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TRE-ES mantém condenação de Gilvan por violência política de gênero

Votação unânime em ação movida por Camila Valadão torna deputado inelegível

Leonardo Sá

O Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE-ES) retomou, nesta terça-feira (9), o julgamento do recurso do deputado federal Gilvan da Federal (PL) para reverter sua condenação por violência política de gênero contra a deputada estadual Camila Valadão (Psol). O resultado foi unânime pela rejeição do pleito do parlamentar, que passa à condição de inelegível por oito anos em decisão de órgão colegiado, restando agora acionar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O caso ocorreu em dezembro de 2021, quando ambos eram vereadores de Vitória. Na ocasião, Gilvan mandou Camila calar a boca e a chamou de “satanista”, “assassina de bebê” e “assassina de criança”.

A análise do recurso teve início na semana passada, quando a relatora, a desembargadora substituta Janete Vargas Simões, classificou a conduta de Gilvan como “dolosa” e voltada a impedir a atuação política de Camila “mediante constrangimento e intimidação”. Ela foi seguida, na ocasião, por outros dois integrantes do Pleno, os juízes Isabella Rossi Naumann e Marcos Antonio Barbosa.

O julgamento foi interrompido após o juiz Adriano Sant’Anna Pedra pedir vistas. Nesta terça, ele acompanhou parcialmente a relatora, ao divergir quanto à possibilidade de concessão do sursis processual, benefício que suspende a execução da pena – a condenação em primeira instância previa um ano, quatro meses e 15 dias de reclusão.

“A análise do conjunto fático probatório demonstra com clareza que as condutas praticadas pelo réu ultrapassaram o limite da crítica política, adentrando o espaço de constrangimento direcionado à então vereadora em razão da sua condição de mulher”, destacou. O voto também considerou que “as expressões dirigidas à parlamentar, especialmente a ordem para que calasse a boca, repetida em ambiente legislativo e acompanhada de postura intimidatória, assumem nítido caráter de supressão da fala e tentativa de neutralizar sua atuação política”.

O juiz afirmou ter pedido vista para aprofundar a análise especialmente quanto ao argumento do Ministério Público Eleitoral (MPE) de que os fatos configurariam também crime de injúria racial. Mas, após a revisão, acompanhou a relatora ao considerar que “embora a peça acusatória tenha contextualizado as manifestações ocupando de fundo o debate parlamentar, não transformou tal narrativa em elemento central da imputação”. Por isso, acolher a tese acusatória nesse momento equivaleria a “mutar-se o libelo em sede recursal, o que afrontaria o artigo 384 do CPP e a garantia constitucional do contraditório”, pontuou.

O juiz Hélio João Pepe de Moraes votou em seguida e acompanhou na íntegra o voto da relatora; o juiz Américo Bedê Freire Júnior discordou em parte da relatora, também no sentido de manter integralmente a sentença; e o o presidente da TRE, desembargador Dair José Bregunce, acompanhou integralmente a relatora, fechando o placar unânime.

Gilvan da Federal se tornou réu em uma denúncia ofertada pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) por violência política de gênero e injúria racial contra a deputada estadual Camila Valadão (Psol) em março de 2024. O fato da denúncia ocorreu quando, durante uma manifestação dos professores da rede municipal de ensino na Câmara de Vitória, Camila pediu respeito ao momento de fala do vereador Anderson Goggi (PP).

Foi aí que Gilvan, fora do microfone, a mandou calar a boca. A vereadora reagiu dizendo “você não vem me mandar a calar a boca aqui dentro, você não vem me xingar, porque eu não baixo bola para você. Você me respeita, não me manda calar a boca”. Nesse momento, a transmissão ao vivo da sessão foi interrompida. Camila publicou em suas redes sociais vídeos feitos por pessoas que estavam no local, que a mostram, ao microfone, dizendo “eu exijo respeito, não caio em provocação não. Como que um homem eleito pode mandar uma vereadora no exercício de sua atividade parlamentar calar a boca?!”.

Ao contrário de Camila, Gilvan não falou ao microfone, impossibilitando que sua fala fosse ouvida com clareza, mas as imagens mostram que ele estava muito alterado e apontando o dedo para a vereadora, inclusive fazendo o gesto de “arminha”. Entre as acusações, chamou Camila de “satanista” e “assassina de bebês e crianças”.

Voto da relatora

Janete Simões defendeu que a conduta de Gilvan infringiu o artigo 326-B do Código Eleitoral, que prevê punição para quem “assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo”.

