Técnicos constataram irregularidades, relata pescador que acompanhou a visita
O Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) inspecionou, nessa quarta-feira (12), um empreendimento localizado na área alagável do Rio Jacaraípe, na Serra. O local tem passado por obras de terraplanagem que, segundo denúncias de moradores e pescadores da região, resultaram em aterros sobre áreas de restinga e manguezal, onde estaria sendo preparado o terreno para a instalação de um condomínio de luxo chamado Quintas da Lagoa.
A intervenção foi licenciada pela Secretaria de Meio Ambiente da Serra para obras de nivelamento, mas relatos da comunidade apontam que os técnicos responsáveis pela visita constataram que as obras extrapolaram o permitido no licenciamento. O pescador João Adriano da Silva, que acompanhou a vistoria, afirmou que os servidores disseram ter encontrado irregularidades.

João Adriano acrescenta que foi informado pelos profissionais de que a visita foi feita a pedido do Ministério Público Estadual (MPES). “Eles explicaram que estavam ali para revisar o que foi feito e falaram que a empresa fez muito além do que estava autorizado”, relata. O terreno onde as obras ocorrem corresponde a uma área às margens do o manguezal do Rio Jacaraípe, identifica o pescador. “Estavam aterrando um pedaço do braço do mangue, arrastando as árvores”, descreve.
Ele destaca que o local é habitat de espécies como caranguejos e aves migratórias, que já vêm sendo afetadas pela movimentação de terra. “Tinha filhotinho de caranguejo crescendo, bicho de todo tipo. Agora estão jogando terra por cima. Se aterrar tudo, a água vai para onde? Para as casas!”, alerta. João Adriano afirma que os técnicos também checaram a denúncia dos moradores sobre supressão de vegetação nativa de restinga, mas concluíram que as árvores suprimidas eram espécies exóticas. “Tinha restinga no meio também, era misturado, mas saíram tirando tudo. Eu creio que aquelas árvores exóticas nasceram ali e acabaram sufocando as nativas, mas tinha vegetação de restinga no meio, sim”, afirma.
Os moradores, que têm se mobilizado a partir do movimento Todos por Jacaraípe, em defesa dos corpos hídricos da região, decidiram recorrer ao Ministério Público após não obterem resposta da Prefeitura da Serra sobre as denúncias. “Tentamos contato, mas não conseguimos resposta. Nossa impressão é que estão favoráveis a esse tipo de liberação. Se não procurássemos outros os órgãos públicos, parece que nada aconteceria”, critica. Ele observa que apesar da licença municipal prever apenas intervenções pontuais de nivelamento, o que ocorreu foi um aterro em larga escala, com descaracterização da área natural.
A comunidade tem organizado ações de monitoramento e mobilização para defender o manguezal e o entorno do Rio Jacaraípe. Neste mês, estão previstas uma oficina sobre o manguezal, no dia 19, e um ato público de sensibilização, no dia 29. Os moradores aguardam que os órgãos ambientais e o Ministério Público adotem medidas de responsabilização e recuperação da área. “O que estão fazendo ali é crime ambiental. Nós só pedimos que respeitem a natureza e a comunidade”, enfatiza.

A situação também foi denunciada em protesto realizado no último dia 16 de agosto por lideranças comunitárias, pescadores, associações de bairro e militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que alertaram sobre os riscos de agravamento das enchentes e os impactos ambientais decorrentes da intervenção, além de pedirem o afastamento do secretário municipal de Meio Ambiente, Claudio Denicoli.
Além das denúncias ambientais, moradores criticaram a falta de transparência da prefeitura nas alterações do zoneamento da região. Eles lembraram que o mapeamento de áreas de risco foi modificado em 2023 sem divulgação adequada, o que teria reduzido a classificação de áreas alagáveis. Até essa data, a área constava como Zona de Proteção Ambiental (ZPA) no Plano Diretor Municipal (PDM) da Serra. Com uma alteração feita pela gestão do secretário Claudio Denicoli — ainda na época do prefeito Sergio Vidigal (PDT), padrinho político do atual prefeito, Weverson Meireles (PDT) -, a região passou a ser considerada Zona de Ocupação Preferencial (ZOP), o que abriu brechas para o licenciamento de empreendimentos imobiliários.
Aprovado apenas em duas semanas, o Plano Diretor Municipal (PDM) é mencionado em um dos áudios citados na denúncia do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) que resultou no afastamento de quatro vereadores: o ex-presidente da Casa, Saulinho da Academia, e Teilton Valim (PDT), Cleber Serrinha (MDB) e Wellington Alemão (Rede). Três suplentes assumiriam as cadeiras vagas no último dia 15, mas o desembargador Júlio César Costa de Oliveira, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), determinou a suspensão da medida.
Eles foram acusados de negociar propina para a inclusão de emendas no Projeto de Lei nº 69/2024, que “institui a Política Pública de Regularização de imóveis urbanos de propriedade do Município da Serra dados em aforamento, em enfiteuse ou em emprazamento e dá outras providências”. Na gravação, os parlamentares citam também vantagens ligadas à votação do plano. Embora o secretário municipal não seja mencionado, manifestantes defendem que a alteração do PDM também seja alvo de apuração.
Diante do problema, o movimento reivindicou apuração sobre a mudança efetivada pelo secretário de Meio Ambiente e realização de uma audiência pública com a participação da prefeitura, Ministério Público, Defensoria Pública, órgãos ambientais e população atingida. João Adriano acrescenta que os representantes também exigem a suspensão imediata das autorizações do aterro na área alagável da bacia do Rio Jacaraípe; e a garantia de acesso dos pescadores a rios e lagoas, reconhecendo-os como comunidades tradicionais.
Enquanto aguarda o resultado oficial da inspeção, o grupo pretende seguir acompanhando a situação. “Se não tiver acompanhamento, eles continuam. Daqui a pouco, quando a gente ver, o mangue acabou. E isso não é só da comunidade, é de todo mundo”, conclui.
O Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e o Ministério Público Estadual (MPES) foram procurados por Século Diário para comentar o caso, mas não responderam até o fechamento desta matéria.

Manguinhos
Em Manguinhos, a comunidade do balneário serrano também tem se mobilizado para questionar a alteração da classificação de uma área anteriormente reconhecida como Zona de Proteção Ambiental (ZPA), em julho, no mapa anexo ao Plano Diretor Municipal. Eles criticam que a proteção foi removida exatamente no terreno previsto para favorecer a instalação do empreendimento Manguinhos Eco Residence, que pretende construir cerca de 120 lotes residenciais, com áreas de lazer e vias internas, suprimindo quase metade dos 130 mil m² da vegetação remanescente da região.
Representantes das associações de moradores e comerciantes afirmam que vão cobrar respostas públicas sobre o licenciamento e as medidas de mitigação ambiental do projeto, previsto para ser instalado em local que abrange lagoas, vegetação nativa e trechos de cursos d’água ligados à bacia da Lagoa Maringá, indicada para implantação de uma Unidade de Conservação (UC).

