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Relatora aponta que Gilvan ‘humilhou e constrangeu’ e vota por condenação

Deputado federal é réu por violência política de gênero contra Camila Valadão

Leonardo Sá

A desembargadora do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE-ES), Janete Vargas Simões, votou pela manutenção da condenação do deputado federal Gilvan da Federal (PL) por violência política de gênero contra a deputada estadual Camila Valadão (Psol), em julgamento realizado nessa segunda-feira (1). O caso ocorreu em dezembro de 2021, quando ambos eram vereadores de Vitória. Na ocasião, Gilvan mandou Camila calar a boca e a chamou de “satanista”, “assassina de bebê” e “assassina de criança”.

Relatora do recurso apresentado pelo parlamentar no Tribunal, Janete defendeu que a conduta de Gilvan infringiu o artigo 326-B do Código Eleitoral, que prevê punição para quem “assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo”.

Ela acrescentou que a manifestação de Gilvan, “de forma oral e física, buscava dolosamente impedir ou dificultar o livre desempenho profissional da então vereadora mediante constrangimento e intimidação, crime que não requer produção do resultado material para sua consumação”. Afirmou, ainda, que o acusado chegou ao extremo na sessão de 1º de dezembro de 2024, quando mandou Camila “calar a boca”, tratando-se, conforme aponta a relatora, de um ato de “humilhar e constranger”, e que “impediu o regular funcionamento da Casa de Leis”.

Gilvan da Federal se tornou réu em uma denúncia ofertada pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) por violência política de gênero e injúria racial contra a deputada estadual Camila Valadão (Psol) em março de 2024. O fato da denúncia ocorreu quando, durante uma manifestação dos professores da rede municipal de ensino na Câmara de Vitória, Camila pediu respeito ao momento de fala do vereador Anderson Goggi (PP).

Foi aí que Gilvan, fora do microfone, a mandou calar a boca. A vereadora reagiu dizendo “você não vem me mandar a calar a boca aqui dentro, você não vem me xingar, porque eu não baixo bola para você. Você me respeita, não me manda calar a boca”. Nesse momento, a transmissão ao vivo da sessão foi interrompida. Na ocasião, Camila publicou em suas redes sociais vídeos feitos por pessoas que estavam no local, que a mostram, ao microfone, dizendo “eu exijo respeito, não caio em provocação não. Como que um homem eleito pode mandar uma vereadora no exercício de sua atividade parlamentar calar a boca?!”.

Ao contrário de Camila, Gilvan não falou ao microfone, impossibilitando que sua fala fosse ouvida com clareza, mas as imagens mostram que ele estava muito alterado e apontando o dedo para a vereadora, inclusive fazendo o gesto de “arminha”. Entre as acusações, chamou Camila de “satanista” e “assassina de bebês e crianças”.

O voto da relatora foi acompanhado por outros dois integrantes do Pleno: os juízes Isabella Rossi Naumann e Marcos Antonio Barbosa. Contudo, o julgamento foi suspenso após outro membro, o juiz Adriano Sant’Anna Pedra, pedir vistas. Até o momento, contando com o voto de Janete, são três votos pela manutenção da condenação de Gilvan, sendo que o Pleno é composto por sete pessoas. Caso a condenação por violência política de gênero seja mantida, o parlamentar poderá ficar inelegível.

O assistente da acusação, Saulo Salvador, defendeu não somente a condenação por violência política de gênero, mas também por injúria simples e injúria qualificada por motivo religioso, uma vez que três dias antes da sessão na qual Gilvan mandou Camila calar a boca, ele subiu na tribuna e mostrou detergente e bucha, que, segundo o então vereador, seriam utilizados “para limpar a mesa e pedir orações a Deus para nos livrar de todo o mal”, referindo-se à benção feita por mães de santo no plenário da Câmara durante a sessão solene em homenagem ao Dia da Consciência Negra, proposta pela vereadora Karla Coser (PT).

O vereador também mostrou uma bíblia, que afirmou ser sua “arma principal”, e classificou a benção das mães de santo como “uma afronta a Deus”, dizendo que “praticamente fizeram uma macumba”. E completou: “vão dizer que isso é cultura, mas não é não. Cultuaram aqui dentro. Vão dizer que o estado é laico, que pode se fazer Umbanda, macumba, o que for. Pode, mas tem lugar apropriado”, disse.

Entretanto, a relatora apontou que o Ministério Público Eleitoral, em sua denúncia, “não estruturou como núcleo da imputação a discriminação religiosa, apenas descreveu de forma acessória críticas do acusado a determinada prática cultural”.

Primeira instância

A condenação de Gilvan em primeira instância foi por meio de uma decisão do juiz Leonardo Alvarenga da Fonseca, da 52ª Zona Eleitoral de Vitória. A pena aplicada foi o pagamento de R$ 10 mil para Camila como reparação de danos morais, além fixar punição de um ano, quatro meses e 15 dias de reclusão.

