Domingo, 28 Abril 2024

Estado é condenado a indenizar quilombolas em R$ 100 mil

Estado é condenado a indenizar quilombolas em R$ 100 mil
Quatro anos após a operação policial que marcou um dos episódios mais violentos de agressões e humilhações aos quilombolas do norte do Estado, a Justiça Federal acatou pedido do Ministério Público Federal (MPF-ES), em ação civil pública, e determinou o pagamento, pelo Estado, de R$ 100 mil às famílias da comunidade de São Domingos, em Conceição da Barra. O valor é referente a danos morais coletivos praticados pela Polícia Militar durante uma operação que culminou com a prisão arbitrária de pelo menos 32 quilombolas.
 
A juíza federal Mariana Carvalho Bellotti seguiu o entendimento do MPF-ES, que considerou abusiva e agressivamente desnecessária a atuação policial nesse caso. “É inconteste que as prisões realizadas não seguiram o procedimento previsto na legislação pátria”, apontou. 
 
Em sua decisão, ela ressalta que a operação implicou “em grave desrespeito a direitos humanos fundamentais de dezenas de indivíduos de uma mesma comunidade, que presenciou todos os acontecimentos e vivenciou, como grupo, um desrespeito que gerou claro dano moral à população quilombola da comunidade de São Domingos, configurando situação de humilhação, perseguição e tratamento como uma subcategoria de cidadãos”.
 
Para a operação, realizada em novembro de 2009, no governo Paulo Hartung (PMDB), o Estado disponibilizou um verdadeiro aparato de guerra para prender os quilombolas, com cerca de 100 policiais do Batalhão de Missões Especiais (BME), da 3ª Companhia do Batalhão Militar do Meio Ambiente (BPMA) e de três grupos da 5ª Companhia Independente, além do apoio de milicianos da Garra – segurança armada da Aracruz Celulose (Fibria).
 
Contra os quilombolas, havia uma acusação de roubo de eucalipto, mas sequer houve apreensão de madeira. Os policiais também não tinham mandado de prisão ou estado de flagrante delito o que, segundo a juíza, por si só, já é ilegal. Como agravante, não ocorreu a comunicação imediata das prisões ao juiz competente, ao Ministério Público e às famílias dos presos ou pessoa por eles indicada.
 
“Os relatos que constam do processo administrativo evidenciam o dano, ante as recorrentes comparações pelos quilombolas da situação vivida no dia em que ocorreram as prisões e o tratamento dispensado no passado aos escravos, perseguidos no mato por jagunços, desprovidos de direitos, em situação de indignidade, bem como o relato do sentimento de abandono pelo poder público, que não se compromete na defesa de seus direitos fundamentais na mesma medida em que se empenha para um mandado de busca e apreensão de madeira”.
 
Além disso, foram registradas outras arbitrariedades, como o fato de os presos terem sido transportados algemados, em ônibus e camburões, da sua comunidade, na zona rural, para a delegacia do município vizinho, São Mateus, onde ficaram detidos das 9 às 18 horas, sem alimentação e possibilidade de contato com familiares, advogados ou com representantes de outros órgãos públicos. 
 
Depois das oitivas, foram liberados, mas não tinham como voltar para suas casas porque não havia ônibus regulares e vários deles não tinham dinheiro.  Os quilombolas tiveram ainda seus celulares apreendidos e foram fotografados, mas não se sabe qual a finalidade dessa identificação, já que esta não foi incluída no inquérito policial.
 
“A arbitrariedade e o desrespeito à lei ganham especial relevo tendo em conta que os cidadãos em questão compõem uma minoria étnica que, historicamente, foi vítima de séculos de arbitrariedades e restrições de direitos, e que ainda enfrenta, na atualidade, dificuldades na implementação do direito previsto no artigo 68 do ADCT da Constituição da República e, assim, constantes disputas com empresas que exploram as terras que essa comunidade luta por ver reconhecidas como remanescentes das comunidades de quilombos”, diz a decisão.
 
O valor da indenização deverá ser destinado a um dos projetos voltados ao desenvolvimento de ações de inclusão e sustentabilidade das comunidades quilombolas desenvolvidos pela Fundação Cultural Palmares. Caberá ao MPF a fiscalização da correta destinação desses recursos.
 
Em outra ação civil pública, o Ministério Público Federal requer indenização aos quilombolas por danos morais individuais, no total de R$ 200 mil.  Os processos são assinados pelo procurador Júlio de Castilho.
 
Intimidação
 
Na operação do dia 11 de novembro, a polícia foi à casa de Berto Florentino e o acusou de participar da “máfia das madeiras”, aplicando-lhe uma multa de R$ 3,6 mil, devido à existência de um forno para a produção de carvão na região. Em seguida, jogou seus móveis no chão e levou a família inteira à delegacia, inclusive um filho cego, Sabino Cardoso Florentino. Ações semelhantes já haviam sido registradas outras duas vezes.
 
Berto reside na comunidade de São Domingos e, além de integrar o Ticumbi, lidera a colheita de sobras de eucalipto da Aracruz, que é lixo para a empresa. Sempre foi, portanto, um dos principais alvos da Aracruz Celulose.
 
Sob alegação de que ele possuía armas, até uma ardilosa situação já chegou a ser armada contra Berto, resultando na invasão e depredação de sua casa, por policiais da Bahia e do Espírito Santo. Posteriormente, a polícia de Conceição da Barra invadiu a residência do líder quilombola, pelas mesmas razões. As duas operações não encontraram armas e nunca resultaram em qualquer tipo de punição.
 
Os restos de eucalipto são usados pelos quilombolas para a produção de carvão, única atividade que restou às comunidades do antigo território do Sapê do Norte, que integra os municípios de Conceição da Barra e São Mateus, após a chegada da Aracruz, no período da ditadura militar. Sem alternativas de subsistência, resultado dos impactos ambientais, sociais e econômicos promovidos pela transnacional, é de onde tiram alguma fonte de renda para sobreviver, em meio aos eucaliptais, onde predomina um cenário de miséria e de dificuldades.

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