sexta-feira, junho 27, 2025
22.9 C
Vitória
sexta-feira, junho 27, 2025
sexta-feira, junho 27, 2025

Leia Também:

Audiência Pública discute projeto que transfere esgoto de Vitória para Serra

Vereadores mobilizados contra a medida apontam impactos e ilegalidades

A Câmara da Serra realiza na próxima terça-feira (1), às 18h30, uma audiência pública sobre o projeto de Produção de Água de Reúso, firmado entre o Governo do Estado, a Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan) e o consórcio GS Inima, subsidiária da multinacional coreana GS E&C. A iniciativa prevê o transporte de esgoto da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Camburi, em Vitória, para ser tratado em São Geraldo, na Serra, onde está em construção uma nova Estação de Produção de Água de Reúso (EPAR).

O projeto inclui o enterramento das lagoas da atual ETE de Camburi – conhecidas popularmente como “pinicão” – e o bombeamento dos efluentes por meio de túneis até a Serra. A EPAR será responsável por tratar 300 litros por segundo de esgoto para fins industriais. Dois terços da água produzida serão comprados pela ArcelorMittal Tubarão para resfriamento de seus sistemas, enquanto a Vale assinou um protocolo para fornecimento de 50 litros por segundo. Orçado em R$ 240 milhões e com contrato de 30 anos, o plano foi viabilizado após leilão na B3, em São Paulo, vencido pela GS Inima.

A audiência, intitulada “Serra não é pinicão de Vitória”, foi convocada pelos vereadores Rafael Estrela do Mar (PSDB), presidente da Comissão de Defesa dos Consumidores e Contribuintes, e Renato Ribeiro (PDT), presidente da Comissão de Obras e Serviços. Os dois são autores de um projeto de lei que visa proibir a imposição de políticas de saneamento básico de outros municípios sobre a Serra.

Vereadores Renato Ribeiro e Rafal Estrela do Mar. Foto: CMS

Rafael criticou a falta de transparência e participação popular no processo, apontando que o território serrano arcará com o ônus socioambiental do empreendimento, enquanto os benefícios econômicos ficam concentrados na Capital. “É muito desproporcional tirar um pinicão de Vitória e trazer pra Serra, enquanto onde eram as lagoas já tem projeto de shopping a céu aberto, empreendimentos. O nosso território fica com a parte ruim, que é tratar um esgoto pra reutilizar água”, declarou.

O vereador também destacou a desigualdade tributária envolvida: “a maior parte das empresas está na Serra, mais o maior volume de impostos vai para Vitória. Já sofremos com problemas sociais e de mobilidade urbana e querem trazer mais transtornos sem debater com a população”. Segundo ele, a escolha de São Geraldo como sede da estação é especialmente injusta, pois trata-se de uma região já marcada por vulnerabilidades urbanas e sociais.

A audiência pública contará com presença confirmada de representantes da Cesan, da empresa GS Inima, da Arcellor Mittal, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Associação de Empresários da Serra (ASES), e outros atores sociais. “Convidamos todos os deputados estaduais. Estamos esperando também a sinalização da Prefeitura da Serra sobre quem irá representar o Executivo. É essencial que a cidade se posicione”, afirmou o vereador.

Renato Ribeiro também manifestou preocupação com os impactos do projeto, especialmente no bairro de São Geraldo. Para ele, a iniciativa é um exemplo clássico de greenwashing – quando empresas tentam passar uma imagem de sustentabilidade enquanto geram prejuízos socioambientais. “Estamos falando de um bairro já impactado com poluição, caminhões pesados e ausência de infraestrutura. Isso vai agravar problemas antigos. Enquanto isso, Vitória recupera uma área nobre para especulação imobiliária, com planos de shopping e faculdade.”, alertou.

Para ele, o processo é marcado por ausência de transparência e desrespeito à autonomia do município. “Envolve a nossa cidade, e nós não fomos em nenhum momento consultados. Sequer foi apresentado algum tipo de projeto, só na semana passada deram a entrada no Iema [Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos] para o licenciamento ambiental. Já estipularam prazos de início de obra, sendo que nem o Iema licenciou, e a prefeitura sequer recebeu qualquer projeto”, criticou.

Para a execução do empreendimento, está prevista a instalação de uma extensa rede de tubulações, que afetará diversos bairros da Serra, incluindo Hélio Ferraz, Manoel Plaza – onde uma das principais vias deverá ser interditada para as obras – Rosário de Fátima, Eurico Salles, Carapina I, Bairro de Fátima, além de São Geraldo, que receberá a estação em uma área de 11 mil metros quadrados, doada pela ArcelorMittal. Há previsão de expansão para até 21,3 mil metros quadrados.

Renato classificou o projeto como uma tentativa de impor à Serra decisões tomadas sem diálogo e dentro da ilegalidade. “O que está se fazendo hoje é tentar empurrar uma coisa que ainda não está dentro da legalidade, já que não tem autorização nenhuma, licenciamento nenhum, e muito menos consulta à Prefeitura da Serra e à Câmara da Serra”, afirmou. Ele reitera a crítica de que o município não deve ser tratado como uma “província de Vitória” e suas instâncias decisórias devem ser respeitadas por empresas, governo e iniciativa privada.

A gestão estadual e a Cesan defendem o projeto com base na economia de recursos hídricos, como a redução da captação de água do Rio Santa Maria. Apesar disso, parlamentares e lideranças comunitárias apontam que a decisão foi tomada à revelia da população e das autoridades locais e defendem que o tratamento do esgoto seja feito no município de origem, antes do transporte da água de reúso para as indústrias.

A Comissão de Agricultura e Meio Ambiente da Câmara também se posicionou de forma contrária à implementação do projeto. Em reunião recente, seus integrantes avaliaram a proposta como “inviável e inadmissível”, comprometendo-se a fortalecer a mobilização institucional contra sua realização. O presidente, Teilton Valim (PDT), destacou, em nota enviada ao Século Diário, que o colegiado buscará explicações diretas com a Cesan durante a audiência, uma vez que nem a Prefeitura da Serra, tampouco a comissão, foram acionadas para discutir ou licenciar a obra.

“Não houve qualquer convite para discussão com a sociedade, de forma que não sabemos quais serão os impactos dessa obra, ou sua finalidade”, destacou. “Estamos buscando compreender melhor o projeto, mas, a princípio, nossa posição é contrária à execução da forma como está sendo conduzida”, completou Teilton Valim.

Mais Lidas