Domingo, 28 Abril 2024

Em última audiência sobre o pó preto, sociedade civil volta aos questionamentos da primeira

Em última audiência sobre o pó preto, sociedade civil volta aos questionamentos da primeira
Em meio a uma semana de “solzão, calorzão, nordestão”, como bem definido pelo Grupo SOS Espírito Santo Ambiental, que também lembrou das “rinites, sinusites e outras ites” que acometem a população nesse período, a sociedade civil voltou a bater em teclas já antes muito levantadas: o respeito à legislação ambiental, o emprego do poder de polícia dos órgãos do setor com relação às grandes poluidoras da Ponta de Tubarão, Vale e ArcelorMittal, e a abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Pó Preto. Motivos de sobra para que, na última audiência, fossem reiterados exatamente os mesmo temas apresentados na primeira da série de encontros promovidos pelo deputado estadual Claudio Vereza (PT).
 
Compunham a mesa da noite dessa quarta-feira (13) Tarcísio Föeger, diretor presidente do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema); Carlos Lopes, do Departamento Estadual de Trânsito (Detran); João Paulo Lamas, coordenador do programa Despoluir da Federação das Empresas de Transporte (Fetransporte); Vitor José Macedo Queiroz Lima, do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon); Eraylton Moreschi Junior, do grupo SOS Espírito Santo Ambiental; e Márcia Furieri, da Companhia de Transportes Urbanos da Grande Vitória (Ceturb), que não faria apresentações, mas foi convidada a compor a mesa. Os representantes do Detran e do Sinduscon não fizeram apresentações, apenas se colocaram “à disposição para os questionamentos”.
 
A audiência começou com uma apresentação do deputado Cláudio Vereza (PT), com um resumo de cada uma das audiências públicas anteriores. Na apresentação de slides, um gráfico de “pizza”, dessa vez, chamou a atenção da sociedade civil. Referente ao inventário de emissões do período 2009/2010, atribuía 68,2% das emissões totais às emissões veiculares; cerca de 16% à Vale e pouco mais de 2% à ArcelorMittal. “Um número mascarado”, disse Moreschi, evidenciando que as emissões de outras origens, tal qual industriais, são somadas na conta da poluição veicular. O que, de forma alguma, isenta o transporte urbano da participação na poluição do ar.
 
Ora chamado de “grande bolacha” por Moreschi, ora de “queijo minas” por Vereza, o grande arremate sobre o gráfico de “pizza” foi de Paulo Pedrosa, presidente da Associação dos Amigos da Praia de Camburi (AAPC). “Eu também sou mineiro, deputado, e o meu queijo minas é branco e cheio de furinhos, não é um queijo com um furo preto de pó de minério”, figurou. “Amanhã isso vai ser nota no Século Diário”, disse Vereza. E foi.
 
Paulo Pedrosa também classificou que o maior problema de Vitória não são as vias de tráfego, relatando a ocasião da crise econômica mundial de 2009, que fez com que as atividades do complexo de Tubarão fossem paralisadas. “A minha casa ficou limpa, e os carros estavam ali. As vias de Vitória estão entre as mais limpas do país, só tem carro zero andando na rua”, relatou, se referindo às emissões dos veículos novos, consideradas baixas se comparados aos antigos.
 
Paródia
 
O discurso de sustentabilidade da Vale foi parodiado pelo SOS Ambiental, que se aproveitou dos próprios “jargões do marketing da empresa” para expressar o descontentamento da população com as ações da mineradora. Segundo a paródia, a Vale tem “compromisso com o lucro”, “desprezo aos funcionários” e “informações sem comprovação”. Segundo o grupo, a mineradora também pratica o “desperdício da água” e quer “dividir o pó preto com o cidadão”, usando “tecnologias ultrapassadas”, a exemplo das windfences, sem deixar de tirar os votos favoráveis à CPI do Pó Preto e se negando a responder aos questionamentos do SOS.
 
Estes, inclusive, foram indicados pela mineradora a serem encaminhados ao Ministério Público Estadual (MPES), “parceiros” da mineradora,ao Iema e às oito associações de moradores representadas por Paulo Esteves. O MPES, aliás, foi definido não como ministério, mas como um “mistério público” por José Carlos Siqueira Junior, presidente da Associação Nacional dos Amigos do Meio Ambiente (Anama), que também lembrou a total ausência do órgão nessas situações. Até a Findes, segundo o SOS, “defendeu com tanta gana as poluidoras que esqueceu de defender sua própria vida”.
 
Os casos diversos de espionagem praticados pela Vale também não passaram impunes no discurso entoado por Moreschi, que arrematou: “O que a Vale gasta atualmente com o monitoramento [se referindo à espionagem], poderia ser gasto com a sociedade”.
 
Enxofre
 
A Fetransportes definiu como um “grande sucesso” a troca da frota dos antigos ônibus das linhas metropolitanas por modelos mais novos. Os motores dos veículos antigos eram modelo Euro 3, sendo que no mesmo ano de 2011, na Europa, já se usava o modelo Euro 6. Mas, ao invés de trocá-los pela tecnologia mais nova, os novos modelos adquiridos foram da geração Euro 5.
 
Outra questão levantada foi a da substituição do diesel S500 (com 500 partículas de enxofre por milhão) para o diesel S10 (com 10 partículas de enxofre por milhão), que a Fetransportes disse ser 80% menos poluente. Entretanto, após uma pergunta, foi revelada a real situação da frota de transporte público da Grande Vitória: apenas 80 ônibus funcionam com o diesel S10, o menos poluente, enquanto 1.420 veículos ainda não usam esse tipo de combustível. Uma frota extremamente poluidora, quase 18 vezes maior do que a que usa o combustível menos poluente.
 
