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Comunidades da Serra denunciam poluição e cobram respeito às águas

Esgoto lançado diretamente em corpos hídricos preocupa moradores

Aegea

“Nós estamos observando, a olhos nus, uma degradação muito intensa e rápida dos corpos hídricos da Serra – rios, lagoas e praias. Quem percorre a ES-010, de Praia Mole até Nova Almeida, vê que praticamente todos os cursos d’água que desaguam no mar, além das lagoas próximas, estão poluídos. Esse quadro se agrava ano após ano”. A denúncia, feita pelo morador de Costa Bela, Nilton Cardoso, um dos coordenadores do movimento Todos por Jacaraípe, ecoa críticas levantadas também em audiência pública realizada na Câmara Municipal no primeiro semestre deste ano, onde moradores relataram esgoto a céu aberto, lançamentos irregulares em córregos e falta de manutenção da rede.

Dados oficiais reforçam o alerta das comunidades. A avaliação de balneabilidade publicada pela prefeitura na última semana também apontou que as praias de Costa Bela e Praia Grande estão impróprias para banho e recomendou que seja evitado o contato com as águas. A preocupação também ganha força no momento em que a Serra revisa seu Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB), que define diretrizes e metas para os serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, além da gestão de resíduos sólidos. O objetivo é alinhar-se ao Marco Legal do Saneamento (Lei nº 14.026/2020), que estabelece a universalização desses serviços até 2033, e à Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010).

As críticas se concentram principalmente no trabalho da Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan) e da Ambiental Serra, concessionária que atua no município em regime de parceria público-privada. Enquanto os dados oficiais indicam cobertura de esgoto superior a 90%, os moradores contestam essa informação. “Esses números são maquiados, não refletem a realidade. Muitas vezes existe uma rede seca, sem ligação à estação de tratamento, ou a estação não cumpre os padrões exigidos pela norma. Se houvesse realmente 90% de cobertura, lagoas e córregos não estariam nessa situação”, rebate Cardoso.

O desafio local da universalização do acesso ao saneamento básico ainda está longe de ser enfrentado de forma efetiva no município, avaliam as lideranças comunitárias. Para Luciana Pacheco, presidente do Movimento Comunitário da Grande Jacaraípe, a conta é injusta para a população. “Pagamos tarifas altíssimas, quase 100% de taxa de esgoto, mas esse esgoto não é tratado devidamente. Enquanto isso, nossos córregos continuam poluídos e as comunidades sofrem com ruas alagadas a cada chuva, resultado de uma rede fluvial comprometida”, critica.

Cardoso relata que a degradação dos corpos hídricos é perceptível em diferentes pontos da Serra. A Lagoa Juara apresenta água esverdeada e mau cheiro; e no Rio Jacaraípe, a presença de lama fétida denuncia o lançamento contínuo de esgoto. Situações semelhantes são observadas em Manguinhos e na Praia da Baleia, onde, segundo ele, é possível identificar pontos de despejo de água escura e contaminada diretamente no mar. “Locais que antes eram usados para pesca, banho e lazer, hoje se transformaram em corredores de esgoto. Isso é um passivo ambiental que envergonha o município”, afirma.

A avaliação é compartilhada por moradores de diferentes bairros. Eles apontam que a expansão urbana desordenada, com novos loteamentos sem infraestrutura adequada, tem agravado a situação. O caso do loteamento Capuba Ville é citado como exemplo: embora a área conte com rede de esgoto, o sistema não está conectado a nenhuma estação de tratamento, e os dejetos acabam sendo lançados diretamente no córrego de Costa Bela, que deságua na praia.

As críticas também recaem sobre a falta de ação efetiva do poder público. Os moradores relatam que quando a prefeitura aciona o Ministério Público Estadual (MPES), muitas vezes os processos não resultam em medidas concretas. “Se há fiscalização, ela não está surtindo efeito. O quadro só piora”, avalia Cardoso. Luciana cita especificamente os córregos Irema e Laripe, ambos considerados críticos pela comunidade devido ao seu estado de degradação.

Em dezembro de 2024, a Prefeitura da Serra anunciou um acordo de cooperação técnica com a Cesan e a Ambiental Serra para tentar reverter parte dessa realidade. O projeto prevê a construção de uma rede auxiliar ao longo dos córregos Irema e Laripe, com a função de captar tanto águas pluviais quanto esgoto doméstico de cerca de 700 imóveis que hoje despejam dejetos diretamente nesses mananciais.
Segundo a administração municipal, o material será encaminhado para tratamento na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Feu Rosa, o que deve reduzir a poluição em curto prazo. Apesar da iniciativa, moradores defendem a necessidade de fortalecer a fiscalização e garantir mais transparência nos dados sobre cobertura de esgoto e tratamento da água.

“O que mais precisamos é respeito à água, porque vai acontecer da gente ficar sem no futuro. Não vai nos impactar hoje, mas as nossas gerações futuras serão impactadas”, afirmou Luciana Pacheco. Além do tratamento adequado do esgoto, ela considera urgente que o município encare a poluição como um problema estrutural e deixe de naturalizar a degradação dos corpos hídricos.

Dados do Painel Saneamento Brasil (Sinisa 2023) mostram que 113,8 mil dos 545,8 mil habitantes da Serra – cerca de 21,6% da população – não têm acesso a esgoto. O índice de esgoto tratado em relação à água consumida é de apenas 45,1%, totalizando 17.736,47 mil m³ de esgoto tratado. No ano do estudo, a falta de saneamento também se refletiu na saúde, com 242 internações e cinco óbitos por doenças de veiculação hídrica, além de despesas de R$ 169,4 mil, como aponta o Departamento de Informação e Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus).

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