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Holanda marca primeira audiência contra Vale e Samarco por crime no Rio Doce

Audiência será em 14 de julho e envolve mais de 77 mil atingidos

O Tribunal Distrital de Amsterdã, na Holanda, marcou para o próximo dia 14 de julho, a primeira audiência sobre o caso movido por vítimas do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), contra a Vale S.A. e a Samarco Iron Ore Europe BV, subsidiária holandesa da mineradora brasileira. A audiência reforça a luta por responsabilização internacional pelo maior crime socioambiental da história do Brasil, especialmente após o desfecho desfavorável no tribunal da Justiça Federal de Minas Gerais, que absolveu as mineradoras, além de 22 réus, incluindo altos executivos e diretores, das acusações criminais relacionadas ao rompimento da barragem de rejeitos.

A audiência será uma Case Management Conference (CMC), ou conferência de gestão do caso, em que o tribunal definirá os próximos passos do processo, incluindo o escopo do julgamento, prazos e as principais questões jurídicas que serão tratadas.

Não será ainda, portanto, ou julgamento do mérito da ação, movida pela Fundação Ações do Rio Doce (Stichting Ações do Rio Doce), que representa mais de 77 mil atingidos nos estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia.

Entre os autores, estão também cerca de mil empresas e associações, instituições religiosas e sete municípios brasileiros: Sooretama (ES), Mucuri (BA), e Ponte Nova, Iapu, Rio Casca, Antônio Dias e Gonzaga (MG). O valor total da indenização requerida é de 3 bilhões de euros, cerca de R$ 18 bilhões.

A fundação é representada pelo escritório holandês Lemstra Van der Korst (LVDK), com apoio do escritório internacional Pogust Goodhead, que também atua no processo judicial que corre em paralelo na Inglaterra contra a mineradora anglo-australiana BHP, sócia da Vale na joint venture Samarco.

Praia da vila de Regência, em Linhares, no norte do Estado, após chegada dos rejeitos de mineração. Foto: Leonardo Sá

Essa será a primeira vez que a Vale comparecerá a um tribunal estrangeiro desde que chegou a um acordo com a BHP para deixar de ser ré no processo inglês. As duas empresas são donas da Samarco e eram responsáveis pela operação da barragem de Fundão, que se rompeu em 2015, liberando 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração. A tragédia matou 19 pessoas, destruiu comunidades inteiras e afetou mais de 2,5 milhões de pessoas, incluindo indígenas, quilombolas e ribeirinhos, devastou 684 km do Rio Doce, até alcançar o mar em Regência, no Espírito Santo. Apesar da retirada no julgamento em Londres, a Vale se comprometeu a arcar com 50% de qualquer indenização que venha a ser imposta à BHP na corte britânica.

Na audiência de julho em Amsterdam, o tribunal deve definir os próximos passos do processo, como o escopo do julgamento de responsabilidade e as principais questões processuais. O processo contra a Vale S.A. e a Samarco Iron Ore Europe BV sustenta que ambas desempenharam papel central na gestão e comercialização do minério de ferro extraído pela Samarco, se beneficiando diretamente das operações que resultaram no crime.

O processo foi iniciado depois que os advogados penhoraram os ativos financeiros que a Vale detém em sua subsidiária naquele país, a Vale Holdings BV. A medida é necessária para proteger os ativos em caso de compensação de danos e garantir que os requerentes recebam uma indenização completa e justa.

Para o escritório de advocacia holandês, “a participação maciça das vítimas na fundação e a obtenção de medidas legais relevantes demonstram que muitos danos seguem sem reparação” após nove anos do crime e reforça a luta para responsabilizar as mineradoras e garantir reparações mais justas e eficazes.

Antônio Cruz/ABR

Sentença na Inglaterra

Ainda neste primeiro semestre de 2025, a Corte Inglesa deve anunciar a sentença que pode condenar a mineradora BHP pelo crime da Samarco/Vale-BHP. A decisão está nas mãos da juíza Finola O’Farrell, que ouviu testemunhos, provas e argumentos durante meses de julgamento da ação que representa cerca de 620 mil pessoas e 31 municípios atingidos. As alegações finais confirmam o que as vítimas e especialistas já sabiam: a BHP agiu para escapar da responsabilização e ofereceu indenizações irrisórias, em uma tentativa clara de silenciar os atingidos e minimizar o impacto do crime.

“A BHP forçou centenas de milhares de vítimas a viajarem ao redor do mundo para brigarem por justiça. É, sem dúvida, o pior comportamento corporativo já visto de uma empresa no mundo”, declarou o CEO do Pogust Goodhead, Tom Goodhead. As audiências chegaram ao fim no último mês de março. Os advogados das vítimas reivindicam uma compensação de aproximadamente R$ 260 bilhões pagos de forma imediata.

A ação judicial reúne uma série de danos sofridos pelos atingidos, como perda de moradias e fontes de renda, elevação nos custos de vida, sofrimento psicológico, deslocamentos forçados e a ausência de acesso a serviços básicos como água e energia elétrica. Nenhum dos réus envolvidos no crime da Samarco/Vale-BHP foi punido criminalmente até hoje. Dos 26 acusados inicialmente, 15 foram excluídos da ação penal, e a lentidão do processo pode levar à prescrição aos demais. A morosidade no Brasil impulsionou a busca por justiça em cortes internacionais.

Para o ex-ministro José Eduardo Cardozo e também advogado do Consórcio Público para a Defesa da Revitalização do Rio Doce (Coridoce), a decisão da juíza Finola O’Farrell pode servir de alerta a empresas que priorizam o lucro em detrimento da vida humana. Ele demonstrou convicção na responsabilização da BHP pelo crime da Samarco/Vale-BHP, e considera que “a prova da responsabilidade do BHP é avassaladora”.

Caso a BHP seja condenada, abre-se um precedente para que multinacionais sejam responsabilizadas em seus países de origem por crimes ambientais cometidos no exterior. “A lição que fica de um processo como esse é tão relevante como a reparação que se faz para as vítimas”, avalia o ex-ministro.

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