“Uma tecnologia muito nova”, defendeu o representante da federação, sendo contraposto por Moreschi, do SOS Ambiental, que questionou porque em Vitória ainda se usa o diesel S500, se na cidade de São Paulo toda a frota, muito maior, já usa o S10. Lamas respondeu que aqui se passa por uma “fase de transição” e, novamente, foi questionado por Moreschi, que alertou sobre o fato de Vitória ser uma das capitais brasileiras com maior concentração de enxofre na atmosfera. O enxofre, aliado a outros elementos químicos presentes na natureza, pode provocar danos ao sistema respiratório e cardiovascular, além de provocar o fenômeno conhecido como chuva ácida, já registrado na Ponta de Tubarão, nas proximidades da ArcelorMittal, sua maior emissora. Esta, aliás, dessa vez não enviou representantes à audiência.
 
O representante da Fetransportes ainda tentou se justificar, dizendo que os padrões de emissões estão dentro da legislação do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) – chamado de “canama” por Paulo Pedrosa –, que mantém padrões extremamente elevados, em desacordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e que são justamente o ponto de enfrentamento atual para as novas legislações da qualidade do ar. Respondendo a um questionamento de Vereza, a Fetransportes disse que a viação do Grupo Itapemirim, de propriedade do deputado federal Camilo Cola (PMDB), não realiza vistoria dos seus ônibus no Estado porque o faz em São Paulo.
 
Risos
 
O representante do Detran arrancou risos da sociedade civil presente no plenário ao dizer que o órgão tem expectativas de começar uma inspeção veicular obrigatória aos carros, somente em janeiro de 2015, porque até lá são necessários muitos estudos. Segundo o Detran, essas vistorias devem começar pelos carros oficiais e logo se tornarão obrigatórias a todos os carros da cidade. O representante se ausentou a partir das 19h30 da reunião, alegando um compromisso às 20h.
 
Microfone aberto
 
“Se a Assembleia tivesse vontade política, não estaríamos aqui hoje”, pontuou José Marques Porto, integrante do SOS Ambiental. Diversas ferramentas supostamente usadas para o controle da poluição, como os Termos de Compromisso Ambiental (TACs), definidos como um “acordo” nem sempre positivo entre órgãos ambientais e poluidoras, e a norma Conama 03/90 foram questionadas. Porto também lembrou que, no Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema), apenas cerca de 30% das cadeiras são ocupadas pela sociedade civil, enquanto a indústria possui várias entidades diferentes da mesma representação que, juntas, compõem uma bancada com uma proporção representativa muito maior.
 
O advogado Nelson Aguiar também lembrou que os órgãos ambientais deveriam estender seu olhar para a população, o que os empresários, visando ao lucro, não fazem. Já Neilson Guimarães, também do SOS Ambiental, criticou que os governantes não representassem a sociedade civil, já que foram eleitos para isso, e lamentou que ele e tantos outros precisassem se expor de tal forma, fazendo uma representação gratuita, enquanto vários políticos são pagos pelo governo para tal fim e ainda recebem das indústrias para defender seus interesses particulares. Neilson ainda classificou que as empresas navegam no “mar funesto da impunidade cabal” e lembrou que a Vale recebeu incentivos fiscais no valor total de R$ 10 bilhões nos últimos sete anos.
 
A opinião foi contraposta pelo diretor presidente do Iema, que disse ter “total autonomia” para dirigir o órgão, sem “nenhum tipo de interferência negativa”. Tarcísio Föeger também disse que a maior missão do Iema é fazer gestão ambiental para a sociedade. Não convenceu.
 
CPI
 
“Que tal mostrar que o senhor [deputado Vereza] e o PT estão alinhados com o que a rua quer?”, questionou Moreschi, se referindo à abertura da CPI do Pó Preto, uma das bandeiras levantadas pelos ambientalistas da Capital nos protestos de meados deste ano.
 
Vereza tentou se justificar, dizendo que não assinou a abertura da CPI porque o autor, o deputado Gilsinho Lopes (PR), não lhe pediu e só teria lembrado da bancada do PT após a debandada de sete assinaturas das 10 registradas. O petista ainda atacou a insistência da sociedade civil. “Quero ver falarem numa CPI igual falaram aqui”, completando: “Elejam os deputados, formem a CPI se assim acreditarem”. 
 
E ainda fez questão de atirar para cima de Gilsinho, em assunto totalmente desconexo às audiências, a votação do deputado Sérgio Borges (PMDB) ao Tribunal de Contas (TCE). "O autor da CPI votou no candidato eleito, deputado Sérgio Borges (PMDB), que é acusado de improbidade administrativa". Vereza era um dos interessados à vaga, mas foi derrotado por Borges. 
 
“Deixamos claro que o senhor [Vereza] nunca assinou e nem retirou [assinaturas da CPI]. Agradecemos pelas audiências e esperamos participar da elaboração do relatório final”, completou Eraylton Moreschi Junior, do SOS Espírito Santo Ambiental, ao final. A expectativa é de que o relatório das audiências públicas esteja pronto na próxima semana e de que seja enviado até o mês de dezembro para o Ministério Público, para o governo estadual, para as prefeituras da Grande Vitória, empresas e ambientalistas.
 
Talvez pela proximidade com as comemorações natalinas, uma figura dessa época tenha sido citada, novamente, nessa audiência. “Talvez por acreditarmos em Papai Noel, insistimos na CPI”, finalizou Moreschi.

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