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‘A juventude no campo é protagonista para que o mundo não acabe’

Jovens do MPA destacam militância e agroecologia contra crise climática

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“Nosso papel é buscar uma visão agroecológica, porque a única solução para a saída climática é a agroecologia e a agricultura camponesa”. A afirmação do jovem Kauã Conte, integrante dos núcleos nacional e estadual de juventude do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), sintetiza o que ele acredita ser o caminho para o futuro: a formação política e ambiental da juventude do campo, contra a ilusão do progresso promovida pelo agronegócio. Para ele, o desafio é formar jovens baseados na realidade que enfrentam, e não nos moldes idealizados pelo discurso midiático do “agro pop”. “A gente não pode se render à narrativa do fim do mundo, porque isso faz a gente desistir dos nossos sonhos”, diz, evocando Ailton Krenak. Para Kauã, o papel do movimento é lutar contra essa ideia de que não existe saída, e afirmar que a juventude camponesa é protagonista para que o mundo não acabe”, ressalta.

Contra a lógica destrutiva do capital, o movimento aposta na força coletiva, na formação política e na agroecologia como projeto de mundo. Nessa segunda-feira (21), teve início na comunidade São Bento, localizada município de Pancas, no noroeste do Estado, a Escola Regional de Militantes “Derli Casali”, que reúne cerca de 70 militantes do Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais para aprofundar o compromisso com a luta pela soberania alimentar, pela justiça social e pelo fortalecimento da organização popular no campo.

O encontro vai até esta sexta-feira (25) e destaca a importância de enxergar a juventude não apenas como futuro, mas como força ativa no presente, considera a também integrante da juventude do MPA, Sarah Tolentino, que participa da formação. “Ouvimos muito dizer que a juventude é o futuro, o que ainda está por vir. Eu acredito que esse discurso desanima a juventude, porque, se estamos para o futuro, então vamos deixar para resolver isso lá na frente. E não é assim. Somos o futuro, mas principalmente o presente, a luta, os trabalhos e a conscientização que são desenvolvidos agora”, afirma.

Kauã analisa que há, atualmente, uma juventude dividida: uma parte desmobilizada politicamente, alienada pelo discurso hegemônico do agronegócio, e outra que se afasta completamente do campo por não enxergar ali uma perspectiva de futuro. “O jovem não se vê mais como camponês. Ele se enxerga como parte de um sistema agroindustrial, mesmo que continue vivendo no campo. Muitos se alienam nesse processo e se invisibilizam da luta”.

Nos últimos dez anos, ele considera que o MPA perdeu grande parte da organização juvenil que possuía, resultado de um contexto político e social adverso: o impeachment de Dilma Rousseff, a ascensão do bolsonarismo e os impactos da pandemia da Covid-19. Esse esvaziamento, combinado ao avanço do agronegócio e da financeirização das terras, intensificou o desinteresse e o êxodo dos jovens do campo.

A ausência de estímulos à permanência rural empurra a juventude para dois caminhos: ou se rende ao modelo do agro, se formando como técnicos e revendedores do pacote químico-tecnológico, ou abandona a vida no campo, pontua. Ainda assim, há sinais de resistência. Kauã acredita que uma nova geração começa a se reorganizar, impulsionada pela urgência das crises ambientais e pela mobilização política nas cidades. “Nós reacendemos os jovens do campo e da cidade a olhar de novo para os problemas agrários. Não é só sobre trabalhar com a terra, é sobre enxergar o campo como espaço de transformação”, defende.

Inspirado pelo pensamento do filósofo Mark Fisher, ele destaca a contradição central do nosso tempo: “A gente consegue enxergar o fim do mundo, mas não o fim do capitalismo. Um campo devastado, seco, destruído – mas não um campo livre do agronegócio”. Para romper com esse imaginário, defende a construção de uma juventude consciente, militante e comprometida com uma nova forma de produzir e viver: “É formar um pessoal conscientizado, não desesperado”.

A reconstrução da militância juvenil camponesa passa, segundo Kauã, por romper com a hegemonia do modelo agroindustrial. “O jovem que não está articulado politicamente não se imagina no campo de outra forma senão usando veneno, dentro do pacote tecnológico do agro”, destaca.

Ele aponta que muitas escolas de formação técnica rural acabam formando jovens para trabalhar no agronegócio, seja como produtores, vendedores de insumos ou técnicos em empresas privadas. “O agronegócio puxa essa fatia. E o movimento luta para refletir sobre isso”, conclui.

Para Sarah, a escola tem sido um espaço importante para pensar a organização coletiva e renovar compromissos com a luta do povo do campo. “Nunca podemos nos esquecer que a juventude é fogo no pavio. Temos que guardar isso conosco e propagar cada dia mais”, completa.

A urgência dessa formação se manifesta em um contexto, em que, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), os conflitos no campo atingiram patamares alarmantes. Nos seis primeiros meses de 2024, foram registradas mais de mil ocorrências, um número que se aproxima do pior resultado desde 2015, 1.127 casos, notificados entre janeiro e julho de 2023.

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