Ambientalistas reforçam cobranças por travessias de fauna após morte de mais uma onça

Ambientalistas voltam a cobrar providências urgentes do poder público após a morte de mais uma onça-parda no Contorno do Mestre Álvaro, na Serra, trecho que se tornou um dos pontos mais críticos de atropelamentos de fauna silvestre no Espírito Santo. O caso, registrado novamente nesta semana, reforça a denúncia recorrente de organizações e especialistas de que a rodovia opera sem as medidas minimamente necessárias para evitar a travessia de animais e reduzir a mortalidade.
O Instituto Brasileiro de Fauna e Flora (Ibraff), que atua na região, denuncia que, em menos de seis meses, duas onças-pardas morreram atropeladas no mesmo trecho, além de jaguatiricas e outros animais de médio e grande porte. “Precisamos com urgência de travessia subterrânea e aéreas”, cobra. O diretor do Ibraff, Claudiney Rocha, ressaltou que o problema não está restrito a essa obra, mas é repetido em vários projetos viários no Estado, que não executam de forma eficaz as estruturas de contenção e passagem da fauna previstas em seus respectivos estudos ambientais. “Perdemos centenas de animais, trazendo um grande declínio populacional de espécies, e até mesmo colocando vidas de pessoas em risco”, critica.
O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da implantação e operação do Contorno do Mestre Álvaro já descrevia que a região atravessada pela obra sofre há décadas com fragmentação da Mata Atlântica, redução de habitats e isolamento genético de populações de fauna. O documento alertava que a área, apesar de pressionada pela ação humana, mantém uma diversidade expressiva, com 168 espécies registradas apenas na área de influência direta.
As aves representavam 68% dessas espécies, seguidas por mamíferos (11%), anfíbios (10%), répteis (6%) e peixes (5%). O estudo ainda enfatizava que a fauna presente, embora adaptada a ambientes modificados, depende dos fragmentos florestais remanescentes e dos alagados perenes e sazonais para sobreviver. E, ainda, que a alteração do território, sobretudo com supressão vegetal e aterro de áreas alagadas, agravaria o efeito de fragmentação e dificultaria o fluxo gênico das populações.
Por isso, medidas mitigadoras rigorosas foram listadas, incluindo a instalação de passagens de fauna em pontos estratégicos, cuidados durante a operação de máquinas para reduzir ruídos e perturbações; a manutenção de equipamentos; orientação estrita da mão de obra; fiscalização ambiental contínua; ações de resgate de fauna; e prevenção de assoreamento. No entanto, ambientalistas afirmam que grande parte dessas previsões não foi executada ou foi feita de maneira insuficiente, e denunciam que a ausência de ecodutos, telas de contenção e sinalização adequada apenas amplia os impactos previstos.
A deputada estadual Janete de Sá (PSB), que preside a Comissão de Proteção e Bem-Estar Animal, repercutiu o tema no plenário da Assembleia Legislativa nessa terça-feira (18), e avaliou que o Espírito Santo está diante de uma “tragédia ambiental em curso”. Para ela, a situação no Contorno do Mestre Álvaro já passou do limite do aceitável. “Já foram mortas duas onças-pardas em menos de seis meses. No mesmo trecho em que esses episódios ocorreram, vêm morrendo também outros animais silvestres. A onça que aparece na imagem, conhecida como Zé Esmeraldo, é um animal de grande porte, ameaçado de extinção”, relatou a parlamentar, lembrando ainda que a mortalidade da fauna evidencia a necessidade de estruturar medidas de proteção.
Ela ressaltou que, apesar de felinos serem capazes de escalar e saltar, a rodovia deveria ter telas de proteção em toda sua extensão e placas de alerta para os motoristas, de modo a reduzir a velocidade e evitar atropelamentos. Janete criticou diretamente o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), por “falta de respostas concretas” sobre as providências executadas desde os primeiros registros.
“Quero chamar a atenção do ICMBio, que se envolve em tudo o que diz respeito ao meio ambiente, mas até agora não tomou providências em relação a essa situação. Chamo também a atenção do Ibama, que está aí, mas não sabemos qual tem sido sua atuação. Serve para multar, mas na hora de tomar atitudes para proteger os animais silvestres — responsabilidade dos órgãos ambientais constituídos, que recebem recursos e salários do erário para realizar esse tipo de fiscalização —, não vemos ação”, destacou.
A parlamentar disse que já adotou medidas imediatas, incluindo a solicitação de instalação de placas de alerta; a defesa da implementação de ecodutos e passagens de fauna previstas no projeto que apresentará à Casa; a realização de auditoria urgente sobre a execução das obras mitigadoras e a exigência de fiscalização eletrônica ostensiva em todo o trecho que atravessa o corredor ecológico. Também relatou que vai enviar, pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Maus-Tratos contra os Animais, a qual também preside, um ofício ao Ibama cobrando explicações e ações concretas para frear a mortandade.
Para Janete, a continuidade das mortes revela, além de “negligência”, a desconexão entre o que foi prometido no licenciamento ambiental e o que efetivamente foi entregue na obra. “O problema é conhecido, tem solução e depende exclusivamente da atuação responsável dos órgãos competentes”, reforça.
“Todos os dias animais são atropelados por excesso de velocidade, falta de sinalização e ausência de telas em toda a extensão da via. São acidentes que poderiam ser evitados, mas não são, por conta das mazelas e do desleixo dos órgãos competentes no resguardo da vida dos animais silvestres”, reforçou.
O Contorno do Mestre Álvaro foi inaugurado no final de 2023, com investimentos do governo federal, e recebe cerca de 15 mil veículos por dia. São 19,7 quilômetros de extensão, com início no km 279 da BR-101, próximo ao bairro Jacuhy, na Rodovia do Contorno, até o km 247, chegando ao bairro Chapada Grande, próximo à Serra Sede.

