos autores da ação, que se apresentam como herdeiros da família Aguiar.

A decisão judicial atendeu parcialmente ao pedido de tutela urgente feito pelos autores, que alegam ser proprietários de 251,9 mil m² da área onde incidem as intervenções previstas pela prefeitura, e que a prefeitura iniciou um processo de transformação do morro em “parque urbano”, com propostas de teleférico, tirolesa, restaurante, estradas internas e mirantes, o que descaracterizaria a proteção integral prevista para a categoria Monumento Natural do Morro do Moreno (Mona) – Lei 6.447/2021.
O magistrado Marcos Antônio Barbosa de Souza entendeu que embora o município afirmasse, na contestação, que o contrato com a AMF Engenharia (Concorrência 033/2024) estava em “fase preliminar de elaboração de projetos”, documentos anexados aos autos demonstraram que a prefeitura e o governo do Estado organizaram um evento oficial nesse sábado (15), com a assinatura da Ordem de Serviço do Monumento Natural do Morro do Moreno, seguida do fechamento do local para obras nessa segunda-feira (17). Diante disso, o juiz concluiu haver “perigo de dano iminente”, e estabeleceu multa em caso de descumprimento de R$ 50 mil por dia, aplicada pessoalmente ao prefeito e ao secretário responsável.
No pedido de reconsideração protocolado nesta terça-feira (18), a Procuradoria Geral do Município argumenta que a tutela concedida “desconsidera incompatibilidades jurídicas fundamentais”. Segundo a defesa, o tipo de ação ajuizada é referente à desapropriação indireta, o que pressupõe que o apossamento já ocorreu e é irreversível, portanto caberia ao proprietário apenas a indenização.
Para a Procuradoria, não seria juridicamente possível os autores simultaneamente pedirem na liminar que a Justiça reconhecesse que a intervenção pública já teria esvaziado o direito de propriedade (fundamento da desapropriação indireta), e que as obras sejam suspensas para “evitar o esbulho” e garantir posse. Sustenta, ainda, que a tutela concedida seria “tecnicamente incoerente”, pois, se os proprietários desejassem impedir intervenções, deveriam ter ajuizado ação possessória, e não uma ação indenizatória.
O pedido também afirma que a criação do Mona “não foi uma escolha política isolada, mas o cumprimento de um dever constitucional de proteção ambiental previsto no artigo 225 da Constituição”. Argumenta ainda que as intervenções previstas e o próprio plano de manejo “têm base legal sólida e não configuram invasão indevida de propriedade”.
O documento diz que existe, desde 2001, uma política pública permanente de preservação da área, inclusive com um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público Federal (MPF), que obriga o poder público a ordenar o uso do morro e adotar medidas de conservação. A prefeitura defende que o plano de manejo, aprovado por portaria em 2023, orienta intervenções como contenção de erosões, mitigação de riscos, organização de trilhas e instalação de infraestrutura mínima para visitação controlada. As obras previstas no Contrato 314/2024, afirma a Procuradoria, seriam a “execução fiel” dessas diretrizes, e não um empreendimento turístico irregular, como alegam os proprietários.
A Prefeitura e o governo do Estado anunciaram, nesse sábado, que o projeto vai custar R$ 10 milhões, e inclui a pavimentação de aproximadamente 730 metros da via principal de acesso ao topo, a construção de portaria, sanitários, sala administrativa, depósito, estacionamento e espaço voltado à educação ambiental. Além disso, contempla sete mirantes com vistas panorâmicas para a baía de Vitória, o Convento da Penha e a orla de Vila Velha. As trilhas, apontam, não sofrerão alterações.

O conjunto de edificações inclui ainda um receptivo na Rua Xavantes, com sala administrativa para a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, setor destinado à operação de um futuro sistema funicular, sala de enfermaria, área de estar, bilheteria, sanitários públicos acessíveis, copa de apoio e iluminação pública em LED. No topo, será construída uma cafeteria e área de apoio coberta.
Impactos ambientais
Enquanto tranita o embate jurídico, ambientalistas e movimentos sociais se mobilizam contras as mudanças e alertam para problemas como a emissão de Licença Ambiental Municipal Simplificada, considerada indevida para obras em área de Mata Atlântica, topo de morro e unidade de conservação; ausência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima), que seria obrigatório para intervenções com potencial significativo de degradação; restrições do Código Florestal a supressões em Áreas de Preservação Permanente (APP) e encostas; e falta de consulta aos proprietários e à comunidade durante a criação do Mona e a elaboração do plano de manejo.
Um abaixo-assinado público circula desde a publicação da licença simplificada. O texto afirma que a licença “ignora restrições legais severas” e que o estudo ambiental apresentado pelo município é “insuficiente”. O manifesto destaca que o Morro do Moreno é unidade de conservação de proteção integral, portanto, as intervenções propostas exigiriam análise ambiental complexa. A área abriga espécies ameaçadas e ecossistemas frágeis e qualquer alteração imprudente pode gerar danos irreversíveis, prossegue o grupo, que exige a alteração do projeto, a revisão da licença e o cumprimento estrito da legislação ambiental.
Representantes do movimento de defesa do patrimônio natural vêm se reunindo para discutir medidas mais robustas, entre elas, a preparação de representação aos Ministérios Públicos Estadual e Federal (MPES e MPF) e a organização de um protesto contra o que classificam como “intervenção destrutiva travestida de parque ambiental”. Os organizadores afirmam que o objetivo é ampliar o debate público e impedir que decisões técnicas sobre o uso da área sejam tomadas sem transparência e participação social.
Uma das primeiras moradoras a acionar o Ministério Público foi Bruna Ribeiro, estudante de Engenharia Ambiental no Instituto Federal do Estado (Ifes) e moradora da região, que protocolou uma denúncia formal questionando a concessão da Licença Ambiental Municipal Simplificada. Ela reitera que a autorização para as intervenções, que incluem mirantes, restaurante, cafeteria e até um bondinho, foi emitida sem qualquer consulta pública aberta à comunidade, o que contraria os princípios de transparência e participação social previstos no artigo 225 da Constituição e na Política Nacional do Meio Ambiente.
Bruna aponta que obteve informação de que houve apenas uma reunião interna na da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, não divulgada, e “sem representatividade efetiva”, usada como justificativa formal para o licenciamento. Na denúncia, a estudante solicita a instauração de inquérito civil, a apuração de possíveis irregularidades e, se confirmadas, a suspensão da licença e das obras.

