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Presidente do STJ suspende reintegração de posse favorável à Suzano

Decisão aponta conflito de competência por se tratar de área quilombola objeto de ação na esfera federal

Leonardo Sá

A reintegração de posse em favor da Suzano Papel e Celulose (Ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria) concedida pelo Justiça de primeira instância na área denominada Fazenda Estrela do Norte, que integra o território quilombola de Angelim 1, em Itaúnas, Conceição da Barra, está suspensa. A decisão é do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Herman Benjamin, e foi proferida às 22h dessa segunda-feira (15), véspera da operação, após negativas do juiz Akel de Andrade Lima a sucessivos recursos contrários à liminar.

O ministro acatou ofício do desembargador federal André Fontes, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), em que aponta conflito de competência por se tratar de área quilombola que é objeto de ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF). O processo, que está em fase de recurso na esfera federal, declara nulo os títulos de domínio de terras devolutas outorgadas, mediante fraude, a então Fibria, e condena o Estado do Espírito Santo a titular as terras ocupadas tradicionalmente por remanescentes das comunidades de quilombos.

Na decisão, o presidente do STJ ressalta a excepcionalidade e urgência do caso, os fundamentos apontados pelo desembargador federal, e ainda a manifestação direta ao seu gabinete feita nessa segunda-feira (15) pela Ouvidoria Agrária Nacional, informando de pedido de reunião de caráter urgente sobre o conflito fundiário. A suspensão da reintegração é válida até que o relator do STJ, que será sorteado no conflito de competência, delibe sobre a questão, o que deverá acontecer nos próximos dias.

O pedido de reunião consta em ofício nos autos protocolado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário, direcionado ao juiz Akel de Andrade Lima, e deveria ter sido realizada nessa segunda. O ministro da pasta, Paulo Teixeira, informou nas redes sociais após a decisão do presidente do STJ, que aguarda a suspensão do despejo para efetivar a titulação do território quilombola e resguardar os direitos da comunidade.

A área apontada para desapropriação agrega as localidades de Rio Angelim, Perobas, Porto dos Tocos e Distrito de Itaúnas, somando mais de 800 hectares. A reintegração atingiria 128 casas. As famílias da comunidade de Angelim 1 aguardam há anos a titulação de suas terras no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), assim como as outras comunidades do antigo Território do Sapê do Norte, que agrega ainda o município de São Mateus.

“Conforme já decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça, o processo de demarcação e titulação das terras ocupadas por comunidade remanescente de quilombo compete ao Incra. Dessarte, ressoa evidente que as demandas judiciais as quais envolvam a posse dessas áreas repercutem, de todo o modo, no processo demarcatório de responsabilidade da autarquia federal agrária. Logo é inarredável o interesse federal em tais demandas, razão pela qual deve ser fixada a competência da Justiça Federal para o seu processamento e julgamento”, argumentou o desembargador federal André Fontes.

O magistrado também destaca que “conquanto o Juízo de primeiro grau tenha determinado a exclusão do Incra da relação processual, verifica-se dos respectivos autos que, em vários momentos da sua tramitação foram levantados sérios questionamentos a respeito do fato de que imóvel rural cuja reintegração na posse é pedida em favor de Suzano S.A. (ora apelante) abrangeria comunidades quilombolas, mormente a denominada Angelim I (manifestação do Ministério Público Federal realizada em 28.8.2023); comunidade essa cuja abrangência também é levantada nos imóveis que são objeto de discussão na presente ação civil pública nº 0000693-61.2013.4.02.5003”.

Diante do panorama complexo que se verifica nas causas que versam sobre os imóveis situados na região em debate, prossegue o desembargador federal, “recomenda-se, por precaução, que a autarquia federal esteja presente na relação processual a fim de evitar, seguramente, que as decisões proferidas não comprometam os direitos assegurados às pessoas integrantes de comunidades quilombolas”. Para ele, o cumprimento da liminar poderá ocasionar a reintegração da posse em favor da Suzano de imóvel cujo título de domínio é nulo.

Processos fraudulentos

Na ação civil pública, além do Estado do Espírito Santo e a Suzano, é réu o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O pleito registra sentença favorável à luta quilombola, assinada pelo juiz federal Nivaldo Luiz Dias em outubro de 2021.

Em sua decisão, o juiz federal determina que seja declarada a nulidade de 30 matrículas de imóveis registradas de forma fraudulenta pela então Aracruz Florestal nos anos de 1973 a 1975. A sentença também condena o Estado do Espírito Santo “a titular as terras devolutas que reverteram ao patrimônio público estadual em virtude da declaração de nulidade”, com base na Constituição Federal e no art. 3º da Lei Estadual 5623/1998.

