Conferência popular faz frente à captura da ONU pelas grandes corporações
De um lado a captura da Organização das Nações Unidas (ONU) pelas grandes corporações transnacionais. Do outro, a pandemia de Covid-19 aprofundando um processo de crescimento da fome em âmbito planetário. E no meio disso, as organizações da sociedade civil em articulação para reverter o sofrimento dos mais vulneráveis.
O desafio é gigante e a vontade de vencê-lo também. Nesse sentido, no Brasil, a Conferência Popular por Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional realiza um encontro no próximo dia 21, às 15h, para apresentar "O que está em jogo na Cúpula Mundial dos Sistemas Alimentares da ONU", que acontece em setembro.O Espírito Santo participa da mobilização por meio de diversos coletivos e entidades com abrangência nacional. Presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar (Consea/ES), Rosemberg Moraes conta que o objetivo deste encontro na próxima sexta-feira é construir um documento para a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que será por ela encaminhado à ONU.
"Vamos mostrar a realidade que vivemos no Brasil e no Espírito Santo: de uma insegurança alimentar resultado não da pandemia, mas de uma política pensada lá atrás, desde 2014", diz o conselheiro, citando diversos arranjos políticos desde o final do mandato de Dilma Roussef (PT), passando pela aprovação da Emenda Constitucional 95, em 2017, que congelou os gastos públicos, incluindo saúde e educação, por 20 anos, e o enfraquecimento contínuo do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
"Não podemos deixar uma imagem hollywoodiana ser apresentada na Cúpula, temos que mostrar a verdade. E temos que forçar a revisão dessas políticas públicas, o restabelecimento do funcionamento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e o fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar", conclama.
O que está por trás da Cúpula
Em Nota Pública, a Conferência Popular por Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional expõe os jogos mesquinhos de poder dos grandes conglomerados do agronegócio que desvirtuam a Cúpula Mundial, em que os Sistemas Alimentares são compreendidos como "uma constelação de atividades envolvidas na produção, processamento, transporte e consumo de alimentos", que "afetam todos os aspectos da existência humana".
"O processo de organização desta cúpula é extremamente preocupante, e não à toa tem sido objeto de denúncia por parte de um amplo conjunto de movimentos e organizações da sociedade civil em âmbito internacional. Diferente das Cúpulas Mundiais de Alimentação anteriores, protagonizadas pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que foram marcadas por amplos diálogos entre estados, instituições e a sociedade, a cúpula atual tem sido radicalmente cooptada pelas corporações", expõem as entidades e coletivos que integram a Conferência Popular brasileira.
Entre os pontos de alerta, estão o fato dela ter sido anunciada em 2019, de maneira unilateral, pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, numa identificação explícita com o Fórum Econômico Mundial de Davos, um dos principais espaços multilaterais de diálogo entre governos e setor privado, voltado a reformas neoliberais.
Sob esta lógica, ressalta a nota pública, "Agnes Kalibata, ex-presidente da Aliança para a Revolução Verde na África (Agra), foi designada 'enviada especial', assumindo a coordenação geral do evento, o que demonstra um claro viés de abordagem em prol das grandes corporações do agronegócio e da indústria de alimentos".
Captura da ONU
"A presença de interesses privados no centro da organização da Cúpula coaduna com um processo mais amplo de captura corporativa do Sistema ONU", contextualiza a Conferência Popular. "Dada a inadimplência e o boicote de alguns países às organizações multilaterais, o financiamento das atividades da ONU é cada vez mais feito por corporações ou fundações ligadas a interesses empresariais", o que explica a exclusão inicial da FAO e do Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CSA) como membros participantes da organização da Cúpula.
Como resultado, o documento final foi aprovado na plenária de fevereiro de 2021 do Comitê, sem o endosso da sociedade civil. Junto da exclusão da ONU e do CSA, o documento também exclui ou aborda de forma muito frágil temas fundamentais e correlatos ao tema da Cúpula, como: direitos humanos, não aceitação da inclusão do direito humano à água; rejeição à inclusão de pontos relacionados ao papel central da agroecologia; a ênfase nos aspectos biológicos da alimentação em detrimento a uma abordagem multidimensional; a ausência de recomendações relacionadas à redução no uso de pesticidas; e a não menção à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses e Outros Povos Trabalhando em Áreas Rurais (UNDROP).
Sob esta lógica, ressalta a nota pública, "Agnes Kalibata, ex-presidente da Aliança para a Revolução Verde na África (Agra), foi designada 'enviada especial', assumindo a coordenação geral do evento, o que demonstra um claro viés de abordagem em prol das grandes corporações do agronegócio e da indústria de alimentos".
