Ambientalistas denunciam omissão e risco ao manguezal na região de Vila Cajueiro

O Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) declinaram da apuração de denúncias sobre obras realizadas em área de manguezal na região de Vila Cajueiro, às margens do Rio Santa Maria da Vitória, em Cariacica. A decisão dos dois órgãos provocou críticas de pescadores e ambientalistas, que apontam omissão institucional e risco de agravamento dos danos ambientais.
A denúncia foi apresentada pela ONG Juntos SOS Ambiental e inicialmente registrada no Iema, que encaminhou o caso ao Ibama, ao alegar que a fiscalização não seria de sua atribuição. Ao receber a manifestação, o órgão federal também se recusou a instaurar procedimento próprio e devolveu a responsabilidade ao Iema, citando a delimitação de competências prevista na Lei Complementar nº 140/2011.
A norma em questão estabelece que União, estados, Distrito Federal e municípios têm responsabilidade compartilhada na defesa ambiental e cria mecanismos de cooperação entre os órgãos. Entre esses mecanismos está a chamada atuação supletiva. A própria lei define que, diante de “omissão ou insuficiência da atuação do órgão originalmente competente”, outro ente pode o substituir para exercer ações de fiscalização, controle e responsabilização.
Na prática, isso significa que o Ibama não está impedido de fiscalizar empreendimentos licenciados ou atribuídos aos estados quando há risco ambiental ou ausência de resposta efetiva, aponta Eraylton Moreschi, presidente da Juntos SOS. Para ele, a troca de responsabilidades “evidencia uma omissão dos órgãos públicos diante de danos ambientais em curso”.
Segundo Moreschi, a própria legislação citada pelo Ibama impõe a obrigação de atuação federal quando há inércia do ente estadual. “O que está acontecendo é um jogo de empurra. O Iema diz que é atribuição do Ibama, o Ibama devolve dizendo que é atribuição do Iema, e ninguém fiscaliza. A lei diz que se o órgão estadual declina ou não age, o federal precisa atuar de forma supletiva para proteger a área”, reforça.
No caso de Vila Cajueiro, a denúncia envolve intervenções em manguezal, ecossistema protegido por lei como Área de Preservação Permanente (APP). Nesses territórios, são vedadas ações como aterros, supressão de vegetação nativa e alteração do regime hídrico, com exceção de situações excepcionais autorizadas pelos órgãos ambientais.
Desde o início de outubro, pescadores artesanais têm alertado para a destruição do ecossistema e passaram a registrar a movimentação constante de máquinas pesadas na região. Vídeos feitos por moradores mostram o despejo de camadas de terra sobre o solo encharcado do mangue, a retirada de vegetação típica e o estreitamento de canais naturais utilizados por espécies como o caranguejo-uçá e o guaiamum.
Imagens de satélite mostram o avanço dos aterros sobre o manguezal. À esquerda, a área antes das intervenções; à direita, a ampliação das movimentações de terra e supressão de vegetação próxima ao Rio Santa Maria.

As áreas afetadas ficam próximas à antiga Fazenda Porto das Pedras, onde, segundo moradores, a pressão sobre o território aumentou com a expansão de empreendimentos logísticos ligados ao corredor da BR-101, utilizado como eixo de armazenamento e redistribuição de mercadorias.
Parte das atividades no local chegou a ser embargada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), após a constatação de danos a sítios arqueológicos. No entanto, a próprio autarquia esclareceu que sua atuação não substitui a fiscalização ambiental. Entre as empresas responsáveis, foi identificada a Inova Participações, que realizava terraplanagem para implantação de um pátio de estocagem de carga geral no Sítio Porto das Pedras, empreendimento que não havia apresentado análises arqueológicas exigidas pela legislação federal. Na Rua Junho, as obras da gestão do prefeito Euclério Sampaio (MDB) afetaram o Sambaqui Santa Maria 1, resultando no embargo.
Além da Secretaria Municipal de Obras, o Iphan informou que “praticamente todos os empreendedores contatados até o momento buscam regularizar a situação para suspender os embargos e realizar as ações necessárias para a salvaguarda do patrimônio cultural”. Em avaliações técnicas posteriores, o órgão explicou que algumas áreas foram liberadas para o prosseguimento das obras com base em um estudo multinível.
O levantamento identificou trechos onde os danos arqueológicos já estavam consolidados por intervenções anteriores, sem possibilidade de preservação integral do material. Essas áreas foram classificadas como Nível I, ficando dispensadas de pesquisa arqueológica prévia. Um trecho específico de 3,10 hectares foi enquadrado como Nível III, exigindo a execução de um Plano Integrado de Pesquisa Arqueológica (Paipa). O órgão reforçou que a liberação do ponto de vista arqueológico não autoriza automaticamente a continuidade das obras sob o aspecto ambiental.
Enquanto o impasse institucional persiste, pescadores e ambientalistas apontam falha na aplicação da legislação ambiental e cobram ações imediatas para impedir os prejuízos diretos à pesca e à qualidade hídrica do estuário do Rio Santa Maria da Vitória. Segundo moradores, o avanço de aterros e a supressão do manguezal comprometem a circulação da água, aumentam o assoreamento e favorecem a degradação da qualidade da água, com impactos sobre a reprodução de espécies, a segurança alimentar das comunidades tradicionais e o equilíbrio ecológico da região.

