Domingo, 05 Mai 2024

BNDES e governo do Estado também são réus em ação civil pública contra Aracruz Celulose

BNDES e governo do Estado também são réus em ação civil pública contra Aracruz Celulose
Não só a Aracruz Celulose (Fibria) terá que explicar à Justiça Federal como usurpou terras devolutas no norte do Espírito Santo, na época da ditadura militar. A ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) em São Mateus contra a empresa também tem como réus o governo do Estado e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), principal financiador dos projetos poluidores no Estado. 
 
As ilegalidades se referem às terras quilombolas de Conceição da Barra e São Mateus, antigo território do Sapê do Norte, obtidas pela empresa por grilagem. 
 
O Ministério Público usou como base para a ação as graves denúncias feitas durante a CPI da Aracruz Celulose, realizada na Assembleia Legislativa em 2002. Também foram relatados, na ocasião, os crimes ambientais e violações aos direitos humanos cometidas pela empresa às comunidades indígenas e quilombolas. 
 
Para reparar a injustiça histórica em relação aos quilombolas, o processo requer a anulação dos títulos de domínio de terras e que os cartórios de registros de imóveis da região tornem indisponíveis as propriedades que fizeram parte da negociação fraudulenta.
 
Liminarmente, também pretende suspender, até 20 de dezembro, qualquer tipo de financiamento bancário do BNDES à Aracruz, destinado à aplicação no plantio de eucalipto e na produção de celulose nos dois municípios. 
 
Além de devolver o território ao patrimônio público, o MPF-ES pede a condenação da Aracruz a reparar os danos morais coletivos, no valor de R$ 1 milhão.
 
Para a procuradora da República Walquiria Imamura Picoli, que assina a ação, está claro que a Aracruz Celulose fraudou a lei vigente à época. “Não há o que se falar em prescrição, pois se tratam de atos nulos de transferência de domínio de terras públicas praticados de má-fé por particulares, não podendo ser convalidados pelo decurso do tempo”, ressaltou.
 
Metologia de coação
 
O processo de usurpação das terras quilombolas pela Aracruz Celulose, no período militar, assim como ocorrera primeiro com os índios Tupiniquim e Guarani de Aracruz, foi marcado por episódios de violência, terrorismo e ameaças.
 
A empresa utilizou, para isso, pessoas de confiança da própria comunidade, como Benedito Braulino, o Pelé, que tinha um comércio na região. Primeiro, ele tentava convencer as famílias a venderem suas terras, com o discurso de promessas de empresa e melhores condições de vida na cidade. Diante de recusa, o tenente Merçom era acionado. Ele explorava a patente do Exército para usar de força e agressão contra os quilombolas, inclusive com ameaças de queimar ou passar com tratores sobre seus casebres.



Na época, o mecanismo utilizado pela empresa para conseguir os títulos de terras na região ganhou a imprensa nacional. Uma minoria possuía o título, geralmente famílias em que os filhos haviam saído das comunidades para estudar e, de posse já de algum conhecimento, obrigaram os pais a registrar a propriedade. A Aracruz comprava essas pequenas áreas, a preços irrisórios, e recebia títulos com extensão de terras muito maiores, englobando os terrenos vizinhos. Essas transações contavam com a conivência do Estado, cartórios de registros de imóveis e órgãos públicos. 
 
Ao mesmo tempo, a empresa se valia da estratégia de utilizar “laranjas” para avançar sobre o território. Os próprios funcionários da Aracruz Celulose adquiriam do Estado terras devolutas em nome próprio, alegando ser pequenos agricultores e, em seguida, as transferiam legalmente para a empresa. 
 
Um dos documentos entregues à CPI listou 65 áreas, requeridas por mais de 30 funcionários e ex-funcionários da empresa, totalizando mais de 13 mil hectares de terras transferidas pela empresa, muitas delas nas áreas mais agricultáveis do Estado.
 
Sem alternativa, os quilombolas foram obrigados a deixar o território, engrossando as periferias de centros urbanos como Conceição da Barra, São Mateus, Serra e Vitória. Os poucos que restaram vivem ilhados em meio aos eucaliptais, onde predomina o cenário de miséria e insegurança alimentar. Também ocupam o território quilombola empresas de álcool e fazendeiros, principalmente da pecuária extensiva.
 
BNDES
 
O projeto idealizado pela empresa para o norte do Estado se viabilizou graças ao financiamento do BNDE – na época sem o social –, considerado o maior concedido até então a uma empresa privada. Orçado inicialmente em U$S 460 milhões, e depois corrigido para US$ 536 milhões, coube ao banco a maior parte dos recursos, US$ 337 milhões.
 
Quem coroou o acordo foi o governador biônico do Estado na época e atual deputado estadual Elcio Alvares (DEM). A nomeação dele no governo, em março de 1975, para substituir Arthur Carlos Gerhardth, foi considerada uma contribuição ao arranjo para o financiamento do Grupo Aracruz. Já Gerhardth saiu do governo para assumir, direto, a presidência da Aracruz Celulose. 
 
Depois da inauguração da fábrica A da empresa, o BNDES continuou financiando os projetos de expansão da Aracruz – fábricas B e C-, com participações no quadro acionário.
 
Em 2003, o Grupo Aracruz iniciou a construção da fábrica da Veracel, em Eunápolis, no extremo sul da Bahia, em parceria com a empresa sueco-finlandesa Stora Enso, com um financiamento de US$ 546 milhões do banco.
 
Cinco anos depois, após perdas financeiras devido a especulações com derivativos cambiais, que ocasionaram  um prejuízo de US$ 2,13 bilhões, o grupo Votorantim Celulose e Papel (VCP) anunciou a compra de 28,03% da Aracruz, então rebatizada de Fibria. O BNDES desembolsou, nessa operação, R$ 2,4 bilhões dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), e a compra foi concluída com custa total de R$ 5,6 bilhões. 
 
No início deste ano, a Aracruz Celulose voltou a anunciar seu projeto da construir a quarta planta industrial no Estado, com previsão de começar a operar entre 2020 e 2025. Contribuirá para isso a expansão do porto da empresa, o Portocel II, localizado em Barra do Riacho, município de Aracruz. 
 
Os financiamentos do BNDES aos empreendimentos poluidores da Aracruz, tornam o banco corresponsável pelas violações ambientais e aos direitos humanos promovidas pela empresa no norte do Espírito Santo.

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