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‘Estamos transformando o licenciamento ambiental em exceção, não regra’

Camila Valadão critica aprovação de projeto que consolida novo desmonte no Estado

A Assembleia Legislativa aprovou, nesta segunda-feira (15), o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 34/2025, enviado pelo governo Renato Casagrande (PSB), que altera dispositivos da Lei Complementar nº 1.073/2023 e amplia a flexibilização dos procedimentos de licenciamento ambiental no Estado. A proposta foi aprovada após tramitação em regime de urgência e passou pelas comissões de Justiça, Finanças, Infraestrutura e Meio Ambiente, com votos contrários do deputado João Coser (PT) e das deputada Iriny Lopes (PT) e Camila Valadão (Psol).

O texto já tinha recebido críticas de servidores do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), que alertaram, em nota, para “um grave retrocesso na política ambiental capixaba”.

O PLC 34/2025 promove ajustes apontados “pontuais” pelo Executivo, mas que ampliam brechas para a regularização de empreendimentos sem o devido rigor técnico. Um dos principais pontos é a redefinição da Licença Ambiental de Regularização (LAR), que passa a ser formalmente equiparada à Licença de Operação Corretiva (LOC), instrumento usado para regularizar atividades que já estejam em funcionamento ou tenham sido implantadas sem licença válida. Pela nova redação, a LAR poderá abranger todas as fases do licenciamento e será vinculada a termos como o Termo de Compromisso Ambiental de Regularização (TCAR) ou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

Outro ponto de preocupação é a possibilidade de que licenças ambientais passem a abarcar, em um único procedimento, condicionantes relacionadas à autorização de manejo de fauna e à supressão de vegetação. O texto inclui a exigência de que os órgãos licenciadores assegurem transparência, com a publicação, em seus portais eletrônicos, de pedidos de licenciamento, estudos ambientais, documentos e resultados dos processos em todas as suas fases.

A líder do Psol, deputada Camila Valadão, classificou o texto como “uma versão dois do ‘PL da Destruição’ ambiental”. A alteração, critica, piora uma legislação que já havia sido amplamente questionada desde sua aprovação, em 2023, e coloca em risco os mecanismos de proteção ambiental. “Temos preocupações específicas no caso do Espírito Santo. Estamos falando de um Estado onde há um número reduzido de áreas de proteção e de Mata Atlântica. Na nossa avaliação, esse projeto amplia os riscos ambientais”, prossegue. “Estamos transformando o licenciamento ambiental em exceção, não regra”, enfatiza.

Kamila Passos/Ales

A deputada Iriny Lopes (PT) também se posicionou contra o projeto e relembrou a perda de competências do Iema em mudanças legislativas anteriores. Ela considera que a nova alteração aprofunda o enfraquecimento da política ambiental. “Seria mais honesto acabar de vez com o Iema”, provocou. A parlamentar destacou ainda a contradição entre o discurso ambiental do governo estadual e a aprovação de medidas que, segundo ela, fragilizam o controle sobre novos empreendimentos em um contexto de crise climática.

Na defesa do projeto, o líder do Governo, deputado Vandinho Leite (de saída do PSDB), afirmou que a proposta busca conciliar proteção ambiental com desenvolvimento econômico. Ele rejeitou as críticas da oposição e disse que o Espírito Santo não pode ficar “engessado” por excesso de burocracia. O parlamentar, defende que o “objetivo é promover um desenvolvimento sustentável, sem travar investimentos”, e alinhado à legislação federal.

Camila rebateu o argumento e destacou que flexibilizar regras ambientais não significa crescimento responsável. “Não existe Planeta B. Estamos em emergência climática. Flexibilizar agora é ampliar os prejuízos econômicos e sociais no futuro”, reforçou, citando episódios recentes de eventos extremos no Espírito Santo, como chuvas intensas e secas prolongadas.

A Associação de Servidores do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Assiema) considera a proposta uma continuidade do “desmonte do licenciamento ambiental” no Estado. Segundo a entidade, o PLC 34/2025 repete a lógica adotada na lei de 2023, também aprovada em regime de urgência, sem amplo debate público, e aprofunda a flexibilização ao eliminar critérios claros de porte e potencial poluidor para modalidades como a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) e a Licença Ambiental Simplificada (LAS).

Na avaliação da associação, a retirada desses critérios abre uma “brecha perigosa” para que qualquer empreendimento, inclusive de médio ou alto impacto, seja enquadrado em procedimentos simplificados, sem análise técnica prévia adequada. A Assiema também critica a ampliação das hipóteses de dispensa de licenciamento, com base em conceitos genéricos como “impacto não significativo” ou “casos de calamidade”, a serem definidos posteriormente por regulamentação.

Outro ponto sensível é a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), destinada a empreendimentos considerados “estratégicos”. Para os servidores, o conceito é vago e pode ser utilizado para liberar projetos de grande porte com menos rigor ambiental, transferindo para decretos posteriores decisões que deveriam passar pelo crivo do Legislativo e da sociedade.

As mudanças na lei de licenciamento estadual ocorrem após o avanço, em âmbito nacional, da Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei nº 15.190/2025), originada do PL 2159/21, conhecido como “PL da Devastação”. Apesar dos vetos presidenciais a dispositivos considerados de alto risco, a maior parte foi derrubada pelo Congresso Nacional, com apoio da maioria da bancada capixaba.

Para os críticos, o governo estadual segue a mesma lógica de flexibilização adotada no plano federal, enfraquecendo instrumentos como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima) e reduzindo a capacidade técnica do Estado de prevenir danos ambientais. A Assiema defende a revogação integral da Lei Complementar nº 1.073/2023 e lembra que tramita na Ales o PLC nº 04/2025, de autoria de Iriny Lopes, que propõe reverter os pontos considerados mais danosos da legislação atual — proposta que ainda não foi apreciada.

‘Gestão autoritária’

A mobilização dos servidores do Iema contra a Lei 1.073/2023 começou ainda em 2023 e se intensificou ao longo de 2024, com protestos públicos, notas técnicas e a entrega de um manifesto ao governador Renato Casagrande. Em abril de 2024, durante o lançamento do Licenciamento Ordinário no Iema Digital, os servidores compareceram com cartazes e formalizaram ao governo um documento que denunciava “gestão autoritária”, inconstitucionalidades na nova lei e o que classificaram como um processo de “desmantelamento das ações de controle, fiscalização e conservação ambiental”, agravado desde a nomeação de Felipe Rigoni para a Seama.

Hélio Filho/Secom

O manifesto descrevia o secretário como alguém sem diálogo com o corpo técnico, “uma afronta à sociedade capixaba” e alinhado a setores interessados na exploração do sal-gema, além de destacar episódios como a concessão de exploração econômica dos parques estaduais, a reestruturação do Iema sem escuta interna e a autoria do chamado “PL da Destruição”, aprovado pela Assembleia mesmo sendo, segundo os servidores, “perverso, excludente, mal redigido e incompatível com normativas federais”.

A mobilização incluía ainda o pedido de revogação integral da lei e a destituição imediata de Rigoni, considerados passos urgentes para restabelecer a legalidade, a participação pública e a proteção ambiental no Espírito Santo.

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