Na decisão, o magistrado disse que “mesmo num ambiente em que a liberdade de expressão, para garantir o embate de ideias, admite elastério nas palavras e impõe tolerância redobrada, em que até palavras de baixo calão se aceitam e os limites da boa educação já tenham sido há muito ultrapassados, de forma alguma é lícito a um parlamentar mandar outro calar a boca. Esta manifestação é incomportável no conceito de liberdade de expressão”.

O juiz apontou que “ninguém se lança à vida pública, se submete ao sufrágio universal e é elevado à condição de representante do povo se não puder se expressar com liberdade, se não tiver voz ativa, se esbarrar em condutas que lhe cerceiem o direito de fala e os que lhe são conexos, quais os de participar da vida política do parlamento, através de seus órgãos de deliberação fracionários e plenário, de publicizar suas iniciativas legislativas, enfim, de exercer plenamente o mandato conquistado nas urnas”.

Ainda de acordo com o magistrado, “o próprio réu narra em seu interrogatório que já havia se dirigido anteriormente à vítima mandando-a calar a boca, em episódio não registrado na qual ela o teria interrompido, o que demonstra que a escalada de eventos foi rumando para o caminho da intimidação, que chegou a seu ápice na sessão do dia 1º de dezembro de 2021”.

O juiz recorda que “no citado dia, é possível perceber do vídeo constante do Id nº 110728015, que o réu, após uso legítimo da fala, se perde numa espiral de agressividade, levanta-se de sua mesa e, motivado por provocações com os servidores que ocupavam as galerias da Casa de Leis, passa a trocar insultos com os mesmos, sendo interpelado pela vítima para que cessasse tal comportamento e permitisse a continuidade dos trabalhos, o que sequer a Presidência estava conseguindo”. É recordado, ainda, que “tomado de raiva, o réu manda então a vítima calar a boca e inicia a discussão e todo o seu desenrolar, que impôs o encerramento precoce da sessão legislativa, cujo objetivo era o de permitir que o Sindimuves, por sua presidente, convidada da vítima, pudesse se manifestar ao final das falas dos vereadores e encerrar sua pauta de reivindicações para a categoria dos servidores públicos presentes, naturalmente com algum encaminhamento ou proposição pela mesa diretora”.

O juiz avaliou a intervenção do réu como “nociva ao ponto de impedir o regular funcionamento da Casa de Leis naquele dia, o que indiscutivelmente caracteriza constrangimento, por meio de atos e palavras, ao exercício do mandato eletivo da vítima, que não conseguiu levar a cabo a pauta política que pretendia promover naquele dia”. “E o réu não se compraz apenas na altercação verbal com a vítima. Encerrada abruptamente a sessão, a vítima se retira e o réu a persegue, é impedido de alcançá-la por um assessor dela, a quem se dirige e aponta o dedo ameaçadoramente, nos seguintes termos ‘…você seu merda, maluco é você, rapaz…’, ao passo que enfim, contido o réu por outros parlamentares e circunstantes, a vítima consegue se desvencilhar e sai do recinto”, acrescenta.

Foi destacado na decisão que não se pode dizer que o comportamento de Gilvan era algo “corriqueiro do réu, de aceitação geral”. “Embora os parlamentares ou ex-parlamentares de Vitória ouvidos na fase inquisitorial e em juízo tenham afirmado que tiveram muitos entreveros com o réu, conhecido por seu estilo combativo, duro, e mesmo ríspido e grosseiro de debater com qualquer um no exercício da atividade parlamentar, nenhum deles, todos do sexo masculino, afirmou ter recebido do réu um tratamento semelhante ao que reservou para a vítima, pois a nenhum mandou calar a boca nem se dirigiu fisicamente em atitude ameaçadora”, diz o juiz.

Com base nisso, o magistrado conclui que “a prova coletada e examinada autoriza a conclusão de que o réu agiu contra a vítima aproveitando-se da sua condição de mulher, para aterrar, intimidar, subjugar e embaraçar a vítima, interferindo no exercício pleno do seu mandato, o que atende ao conteúdo do tipo objetivo e ao dolo específico previstos no tipo penal”.

Histórico

No início de fevereiro de 2024, Gilvan passou por uma condenação na Justiça por calúnia e difamação contra a secretária estadual das Mulheres, Jacqueline Moraes (PSB), quando ela era vice-governadora. A notícia da condenação foi anunciada por ela no Twitter. “Um ex-vereador da nossa Capital, hoje deputado, foi condenado pela Justiça por me caluniar, difamar e injuriar. Para mim, minha família e todas as mulheres, detestadas pelo grupo político do qual ele faz parte, um alívio. Sigo confiando na Justiça, como tem que ser”.

Jacqueline processou Gilvan após discurso em plenário que foi divulgado nas redes sociais, acusando-a de “enriquecimento acelerado” e dona de “fazendas e fazendas”. A secretária já tinha conseguido, também via Justiça, a retirada do conteúdo do ar.

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