Medida atende à reivindicação antiga de associações e colônias do Estado

A Assembleia Legislativa aprovou por unanimidade, nesta segunda-feira (15), o projeto de lei que proíbe a pesca de cerco com traineiras de médio e grande porte na faixa de até 12 milhas náuticas do litoral capixaba. A medida, de autoria do governo do Estado, atende a uma reivindicação histórica dos pescadores artesanais, que denunciam há anos os impactos dessa modalidade de pesca industrial sobre os estoques pesqueiros, a biodiversidade marinha e as condições de trabalho e sobrevivência da categoria.
A proposta vinha sendo discutida pelo Governo do Espírito Santo no âmbito do Comitê da Cadeia Produtiva da Pesca e da Aquicultura (Compesca) e foi construída a partir de demandas apresentadas por colônias, associações e lideranças da pesca artesanal de diferentes regiões do Estado. A nova lei proíbe a atuação de traineiras com arqueação bruta superior a 20 na zona costeira capixaba, entre as divisas com a Bahia e o Rio de Janeiro. Embarcações de menor porte já registradas no Espírito Santo antes da publicação da norma poderão manter suas atividades.
Durante a votação em plenário, deputados destacaram o caráter predatório da pesca de cerco com traineiras e os prejuízos causados às comunidades tradicionais. O deputado Coronel Weliton (PTB) afirmou que a medida garante segurança aos pescadores artesanais e impede a atuação de embarcações de outros estados na costa capixaba. “Essas traineiras vêm com redes enormes e, em uma única redada, pegam mais peixe do que um pescador artesanal consegue em uma vida inteira. Elas vêm de outros estados, fazem a pesca predatória aqui e vão embora, sem deixar nenhum dividendo para o Espírito Santo”, destacou.
O parlamentar relatou ainda o depoimento de pescadores com décadas de atuação no Estado, que compararam a capacidade de captura das traineiras à produção de toda uma vida de trabalho artesanal. “Um pescador com 50 anos de atividade declarou que uma única redada dessas embarcações retira mais peixe do que ele pescou em toda a sua trajetória. Isso mostra a dimensão do problema”, aponta.
A deputada Janete de Sá (PSB) reforçou que a proibição atende a um clamor antigo das colônias de pescadores. Segundo ela, as traineiras, muitas oriundas do Paraná e de outros estados, utilizam malhas finas que capturam peixes ainda filhotes, comprometendo a reposição dos estoques. “Essa é uma reivindicação das colônias de pescadores. Fui procurada por vários presidentes, como Daré e Alvinho, e todos relataram a preocupação com a captura de peixes muito pequenos, que acabam desaparecendo da nossa costa”, observou.
No mesmo sentido, o deputado Zé Preto (PP) afirmou que as traineiras não pertencem à frota capixaba e causam prejuízos diretos aos pescadores que atuam diariamente seguindo as normas ambientais. “Essas embarcações vêm de fora, fazem arrastões, levam o pescado embora e deixam aqui os pescadores artesanais sofrendo, respeitando as regras e sendo penalizados. Esse projeto protege quem vive da pesca no Espírito Santo”, avaliou.
A deputada Iriny Lopes (PT) destacou a importância da restrição para manter o equilíbrio dos cardumes na faixa costeira e garantir a subsistência das famílias que dependem da pesca artesanal. “Os pescadores artesanais não têm grandes embarcações para atuar em mar aberto. Precisamos garantir que os cardumes se mantenham dentro das 12 milhas, assegurando renda e dignidade para essas famílias”, defendeu.
Do ponto de vista ambiental, a pesca de cerco com traineiras é reconhecida como uma modalidade de alto impacto, por utilizar grandes redes circulares e embarcações com elevado poder de captura. No Estado, embora a sardinha seja o principal alvo dessa técnica, a prática tem resultado na captura de espécies como o xixarro (Caranx crysos) e o peroá-branco (Balistes capriscus), ambas classificadas como “Vulneráveis” no Livro Vermelho da Fauna e Flora do Espírito Santo.
Segundo o analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e representante do Compesca, Nilamon de Oliveira Leite Junior, a medida responde a uma discussão que se arrasta há pelo menos 15 anos, mas o lobby da pesca industrial dificultou que fosse atendida antes.
A gerente estadual de Biodiversidade da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), Thaís Volpi, explicou que a proibição atinge exclusivamente embarcações industriais. Segundo ela, apenas uma das três traineiras artesanais registradas no Espírito Santo está ativa e, por ser de menor porte, continuará autorizada. A restrição é voltada às traineiras industriais que operam em larga escala.
De acordo com a representante da pasta, o esforço de pesca das cinco traineiras industriais identificadas na costa capixaba tem potencial de captura até 25 vezes maior do que toda a frota de pesca artesanal (712 pescadores) e industrial (87 pescadores) do Estado somadas, o que gera concorrência desleal e pressão excessiva sobre os recursos marinhos. Ela destacou ainda que, após a aprovação da lei estadual, o governo pretende pleitear à União a ampliação da restrição para as 200 milhas náuticas da Zona Econômica Exclusiva (ZEE).
Apesar do amplo apoio à medida, o presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), João Carlos Gomes da Fonseca, o “Lambisgoia”, alertou sobre os impactos da transição para parte dos trabalhadores que atuam embarcados em traineiras. Ele defende que o governo discuta medidas de compensação e alternativas de renda para esses pescadores, especialmente durante o período de defeso, e que a transição precisa ser acompanhada de políticas públicas que evitem o agravamento da vulnerabilidade social da categoria.
“Lambisgoia” também discorda da avaliação de que a proibição, por si só, resulte na recuperação dos estoques pesqueiros ou na melhoria das condições da pesca artesanal. Para ele, a ausência de medidas compensatórias agrava um cenário já marcado pela insegurança alimentar. O sindicalista lembra que a redução da atividade pesqueira no litoral capixaba decorre principalmente da contaminação por rejeitos de minério causados pelo crime da Samarco/Vale e BHP, com impactos que até hoje afetam a vida das comunidades.
A nova lei prevê que o Executivo poderá criar programas, projetos e ações de incentivo e apoio financeiro para viabilizar sua implementação. A regulamentação deverá ocorrer em até seis meses após a publicação no Diário Oficial.

