Ambientalistas ligam medida à concessão de parques e avaliam ação na Justiça

O Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) criou um grupo de trabalho para discutir e consolidar a atualização dos planos de manejo e do zoneamento das Unidades de Conservação do Espírito Santo (UCs). A Instrução de Serviço nº 140-S, assinada pelo diretor-geral, Mário Stella Cassa Louzada, também prevê que o grupo prospecte estratégias de criação e expansão das unidades e participe da elaboração de instrumentos jurídicos quando necessário.
Foram designados para compor o grupo os servidores Georges Mitrogiannis Costa, Leonardo Paganoti Marinato, Marcos Paulo Rodrigues de Almeida, Rafael de Ávila Pantaleão, Rodolpho Torezani Netto e Thais de Assis Volpi. O texto determina que o Grupo de Trabalho das Unidades de Conservação do Estado do Espírito Santo (GT-Uces) tem como finalidade “discutir, propor e consolidar atualização de zoneamento e dos planos de manejo correspondentes, bem como prospectar estratégias de criação ou expansão de Unidades de Conservação e na elaboração de instrumentos jurídicos quando pertinentes”.
Segundo o artigo 2º da instrução, a criação do GT decorre da “necessidade de conferir maior celeridade e efetividade dos trâmites pertinentes às Unidades de Conservação, de modo a contribuir para o atendimento dos acordos e prazos firmados nos Termos de Compromisso Ambiental (TCAs) junto ao Ministério Público do Estado do Espírito Santo, garantindo assim o fortalecimento do Sistema Estadual de Unidades de Conservação”.
Embora a instrução não cite o Programa Estadual de Concessões de Unidades de Conservação (Peduc), ambientalistas e servidores enxergam conexão direta entre as duas iniciativas. O decreto que criou o Peduc, publicado em setembro de 2023, prevê que as concessões e parcerias com a iniciativa privada sejam executadas “em conformidade com os planos de manejo das unidades”, e que esses instrumentos devem ser atualizados para “possibilitar a implementação do programa”, que permite a transferência à iniciativa privada da gestão de seis áreas de proteção integral por 35 anos, com objetivo de “promover a visitação e a exploração sustentável”.
A Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), liderada por Felipe Rigoni (União), defende a iniciativa como uma forma de fortalecer o turismo ecológico, gerar renda e melhorar a infraestrutura dos parques naturais. Para ambientalistas, entretanto, o modelo transfere para o setor privado funções essenciais da gestão ambiental, reduzindo o controle público sobre as áreas protegidas.
Na prática, prevê concessões e permissões de exploração econômica de seis unidades: o Parque Estadual de Itaúnas (PEI), em Conceição da Barra, norte do Estado; Cachoeira da Fumaça (PECF), em Alegre, região do Caparaó; Forno Grande (PEFG) e Mata das Flores (PEMF), em Castelo, no sul; Paulo César Vinha (PEPCV), em Guarapari; e Pedra Azul (Pepaz), em Domingos Martins, na região serrana.
Na avaliação do biólogo e ambientalista Hugo Cavaca, integrante do Movimento em Defesa das Unidades de Conservação do Espírito Santo, o novo grupo de trabalho pode se tornar um mecanismo de alinhamento dos planos de manejo ao Peduc, o que representaria uma inversão na hierarquia da política ambiental. “O plano de manejo é um instrumento técnico e legal que define o que pode e o que não pode ser feito dentro de uma unidade de conservação. É ele que deve orientar qualquer programa de uso público, não o contrário”, diz.
Ele observa que o Iema já possui coordenações técnicas responsáveis pela gestão das UCs e revisão de planos de manejo. A criação de um grupo paralelo, subordinado à diretoria-geral, pode enfraquecer o papel dessas equipe. “O texto fala em dar celeridade e efetividade aos trâmites, mas não explica o motivo dessa urgência. O risco é transformar um processo técnico e participativo em algo conduzido por poucos servidores, em sintonia com as demandas do Peduc”, afirma.
O biólogo também chama atenção para a justificativa apresentada no artigo 2º da instrução, que menciona o cumprimento de Termos de Compromisso Ambiental (TCAs) firmados com o Ministério Público. “Os TCAs têm caráter técnico e corretivo. Usá-los como base para acelerar revisões de planos pode desvirtuar o objetivo dos compromissos e enfraquecer o debate público sobre o destino das unidades”, acrescenta.
