Quarta, 01 Mai 2024

Arthur Gerhardt: o lobista de prestígio das transnacionais

Arthur Gerhardt: o lobista de prestígio das transnacionais
Novos documentos revelados pelo ex-gerente de Inteligência da Vale, André Almeida, denunciam lobby da empresa para obtenção de licenças ambientais de projetos estratégicos da mineradora no governo Paulo Hartung (PMDB). A contratação direta e ad hoc da Sereng Engenharia e Consultoria Ltda., que tem em seu quadro societário a empresa do ex-governador biônico Arthur Gerhardt Santos (1971 - 1975), teria como objetivo facilitar o processo, já que “o proprietário da Sereng teve e continua tendo influência no governo e lideranças políticas e empresariais no Estado”. 
 

As informações estão no Relatório de Homologação do Departamento de Suprimentos da Vale, de julho de 2010. O contrato tinha como objeto os “serviços de engenharia de projeto, gerenciamento e fiscalização, para adequação a NR10 [Normas Regulamentadores do Ministério do Trabalho e Emprego] nas usinas (I, II, III, V, VI e VII) e da Hispanobrás (usina IV), no Complexo Portuário de Tubarão – ES”. O prazo de conclusão era de dois anos e meio, com valor recomendado de R$ 19,4 mlhões.

 
“Questionamos o usuário sobre os motivos da contratação direta da Sereng e recebemos a seguinte justificativa: atendendo a necessidades (sic) de bom relacionamento com o governo do Estado e lideranças políticas, é indispensável que a Sereng seja a empresa escolhida para prestar os serviços de engenharia na Pelotização. Obviamente sendo contratada pelo preço justo e consistente com o praticado no mercado e nos demais contratos Vale”, diz o documento, validado pelo analista de Suprimentos Armando Gonçalves Nascimento.
 
Os documentos apresentados apontam que o teor do texto incluído no processo de contratação direta da Sereng foi uma recomendação feita por e-mail, no dia 12 de julho de 2010, encaminhada primeiro por Arnaldo Silva a Giovanni Eustáquio - cópia para Eugênio Esposito e Guilherme Reinisch - com a mesma justificativa que aparece no documento, acrescentando “por solicitação do Dipe [Diretoria de Pelotização e Metálicos] e pedindo “esforço nesse sentido” . Em seguida, é enviado por Giovanni a Armando e Rômulo Silva, assinado também por Arnaldo: “favor acrescentar essa justificativa no processo de contratação direta da Sereng da Dipe”. 
 
A emissão do Relatório (última revisão) ocorreria no dia 30 do mesmo mês, data do início dos cinco contratos que terminaram em 14 de janeiro deste ano, totalizando R$ 19,4 milhões. A Sereng já tinha um contrato anterior com a Vale, de abril de 2009, que venceu em outubro de 2011, no valor de R$ 3,2 milhões. Ao todo, R$ 22,6 milhões.
 
O Departamento de Suprimentos justificou ainda no documento que “devido, no momento, a Vale depender da liberação do governo de algumas licenças ambientais de projetos estratégicos como a CSU – Companhia Siderúrgica de Tubarão -, usina termelétrica de Tubarão e TAC – Termo de Ajustes de Conduta, junto à promotoria (implementação do Wind Fence), entendemos como procedente a contratação direta da Sereng”.
 
Segundo o denunciante, as contratações direta e ad hoc, respectivamente uma exceção à regra e uma aceleração no procedimento burocrático, foram realizadas mesmo sendo demandado um serviço comum, com várias concorrentes no mercado. Esses tipos de procedimentos, acrescenta Almeida, precisa da aprovação de um diretor. 
 
Além da empresa Gerhardt Santos Assessoria e Planejamento Ldta, com 29,7% das ações, o quadro societário da Sereng é composto pela FG Engenharia e Participações Ldta (29,7%), de propriedade de Fernando Guéron, diretor do Grupo Sereng e presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva no Estado (Sinaenco-ES). Guéron já integrou os quadros da Aracruz Celulose (Fibria) e da Cepemar, empresa de consultoria ambiental fundada por Nelson Saldanha Filho, que se consolidou como um dos instrumentos de poder do governo Paulo Hartung. 
 
