Obras da gestão de Euclério Sampaio e de empresa privada são apontadas como irregulares

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) determinou o embargo imediato de duas obras em Vila Cajueiro, Cariacica, após constatar intervenções irregulares em áreas de manguezal e sítios arqueológicos protegidos por lei federal. As intervenções foram realizadas pela Secretaria de Obras da gestão de Euclério Sampaio (MDB) e pela empresa RG Administração e Participação de Bens Ltda sem autorização da autarquia e causaram impactos significativos sobre o solo e o patrimônio arqueológico, segundo laudos técnicos e notificações oficiais emitidos nesta semana.
Em nota encaminhada ao Século Diário, o Iphan informou que os embargos foram entregues presencialmente na quarta (22) e quinta-feira (23). Nos próximos dias, será realizada uma reunião com a Secretaria Municipal de Obras para tratar do caso.
Os embargos atingem dois empreendimentos distintos: um na antiga Fazenda Porto das Pedras, de responsabilidade da empresa RG Administração e Participação de Bens Ltda, e outro na Travessa Junho – ou Rua Dez de Dezembro -, da Secretaria Municipal de Obras de Cariacica, com execução da empresa Andares Construção Civil Ltda. Em ambos os casos, técnicos identificaram movimentação de solo e terraplanagem sem acompanhamento arqueológico, com “perda parcial de estratigrafia e destruição de contextos arqueológicos subsuperficiais”.
“Constatamos que as obras estavam sendo executadas sem prévia manifestação do Iphan, em desacordo com a Instrução Normativa nº 01/2015, o que motivou o embargo imediato das atividades”, informou Yuri Batalha, chefe da Divisão Técnica do órgão no Estado. “Há indícios de danos tanto ao patrimônio arqueológico quanto ao ambiente natural da região”, apontou.
Segundo o Iphan, a Vila Cajueiro, situada às margens do Rio Santa Maria da Vitória, é considerada uma área de alto potencial arqueológico e ambiental. O local abriga importantes sítios registrados desde a década de 1960, como Sambaqui Porto das Pedras, Fazenda Porto das Pedras e Sambaqui Santa Maria 1, vestígios que remontam à presença de povos indígenas e comunidades ancestrais que habitaram a região por séculos.
De acordo com os relatórios de fiscalização, as intervenções com maquinário pesado provocaram impactos diretos sobre o substrato arqueológico, incluindo a destruição parcial de camadas históricas e a exposição de fragmentos cerâmicos indígenas e coloniais. Em vistorias realizadas anteriormente, nos dias 14 e 15 de outubro, foram detectadas movimentação de terra em larga escala e ausência de delimitação ou cercamento das áreas sensíveis.
Em laudo técnico, o órgão classificou o Sambaqui Porto das Pedras como “severamente comprometido” e recomendou a “suspensão imediata de quaisquer intervenções e a elaboração de um programa de prospecção arqueológica interventiva para avaliar os danos e definir medidas de mitigação e compensação adequadas”.
Os embargos foram encaminhadas às empresas e à Prefeitura de Cariacica, com determinações de paralisação total das obras, envio de licenças ambientais e autorizações municipais, e comparecimento dos responsáveis à Superintendência do Iphan para apresentação de documentação. Yuri explica que a medida é “preventiva e necessária para cessar impactos imediatos sobre os bens culturais e ambientais da União”. “Os sítios arqueológicos são protegidos pela Lei nº 3.924/61 e pertencem ao patrimônio histórico nacional”, completa.
O caso também chegou ao Ministério Público do Espírito Santo (MPES) por meio do ambientalista Eraylton Moreschi, presidente da ONG Juntos SOS ES Ambiental, que protocolou denúncia ao 4º Promotor de Justiça Cível de Cariacica, Luiz Renato Azevedo da Silveira, relatando possíveis crimes ambientais e danos a ecossistemas de manguezal. O documento apresenta fotos de satélite capturadas nos últimos vinte anos, entre 2004 e 2024.
As imagens históricas mostram que o território de Vila Cajueiro transformou-se profundamente. Em 2004, aparecia envolto por extensas áreas de vegetação densa, especialmente ao norte e ao leste, junto ao rio. O uso do solo era majoritariamente agropecuário e de baixa densidade. Em 2024, a paisagem é quase irreconhecível: surgem galpões de grande porte, vias pavimentadas e grandes pátios, enquanto o verde se restringe a pequenos fragmentos. O rio aparece mais largo e escuro em alguns trechos, reflexo de alterações no entorno.

Antes predominantemente rural e coberto por vegetação nativa, deu lugar a extensas áreas desmatadas, movimentações de solo e novas estruturas industriais. O contraste entre as paisagens é evidente: o verde intenso que predominava há duas décadas foi, aos poucos, substituído por manchas claras de solo exposto, obras de terraplanagem e galpões. O curso do Rio Santa Maria da Vitória, que margeia a localidade, também apresenta alterações perceptíveis na coloração e nas margens, indicando possíveis impactos no solo e na qualidade da água.
Segundo Eraylton, as imagens da região confirmam os relatos de pescadores e moradores em relação ao avanço de aterros sobre Áreas de Preservação Permanente (APP) às margens do Rio Santa Maria, com descarte de entulho e supressão de vegetação nativa”, o que tem afetado diretamente a subsistência de famílias que vivem da pesca artesanal. “Fatos noticiados com fortes indícios de atos ilegais e até de crimes ambientais”, enfatiza, com um pedido ao promotor Luiz Renato Azevedo da Silveira para abertura de inquéritos civil e criminal.