Ela acrescentou que a manifestação de Gilvan, “de forma oral e física, buscava dolosamente impedir ou dificultar o livre desempenho profissional da então vereadora mediante constrangimento e intimidação, crime que não requer produção do resultado material para sua consumação”. Afirmou, ainda, que o acusado chegou ao extremo na sessão de 1º de dezembro de 2024, quando mandou Camila “calar a boca”, tratando-se, conforme aponta a relatora, de um ato de “humilhar e constranger”, e que “impediu o regular funcionamento da Casa de Leis”.

A análise rejeitou o argumento da defesa de Gilvan, que apresentou a juntada da ata da Câmara e sugeriu que o encerramento da sessão teria ocorrido devido a manifestações de servidores da galeria, e não por causa do comportamento do réu. “A própria sentença já havia consignado que, tomado de raiva, o réu manda então a vítima calar a boca e inicia a discussão de todo o seu desenrolar, que impôs o encerramento precoce da sessão”, afirmou. “Não se pode ignorar que a intervenção do réu foi nociva ao ponto de impedir o regular funcionamento da Casa de Leis, caracterizando constrangimento ao mandato eletivo da vítima”, finalizou.

Primeira instância

A condenação de Gilvan em primeira instância foi por meio de uma decisão do juiz Leonardo Alvarenga da Fonseca, da 52ª Zona Eleitoral de Vitória. Na decisão, o magistrado disse que “mesmo num ambiente em que a liberdade de expressão, para garantir o embate de ideias, admite elastério nas palavras e impõe tolerância redobrada, em que até palavras de baixo calão se aceitam e os limites da boa educação já tenham sido há muito ultrapassados, de forma alguma é lícito a um parlamentar mandar outro calar a boca. Esta manifestação é incomportável no conceito de liberdade de expressão”.

O juiz apontou que “ninguém se lança à vida pública, se submete ao sufrágio universal e é elevado à condição de representante do povo se não puder se expressar com liberdade, se não tiver voz ativa, se esbarrar em condutas que lhe cerceiem o direito de fala e os que lhe são conexos, quais os de participar da vida política do parlamento, através de seus órgãos de deliberação fracionários e plenário, de publicizar suas iniciativas legislativas, enfim, de exercer plenamente o mandato conquistado nas urnas”.

A decisão recorda que, “no citado dia, é possível perceber do vídeo constante do Id nº 110728015, que o réu, após uso legítimo da fala, se perde numa espiral de agressividade, levanta-se de sua mesa e, motivado por provocações com os servidores que ocupavam as galerias da Casa de Leis, passa a trocar insultos com os mesmos, sendo interpelado pela vítima para que cessasse tal comportamento e permitisse a continuidade dos trabalhos, o que sequer a Presidência estava conseguindo”. Afirma, ainda, que “tomado de raiva, o réu manda então a vítima calar a boca e inicia a discussão e todo o seu desenrolar, que impôs o encerramento precoce da sessão legislativa, cujo objetivo era o de permitir que o Sindimuves, por sua presidente, convidada da vítima, pudesse se manifestar ao final das falas dos vereadores e encerrar sua pauta de reivindicações para a categoria dos servidores públicos presentes, naturalmente com algum encaminhamento ou proposição pela mesa diretora”.

O juiz avaliou a intervenção do réu como “nociva ao ponto de impedir o regular funcionamento da Casa de Leis naquele dia, o que indiscutivelmente caracteriza constrangimento, por meio de atos e palavras, ao exercício do mandato eletivo da vítima, que não conseguiu levar a cabo a pauta política que pretendia promover naquele dia”. “E o réu não se compraz apenas na altercação verbal com a vítima. Encerrada abruptamente a sessão, a vítima se retira e o réu a persegue, é impedido de alcançá-la por um assessor dela, a quem se dirige e aponta o dedo ameaçadoramente, nos seguintes termos ‘…você seu merda, maluco é você, rapaz…’, ao passo que enfim, contido o réu por outros parlamentares e circunstantes, a vítima consegue se desvencilhar e sai do recinto”, acrescenta.

A sentença conclui que “a prova coletada e examinada autoriza a conclusão de que o réu agiu contra a vítima aproveitando-se da sua condição de mulher, para aterrar, intimidar, subjugar e embaraçar a vítima, interferindo no exercício pleno do seu mandato, o que atende ao conteúdo do tipo objetivo e ao dolo específico previstos no tipo penal”.

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