Vereadores propõem proibição de tratamento de esgoto de outros municípios
A mobilização dos moradores da Serra contra o projeto de produção de águas de reúso, que prevê o transporte e tratamento do esgoto de Vitória no município, ganhou força com a apresentação, nessa quarta-feira (4), de um projeto de lei pelos vereadores Rafael Estrela do Mar (PSDB) e Renato Ribeiro (PDT).

A proposta pretende proibir a imposição de políticas de saneamento básico de outros municípios sobre a Serra, especialmente diante da preocupação da população com o projeto da Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan), que inclui desativar a estação da Capital e bombear o esgoto por túneis até São Geraldo, na Serra, onde é construída a Estação de Produção de Água de Reúso (EPAR), que vai transformar 300 litros por segundo de esgoto para fins industriais. Do total, 200 litros por segundo serão destinados à ArcelorMittal Tubarão para o resfriamento de seu sistema industrial. A água também será comercializada com a Vale.
A obra é fruto de um acordo entre o Governo do Estado, a Cesan e o consórcio multinacional GS Inima, que venceu o leilão promovido pela companhia na B3, em São Paulo. O contrato prevê um investimento estimado em R$ 240 milhões, com prazo de 30 anos para construção, operação e manutenção das estações de tratamento e fornecimento da água de reúso, com operações previstas para começar até 2026.
O governo estadual e a Cesan defendem o projeto com base em benefícios ambientais e econômicos, como a redução da captação de água do Rio Santa Maria e de outras fontes hídricas. A justificativa oficial inclui ainda a desativação da atual Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Camburi, conhecida como “pinicão”, com o enterramento das três lagoas de esgoto da unidade. Pelo plano, os dejetos serão bombeados de Camburi até São Geraldo, onde serão tratados antes de serem reaproveitados
A área de 11 mil metros quadrados, doada pela ArcelorMittal, está localizada atrás do Fórum Cível da Serra e poderá ser expandida para até 21,3 milímetros quadrados. No entanto, a proposta gerou indignação da população serrana e vereadores, que apontam a falta de transparência no processo e controle social, em descumprimento ao Marco Legal do Saneamento Básico. Eles destacam impactos ambientais, sociais e logísticos que o município terá que absorver.
O vereador Renato Ribeiro relembrou que a ETE de Vitória, composta por três lagoas de tratamento, há anos gera queixas de mau cheiro e impacto ambiental na região. “É uma área nobre que sofre há muito tempo com isso. A reivindicação da desativação daquela estação é antiga, especialmente da população de Jardim Camburi”, ressaltou.
Para a execução do projeto, está prevista a instalação de uma extensa rede de tubulações, que afetará diversos bairros da Serra, como Rosário de Fátima, Eurico Salles, Carapina I e Bairro de Fátima. Em Manoel Plaza, uma das principais vias deverá ser interditada para as obras, o que preocupa moradores e lideranças comunitárias.
Na justificativa do projeto de lei, Renato Ribeiro e Rafael Estrela do Mar argumentam que o município da Serra está sendo obrigado a assumir o ônus de um empreendimento que beneficia Vitória e grandes indústrias, mas que foi concebido sem diálogo com a Câmara Municipal, com a Prefeitura ou com a população local.
Carlos Romeu de Melo, representante da Associação de Moradores de Manoel Plaza, defende a necessidade da audiência pública como um espaço fundamental de diálogo. “É preciso procurar as lideranças, escutar sobre os impactos e também as sugestões para o projeto”, afirmou, defendendo a necessidade de os vereadores ouvirem as preocupações da população diretamente afetada e incorporarem as sugestões na matéria apresentada na Casa de Leis.
Durante a sessão, Renato reforçou que a decisão de instalar a EPAR na Serra foi tomada à revelia da população e das autoridades locais. Ele destacou que o bairro de São Geraldo, escolhido para sediar a estação, já enfrenta graves problemas urbanos, como poluição, trânsito intenso de caminhões e ausência de investimentos estruturais, o que tende a se agravar com a chegada do empreendimento.
“São dejetos de 150 mil moradores de Vitória sendo colocados na Serra sem discussão com essa Casa”, criticou Renato durante a apresentação do projeto. “Enquanto Vitória se livra de um problema sério, a Serra está sendo escolhida para receber toda essa carga”, acrescentou Rafael.
A matéria propõe a proibição de qualquer imposição de políticas de saneamento básico de outros municípios sobre a Serra, incluindo o esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos, implantação de estações de tratamento de esgoto e estações de produção de água de reúso que recebam dejetos oriundos de fora. Segundo os autores, a proposta busca resguardar a soberania administrativa e a autonomia decisória do município, conforme previsto no artigo 241 da Constituição Federal e no artigo 21 da Lei Federal nº 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico.
“Realmente não houve uma discussão, não é? Não houve uma audiência pública, não houve um diálogo com a Prefeitura e nem com a Câmara. Foi um leilão bilionário para esse projeto, e nós estamos falando da falta de diálogo, pelo prejuízo, pelo impacto ambiental também”, pontuou Rafael Estrela do Mar.
Ele também questiona a lógica do projeto: “A pergunta que eu faço sempre para Vitória e para a Cesan é: por que não faz o tratamento em Vitória e manda a água limpa para Serra? Vão eliminar o pinicão e passar esse esgoto todo por um tubo para mandar tudo para cá, para ser tratado. Já que vai fazer a canalização, sairia até mais barato: o tubo poderia ser até menor se tivesse o tratamento em Vitória e mandasse a água já limpa para a Serra”, argumenta.
Renato destaca a falta de diálogo com o município da Serra: “sequer foi discutido isso com a cidade da Serra. Assinaram uma ordem de serviço lá com a empresa que ganhou a concorrência, uma multinacional espanhola, por R$ 2,4 bilhões, e sequer apresentaram o projeto aqui. Não chegou projeto nem para a Secretaria de Meio Ambiente, nem para a Câmara de Vereadores. Não sabemos em detalhes nem por onde vai passar a tubulação que vai bombear esse esgoto””, acrescenta”.
Ele ainda questionou o possível traçado da obra: “Vão quebrar a Norte-Sul inteira até chegar em São Geraldo? Vão passar por dentro de bairros como Bairro de Fátima ou Carapina 1? É o maior questionamento da cidade hoje”, pontuou. Além do impacto ambiental, o vereador destacou interesses imobiliários na desativação da ETE de Vitória. “Aquela área de Jardim Camburi tem um metro quadrado altíssimo”, observa. Ele destacou que, embora seja favorável à utilização de água de reúso pelas indústrias, vê na proposta um exemplo clássico de “greenwashing”, quando empresas apresentam ações como ambientalmente responsáveis, sem que isso corresponda à realidade.
“As grandes empresas usam esse discurso ambiental de sustentabilidade, mas escondem interesses muito maiores. Vitória elimina o ônus, deixa de ter mau cheiro e transtornos, e passa tudo isso para o município. Não somos contra o desenvolvimento, nem contra o uso de água de reúso, mas não podemos aceitar o município ser tratados como o depósito de esgoto da Capital, sem qualquer respeito à nossa população. A Serra não pode virar um pinicão de Vitória”, reforça.