Com 39,6% das ações, a Datamil Engenharia e Consultoria Ldta, do diretor de Obras do Iate Clube, Alfredo Carlos Chaves Brandão, completa o quadro societário. A Sereng Consulting Ldta detém 0,1% das ações.
 
Embora o Relatório de Homologação tenha recomendado “preço justo e consistente”, não foi isso que apontou o Departamento de Suprimentos, durante o processo de homologação do contrato. No item “negociação”, o setor informa não ter contrato com o mesmo objeto e escopo da coleta, impedindo o cálculo do “baseline” e completa que, “numa análise preliminar, identificamos as diferenças a maior dos preços unitários propostos, em relação ao orçamento e as preços atualizados de outros contratos Vale”. Diz ainda: “proposta Sereng aprox. 18% superior as ‘Referências’ e aprox. 37% superior ao orçamento”.
 
Após uma série de ponderações sobre distorções e cálculos, o documento justifica a “grande urgência e importância deste assunto para o Dipe, e informa que o mesmo “Dipe autorizou, em 21/07/2010, prosseguir com a contratação”. 
 
O ex-gerente também indica uma diferença de mais de R$ 60 mil nas medições dos serviços realizados pela Sereng. O assunto foi pauta de reunião realizada no dia 22 de junho de 2011, entre representantes da Vale e da Sereng, quando foi recomendado: “o contrato da Sereng é muito amplo, atendendo várias áreas, e necessitando de maior controle tanto da Vale quanto Sereng (sic). Sugerido maior e melhor conferência dos boletins, antes de serem encaminhados para o Gagip”. E segue: “comentado os erros mais comuns, como PA’s errados ou sem saldo; evidências não condizentes com o boletim, duplicidade ou falta de evidências”. 
 
Nos documentos, chama atenção ainda a diferença de valores de dois contratos, com o mesmo objeto, “prestação de serviço de engenharia de projeto, gerenciamento e fiscalização para adequação da NR10, nas usinas de pelotização I”. Um deles, de número 1569280 (Vale), tem valor total de R$ 11,9 milhões.968.760,51, e o outro, de número 43821 (Kobrasco), de R$ 2.100.735,85. 
 
Os outros contratos são de números 1160131 (Vale), 43358 (Itabrasco), 43755 (Hispanobras) e 45773 (Nibrasco). As “brascos” são do Grupo Vale, mas de CNPJ diferentes, o que gera contratos em separado. 
 
O erro foi identificado e corrigido somente nove meses depois do início do contrato, como ressalta o ex-gerente de Inteligência. Segundo ele, o mesmo serviço era prestado no mesmo local, “isto é, recebendo duas vezes”. 
 
Como responsável pelas verbas dos projetos de adequação às Normas Regulamentadores, André Almeida diz ter repassado ao Dipe “muitos milhões de reais”, sendo questionado pela auditoria interna “sobre o uso indevido dessas verbas”. 
 
“Que benefícios políticos a Vale obteve, pois em termos contratuais foram levantadas diversas irregularidades, tais como empregados da Sereng trabalhando 16h por dia em dois lugares distintos. Mas os controles de acesso da Vale registravam que trabalhavam as 8h normais, tendo alguns supervisores e coordenadores trabalhado quase a metade disso. Qual o motivo da falta de fiscalização nesse contrato? O valor das horas chegava a salários mensais de R$ 44 mil! E desses empregados, 40% são pessoas jurídicas, um risco grande para a Vale”, considerou Almeida. 
 
Em família 
 
Criada em 2003, a Sereng tem capital social declarado na Junta Comercial do Estado de R$ 255 mil. Já a Datamil, sócia majoritária - quase R$ 100 mil da empresa – de R$ 5 mil. Situação semelhante à da FG Engenharia, que detém R$ 745 mil de participação na Sereng e capital social de R$ 30 mil. A Gerhart Assessoria, com a mesma participação que a FG na Sereng, tem capital registrado de R$ 3,7 milhões. 
 
Embora constituídas em datas diferentes, com exceção da Gerhardt Assessoria, as demais empresas estão registradas no mesmo endereço, na Mata da Praia, onde funciona a Sereng.
 
 
No caso da empresa do ex-governador, que detém quase a totalidade das ações da Gerhardt Assessoria – R$ 3,6 milhões -, consta ainda no quadro societário, com R$ 73,6 mil, sua filha, Cristina Vellozo Santos, atual subsecretária de Estado de Desenvolvimento. Ela já havia atuado também como diretora técnica e diretora-presidente da Agência de Desenvolvimento em Rede do Espírito Santo (Aderes), vinculada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento (Sedes). A empresa do ex-governador biônico é composta ainda por mais quatro familiares. 
 