Captura da ONU
"A presença de interesses privados no centro da organização da Cúpula coaduna com um processo mais amplo de captura corporativa do Sistema ONU", contextualiza a Conferência Popular. "Dada a inadimplência e o boicote de alguns países às organizações multilaterais, o financiamento das atividades da ONU é cada vez mais feito por corporações ou fundações ligadas a interesses empresariais", o que explica a exclusão inicial da FAO e do Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CSA) como membros participantes da organização da Cúpula.
O CSA, ressalta a nota pública, depois de reformado, em 2009, "se tornou o mais importante locus na Governança Internacional de Segurança Alimentar" e "um dos mais democráticos e representativos espaços de todo o sistema ONU, tendo como iniciativa exemplar a instituição do Mecanismo da Sociedade Civil e Povos Indígenas (MSC)".
Por isso, o documento que começou a ser construído em 2017, a partir de amplo e democrático debate, passou a ser alvo de inúmeros lobbies de governos e corporações vinculadas ao agronegócio, ao tempo que as posições do MSC foram sendo continuamente rejeitadas.
Como resultado, o documento final foi aprovado na plenária de fevereiro de 2021 do Comitê, sem o endosso da sociedade civil. Junto da exclusão da ONU e do CSA, o documento também exclui ou aborda de forma muito frágil temas fundamentais e correlatos ao tema da Cúpula, como: direitos humanos, não aceitação da inclusão do direito humano à água; rejeição à inclusão de pontos relacionados ao papel central da agroecologia; a ênfase nos aspectos biológicos da alimentação em detrimento a uma abordagem multidimensional; a ausência de recomendações relacionadas à redução no uso de pesticidas; e a não menção à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses e Outros Povos Trabalhando em Áreas Rurais (UNDROP).
Espaços populares
Apesar da intensa concentração de poder nas mãos do capital, o processo de construção da Cúpula tem janelas para a participação da sociedade civil e é por meio delas que a Conferência Popular, os conselhos de Segurança Alimentar e dezenas de organizações e entidades podem se fazer ouvir. São os "Diálogos Nacionais" – divulgados no site do Ministério das Relações Exteriores (MRE) – prévios ao evento, a serem convocados pelos governos nacionais, e os "Diálogos Independentes", que podem ser oficialmente credenciados e convocados por qualquer organização.
No documento brasileiro, no entanto, criticam as entidades, "o atual cenário de crescimento significativo da fome no Brasil é simplesmente ignorado em detrimento da construção de imagem de um país fictício que estaria dando continuidade a políticas voltadas para a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada à sua população".
"O que propomos é a realização de 'encontros autônomos', que são parte de um intenso processo de discussão global e regional da sociedade civil global que se opõe à cúpula oficial, e que resultará em ações práticas como uma Pré-Cúpula Alternativa em julho em Roma e a continuidade da construção de uma narrativa alternativa e experiências práticas sobre os caminhos e soluções para a construção de sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis", conclamam.
"O que propomos é a realização de 'encontros autônomos', que são parte de um intenso processo de discussão global e regional da sociedade civil global que se opõe à cúpula oficial, e que resultará em ações práticas como uma Pré-Cúpula Alternativa em julho em Roma e a continuidade da construção de uma narrativa alternativa e experiências práticas sobre os caminhos e soluções para a construção de sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis", conclamam.
Signatários
Assinam a nota pública da "Comissão Organizadora da I Conferência Nacional, Popular, Autônoma: por Direitos, Democracia e Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional" as seguintes organizações: Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Ação da Cidadania, Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), Agentes de Pastoral Negros do Brasil (APN), Comissão de Presidentes de Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional (CPCE), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Conselho Federal de Nutricionistas (CFN), Coletivo Indígena, Coletivo de Ex-Presidentes do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq), Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), FIAN Brasil, Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FONSANPOTMA), Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (RBPSSAN), Rede de Mulheres Negras para Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, Slow Food Brasil.
Assinam a nota pública da "Comissão Organizadora da I Conferência Nacional, Popular, Autônoma: por Direitos, Democracia e Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional" as seguintes organizações: Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Ação da Cidadania, Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), Agentes de Pastoral Negros do Brasil (APN), Comissão de Presidentes de Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional (CPCE), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Conselho Federal de Nutricionistas (CFN), Coletivo Indígena, Coletivo de Ex-Presidentes do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq), Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), FIAN Brasil, Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FONSANPOTMA), Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (RBPSSAN), Rede de Mulheres Negras para Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, Slow Food Brasil.
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