Outro ponto destacado por Hugo é a ausência de qualquer referência à participação social ou ao papel dos conselhos gestores das unidades, instâncias previstas na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). “Os planos de manejo são construídos com base em estudos técnicos e consultas públicas. Se a atualização for conduzida apenas internamente, sem transparência e sem controle social, perde-se legitimidade e abre-se espaço para interferências externas”, critica.
Ele lembra ainda que, em diversos estados, programas semelhantes de concessão enfrentaram questionamentos jurídicos e resistências de servidores. “Não se trata de ser contra o turismo ou contra o uso público. A questão é que o Estado não pode abdicar do seu papel de gestor e fiscalizador das áreas protegidas. Quando o instrumento técnico é subordinado ao econômico, o meio ambiente fica em segundo plano”, reitera.
Segundo Hugo, caso o grupo passe a revisar planos de manejo sem consulta pública e sem análise técnica independente, há base para questionamento jurídico. “Se ficar comprovado que as revisões estão sendo usadas para viabilizar concessões em detrimento da conservação, isso é desvio de finalidade administrativa. Estamos falando de instrumentos criados por lei para proteger o patrimônio ambiental, não para abrir espaço a negócios”, enfatiza.
Hugo adiantou que, se o processo avançar sem transparência, o Movimento em Defesa das Unidades de Conservação e outras entidades pretendem acionar o Ministério Público e judicializar o caso. “Já estamos discutindo a possibilidade de uma ação civil pública. O SNUC é claro ao dizer que qualquer alteração em planos de manejo deve passar por consulta pública e avaliação técnica. Se o Estado desrespeitar isso, vamos recorrer à Justiça”, disse. “É possível conciliar turismo e conservação, mas isso exige transparência, controle social e respeito aos instrumentos legais. O que está em curso é uma tentativa de enquadrar a política ambiental ao programa econômico do governo”, alerta.

‘Show de horrores’
A multinacional Ernst & Young, uma consultoria que não tem expertise na área ambiental, foi contratada por mais de 8,6 milhões, sem licitação, para desenvolver a modelagem econômica de exploração das unidades de conservação capixabas. Os estudos apresentados até o momento têm sido amplamente criticados por ambientalistas, especialistas e pelas próprias comunidades locais.
Entre as propostas estão estruturas de grande porte como bondinhos, tirolesas, teleféricos, glampings, restaurantes esculpidos em rochas, estacionamentos para centenas de veículos e até passeios de helicóptero. Para os críticos do programa essas intervenções transformariam áreas de proteção integral -criadas para a conservação da biodiversidade – em polos de turismo de massa.
Hugo Cavaca classifica os planos como um “show de horrores”, elaborados sem base ambiental consistente. Entre os principais problemas que destaca, estão a metodologia e os pressupostos adotados pela consultoria que tratou as unidades como se fossem parques urbanos de entretenimento, ignorando o papel legal de conservação das áreas.
O processo de elaboração e divulgação dos estudos também tem sido questionado. O contrato com a Ernst & Young previa a realização de audiências públicas pela própria empresa, o que ainda não ocorreu. Até o momento, os debates sobre o programa foram promovidos apenas pela Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, e a divulgação das propostas para as UCs é limitada, restrita ao site da Seama. Ambientalistas consideram essa estratégia proposital, para evitar que o movimento contrário ao Peduc ganhe força.
A rejeição popular ao programa ficou evidente nos seminários e audiências públicas, como os realizados em Itaúnas, no Parque Paulo César Vinha e na Assembleia, por iniciativa da deputada Iriny Lopes (PT), que preside a Comissão de Meio Ambiente. Participantes questionaram o modelo de concessão e denunciaram que ele pouco dialoga com a legislação ambiental, invertendo etapas previstas para o planejamento de unidades de conservação.
Outro ponto criticado é a desproporção das propostas em relação à dimensão das unidades. Muitos dos parques capixabas têm menos de 200 hectares, enquanto os modelos de exploração turística apresentados são inspirados em grandes parques internacionais, como o Parque do Iguaçu. Além dos impactos ambientais, as comunidades têm apontado a preocupação com a elitização e exclusão das populações locais, que historicamente vivem no entorno das unidades.
Para ambientalistas e moradores das comunidades, é necessário um diálogo real e transparente e um modelo de turismo que seja consciente, sustentável e de base comunitária, fortalecendo quem já cuida dos territórios, em vez de mercantilizar a natureza. Novas audiências públicas estão previstas na região do Caparaó Capixaba, em Alegre, nos próximos dias 25 e 26.