Rede de poder
 
Ferrenho defensor das transnacionais, coube a Arthur Carlos Gerhardt Santos, no governo de Cristiano Dias Lopes, atuar na implantação dos grandes projetos do Estado. Durante o final da década de 1960 e início da década de 70, no cargo de presidente do Codes (que mais tarde viria a ser o Banco de Desenvolvimento do Estado – Bandes), tomou a iniciativa de dar partida ao ciclo das transnacionais no Espírito Santo. Comandou, assim, a implantação da CST (hoje ArcelorMittal Tubarão) e da Aracruz Celulose (hoje Fibria).
 
O regime militar instalado no país após o Golpe de 1964 fez dele o segundo governador biônico, assumindo o cargo em 1971. Junto do compromisso com os militares, criou toda uma esfera de benefícios que incluíam além de benefícios fiscais, a destinação das terras indígenas e quilombolas no norte do Estado à Aracruz Celulose. Ao deixar o governo, foi direto para o comando da Aracruz. Logo depois, tornou-se presidente da CST (hoje ArcelorMittal). 

 
    Foto: Ag.Minas


A relação de Arthur Gerhardt e o ex-governador Paulo Hartung (PMDB) teve início durante a gestão de Hartung ainda na prefeitura de Vitória, quando Gerhardt foi nomeado presidente da Companhia de Desenvolvimento de Vitória (CDV).
 
Essa parceria renderia ainda mais frutos. A chegada de Hartung ao governo do Estado fez Gerhardt se unir aos instrumentos de poder do ex-governador. Por meio da Cepemar e da ONG empresarial Espírito Santo em Ação – ES em Ação -, comandou a ampliação da teia de benefícios para os grandes projetos. Gerhardt ainda integra os conselhos Operacional e Deliberativo da entidade de empresários, representando a Sereng. 
 
A empresa de Nelson Saldanha Filho ficou conhecida no governo passado por elaborar os Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/Rima) dos grandes projetos poluidores do Estado, com aprovação em tempo recorde nos órgãos ambientais. A secretária de Estado de Meio Ambiente do governo Hartung, Maria da Glória Brito Abaurre, nome forte da gestão passada, deixou a diretoria da Cepemar para ocupar o cargo, por onde operou o sistema de favorecimentos às transnacionais. 
 
CSU
 
Desde o processo de implantação da Companhia Siderúrgica de Ubu (CSU) em parceria com os chineses da Baosteel em Ubu, Anchieta, em 2008, Arthur Gerhardt e a Sereng assumiram papel de protagonista na implantação do empreendimento da Vale.
 
Gerhardt usou a Sereng para intermediar o processo de construção civil da nova planta. Mesmo sem qualquer estrutura, ainda naquele ano, a empresa dava as cartas no milionário jogo das futuras obras.
 
Após a desistência do projeto pela Baosteel, a Vale iniciou, sozinha, o processo de implantação e licenciamento, marcado por inúmeras denúncias de irregularidades, ameaças, favorecimentos e intimidações praticadas pela empresa contra os moradores das áreas cobiçadas pela mineradora. 
 
Apesar das inúmeras denúncias protocoladas no Ministério Público Estadual (MPES), a Vale não encontrou qualquer dificuldade para obter a Licença Prévia (LP) de sua siderúrgica em Ubu. O cenário para isso já estava armado no Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) para ser consolidado em dezembro de 2010, seis meses após o início dos contratos da Sereng com a Vale. 
 
Mas conselheiros de quatro entidades ambientalistas adiaram os planos da empresa e do governo do Estado, após apontarem irregularidades no processo de licenciamento, que tinha como responsável pelos estudos ambientais a Cepemar. O caso voltou à pauta do Consema em março de 2011, quando foi liberada a LP. 
 
“A Vale acompanhava de perto o licenciamento de Ubu. Na época estávamos tentando aliciar um representante público em Anchieta, para repassar as informações sobre a CSU, um infiltrado. Mais adiante, recebi a ordem de parar com esse ‘projeto’. Para quê um infiltrado se já tínhamos um lobista?”. 

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