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Audiências discutem privatização do Parque Cachoeira da Fumaça

Unidade de conservação é uma das mais frágeis do Estado, alertam ambientalistas

A Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa realiza, nesta terça-feira (25), em Alegre, e na quarta-feira (26), em Ibitirama, municípios do Caparaó capixaba, duas audiências públicas para discutir com as comunidades locais os impactos do Programa Estadual de Desenvolvimento Sustentável das Unidades de Conservação do Espírito Santo (Peduc) ao Parque Estadual Cachoeira da Fumaça.

Os encontros acontecem no auditório da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), campus de Alegre, e no auditório do Creas de Ibitirama, respectivamente, e devem ser conduzidos pela deputada e vice-presidente da comissão, Iriny Lopes (PT).

Karolina Gazoni/Iema

Em Alegre, o biólogo Hugo Cavaca fará a palestra “O Peduc e as concessões/privatizações dos Parques Estaduais”. No dia seguinte, a bióloga Andressa Hartuiq dos Santos apresentará ao público o conteúdo do plano voltado ao Parque Cachoeira da Fumaça, apontando riscos e inconsistências técnicas identificadas por pesquisadores e comunidades no entorno da unidade.

O parque em debate é uma das unidades mais frágeis do Espírito Santo. Com área reduzida e totalmente cercado por pastagens, áreas urbanizadas e propriedades degradadas, funciona como uma “ilha verde” em meio ao avanço do desmatamento no Caparaó, descreve Hugo. A região de Alegre, onde está a unidade, registrou algumas das temperaturas mais altas do país neste ano, reforçando a urgência de políticas de conservação efetivas. “É a menor unidade de conservação do Estado. Qualquer intervenção mal planejada pode comprometer sua função ecológica”, pontua.

As audiências foram convocadas após a intensificação das críticas de ambientalistas, que denunciam falta de transparência no processo, fragilidades metodológicas dos estudos contratados pelo governo e suspeitas de que os planos de manejo têm sido adaptados para viabilizar as propostas de concessão do Peduc, e não o contrário.

O Peduc, idealizado pelo secretário de Estado de Meio Ambiente, Felipe Rigoni (União), propõe implantar equipamentos turísticos dentro de unidades de conservação. A multinacional Ernst Young, consultora contratada para propor a modelagem econômica, recebeu mais de R$ 8,6 milhões para desenhar os modelos de exploração turística dentro do programa estadual, que prevê a concessão de seis áreas de proteção integral por 35 anos.

No pacote estão seis unidades: além do Cachoeira da Fumaça, o Parque Estadual de Itaúnas (PEI), em Conceição da Barra, norte do Estado; Forno Grande (PEFG) e Mata das Flores (PEMF), em Castelo, no sul; Paulo César Vinha (PEPCV), em Guarapari; e Pedra Azul (Pepaz), em Domingos Martins, na região serrana.

Ambientalistas afirmam, porém, que o discurso de sustentabilidade do governo contrasta com o modelo apresentado, baseado em turismo de massa e infraestrutura intensiva em áreas frágeis. Inspirado em grandes parques internacionais, o programa ignora, segundo eles, a escala reduzida das unidades capixabas, muitas com menos de 200 hectares. “Todos os parques do Espírito Santo cabem dentro de uma única área como o Parque Nacional do Iguaçu. Comparar essas escalas é uma loucura”, critica Andressa, que atua em iniciativas comunitárias de conservação no Caparaó e integra o Movimento em Defesa das UCs.

Um dos pontos mais sensíveis apresentados nas audiências será a elaboração dos planos de manejo. De acordo com Hugo Cavaca e Andressa, o governo capixaba estaria invertendo as etapas: em vez de elaborar primeiro planos consistentes para depois pensar no uso público, o Estado estaria revisando e adaptando os planos para atender às diretrizes do programa.

Eles apontam que esse movimento ganhou força após a criação, pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), do Grupo de Trabalho das Unidades de Conservação do Estado (GT-Uces). O GT foi instituído pela Instrução de Serviço nº 140-S, de 15 de outubro de 2025, assinada pela diretora-geral do órgão, Mário Stella Cassa Louzada. O documento determina que o grupo terá a função de “discutir, propor e consolidar” atualizações de zoneamento, diretrizes de manejo e instrumentos jurídicos voltados às UCs, além de “prospectar estratégias” de criação e expansão de unidades.

Para o movimento socioambiental, o GT-Uces teria sido criado em um momento estratégico para acelerar a revisão dos planos de manejo alinhando-os ao Peduc, reduzindo a participação social e facilitando a aprovação de diretrizes de infraestrutura contestadas pelos pareceres técnicos internos do próprio Iema.

O grupo é composto por seis servidores, entre eles o gerente de Unidades de Conservação, Georges Mitrogiannis Costa, além de Leonardo Paganotti Marniato, Marcos Paulo Rodrigues de Almeida, Rafael de Ávila Pantaleão, Rodolpho Torezani Netto e Thaís Assis Volpi. A criação desse GT enfraquece os espaços de debate nas oficinas e tende a substituir decisões colegiadas por uma estrutura reduzida, com risco de validação automática das propostas originais do Peduc, consideram os porta-vozes do movimento.

Ambientalistas relatam que, durante as oficinas participativas, o material apresentado aos participantes já continha propostas prontas de zoneamento definidas antecipadamente com base nos projetos do Peduc. Em Paulo César Vinha, por exemplo, um mapa com nove áreas destinadas à infraestrutura teria sido apresentado antes mesmo da etapa de discussão de zoneamento.

A comunidade rejeitou integralmente a proposta e apresentou um zoneamento alternativo, reduzindo as áreas destinadas à intervenção de nove para três. O parecer técnico do Iema também teria sido contrário às propostas de infraestrutura apresentadas inicialmente. Ainda assim, o resultado da oficina não teria sido publicado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Seama).

Pouco depois, a secretaria publicou a Instrução 140-S criando o GT-Uces, interpretada por ambientalistas como uma tentativa de acelerar a aprovação dos planos ignorando pareceres internos e sugestões das comunidades. “Eles estão desconsiderando até pareceres internos do próprio Iema. Os planos de manejo estão sendo desenhados para caber no Peduc, e não para conservar”, reforça Hugo.

Diante do cenário, o Movimento em Defesa das UCs prepara uma ação judicial contra o Peduc. A peça já está em fase final de revisão e deve questionar não apenas o programa, mas também os estudos contratados e os pareceres emitidos com base neles. Além disso, o movimento articula atuação conjunta com o Ministério Público Estadual, a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

“Vamos judicializar o Peduc. Estudos sem pé nem cabeça não podem ser base para transformar unidades de conservação. Se necessário, entraremos com ações coletivas e individuais contra cada parecer e cada decisão que viole a legislação ambiental”, alerta Hugo.

Imagem apresentada nos estudos elaborados pela Ernst Young: Reprodução

Mesmo assim, o plano estratégico criado para atender ao programa propõe equipamentos como mirantes, lojas, restaurantes, centros de visitantes e até uma tirolesa sobre o vale. Para o movimento, as propostas são incompatíveis com a finalidade de parques de proteção integral, definida pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). “O parque existe para conservar. O uso público deve ser compatível com essa função. O que está sendo proposto é turismo de massa, agressivo e degradador”, destaca.

Os ambientalistas ressaltam que não são contrários ao turismo, mas defendem um modelo comunitário, de baixa intervenção e que fortaleça quem já cuida do território. Para as comunidades do Caparaó, o futuro da Cachoeira da Fumaça está em disputa entre conservar ou transformar a unidade em mais um destino de exploração turística intensiva.

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