À Suzano, determina o pagamento de R$ 1 milhão como reparação por danos morais coletivos, a serem direcionados ao Fundo de Direitos Difusos, e, ao BNDES, que “suspenda qualquer operação de financiamento direto, indireto ou misto” à empresa em Conceição da Barra e São Mateus e, aos Cartórios de Registro de Imóveis nos dois municípios, que “façam constar o ônus nas respectivas matrículas”.

A sentença traz longas citações às informações levantadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Aracruz, realizada pela Assembleia Legislativa em 2002, que baseou a elaboração da ACP pelo MPF e evidenciou que “a Aracruz utilizou seus funcionários como ‘laranjas’ para obter a titulação de grandes extensões de terra pública em completa violação à legislação vigente à época”.

A investigação legislativa, afirma o magistrado, “relata que os empregados da Aracruz fizeram declarações falsas perante o Departamento de Terras e colonização do Estado do Espírito Santo DTC, órgão responsável pela regularização fundiária, visando a indevida obtenção de títulos de terras devolutas para a empresa; (…) que a pedido da Aracruz se limitavam a assinar os documentos previamente preparado pela empresa, inclusive sem receber nenhum valor como contraprestação pela utilização de seus nomes (…); que, após a legitimação da posse das terras devolutas com a titulação, elas eram transferidas imediatamente às empresas do Grupo Aracruz Celulose e que, na maioria dos casos, o período em que permaneciam na empresa não excedia nem mesmo uma semana”.

A sentença ressalta ainda que “algumas das terras devolutas fraudulentamente tituladas em favor do grupo Aracruz são objeto de procedimentos administrativos perante o Incra visando à regularização de terras quilombolas” e que, “ocorrendo a conclusão dos estudos pelo Incra que identificam e delimitam a terra quilombola, será viável a sobreposição entre terra quilombola e terra devoluta fraudulentamente titulada”.

Vulnerabilidade social

Em ofício nos autos protocolado também nessa segunda pedindo a suspensão da reintegração de posse, o Núcleo de Defesa Agrária e Moradia (Nudam) da Defensoria Pública do Estado (DPES) alertou sobre a presença na área de famílias em situação de vulnerabilidade social. A diretora do Núcleo, Mariana Dalcomo da Silva, e a integrante Samantha Negris de Souza se reuniram com um grupo da comunidade que protestou em Vitória contra a decisão favorável à Suzano.

Os relatos reforçam que algumas famílias residem no local há, aproximadamente, 15 anos, e que não dispõem de outro local para moradia. “Outrossim, deve ser considerado que a presença local é de pessoas que residem e trabalham na terra, garantindo sua subsistência a partir da pequena agricultura familiar”.

Nesse contexto, acrescentam, “as premissas constantes do plano de remoção padronizado da empresa autora acaba por não abarcar a vulnerabilidade decorrente da ausência de meio de subsistência imediata, situação que agrava os efeitos decorrentes da desocupação”.

As defensoras também destacam que “é mister informar que o relato das famílias é contundente na autodeclaração de pessoas provindas de comunidades tradicionais com relação com o uso da terra e pesca tradicional. Nessa hipótese, devemos informar que foi apresentada solução provisória de custeio de aluguel transitório, o qual, segundo relatos, poderia ser obtido e disponibilizado apenas no município de São Mateus, o que acaba por piorar as consequências do desalijo”.

A Defensoria afirma que a proposta efetivaria “a migração de pessoas extremamente vulneráveis para território urbano, longe das suas referências, inclusive dos equipamentos públicos os quais poderiam atendê-los para redução de danos. Exemplifica-se: a ausência de condições de viabilizar formas de sustento, ausência de organização de transferência de crianças para escolas do destino, dentre outras”.

A falta de acolhimento da população local também é destacada, o que  chegou a gerar, como contam os relatos, situações extremas, afirmadas por diversas pessoas, “como sofrimento mental intenso que teriam gerado suicídio de uma pessoa na época da primeira ordem reintegratória e dois casos de abortamento de bebê a termo, pela notícia do cumprimento da reintegração nesta próxima terça. No final do atendimento, ainda chegou a notícia de um falecimento de mais uma ocupante que, segundo informações relatadas, também teria passado mal em razão da medida reintegratória”.

Além disso, os moradores destacaram que o a Prefeitura de Conceição da Barra não teria realizado o cadastramento de todos os envolvidos, bem como que não houve ampla divulgação para que a comunidade pudesse realizar o cadastro adequadamente, que estava sendo realizado no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Por essa razão, o diagnóstico social realizado não corresponderia à totalidade da ocupação, que é composta por pequenos agricultores e pescadores tradicionais da região, majoritariamente de baixa renda e, segundo informado, por famílias que seriam remanescentes de quilombo.

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