Jovens vencem êxodo rural e voltam para a roça em Feliz Lembrança
Protagonizando um caso raro de blindagem contra o devastador êxodo rural, a comunidade de Feliz Lembrança, em Alegre, no Caparaó Capixaba, tem conseguido não apenas manter os jovens no campo, mas também atrair de volta pra "roça" os que se viram obrigados a deixar a terra da família em busca de melhores oportunidades de crescimento na cidade.
O movimento teve início há cerca de 15 anos a partir da mobilização da juventude local. Primeiramente por meio da igreja e, em seguida, da Associação de Moradores e Produtores de Feliz Lembrança (Amfra), que foi reativada com objetivo de trazer benefícios que atraíssem os jovens para o empreendedorismo e a diversificação da produção agrícola.Josiane Abreu Machado é uma dessas lideranças. Como outras jovens mulheres, focou sua atenção na estruturação da agroindústria e investiu na cozinha industrial a partir de cursos feitos no Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Na época, estava grávida do primeiro filho.
Na roça, o trabalho é compartilhado com o esposo e é acompanhado de perto pelas filhas. Produzem mandioca, palmito, café. "No meio da lavoura tem banana, cítricos, manga. Assim a gente tem renda semanal e mensal. Não dá pra contar só com café, uma vez por ano", descreve, acrescentando árvores de lei também, "não só as que dão renda", como ipês, pois a beleza também alimenta e enriquece o espírito. "Eu gosto muito da área rural, é um prazer pra mim mexer com a terra. Primeiro é a paz interior, e daí vem o sustento que a gente precisa".
Venenos agrícolas, conta, ela mesma nunca mexeu. Tem essa alegria. "Já tinha na minha cabeça que não era bom. Eu conversava com meu esposo e ele resolveu parar, passou a usar roçadeira", conta. A troca foi acontecendo em cascata entre as famílias, chegando a um método de mutirões. "Aqui a gente troca serviço, dá uma mão para quem precisa, e depois a pessoa vem e devolve quando a gente precisa. Faz mutirão para uma pessoa e depois vem o mutirão para gente", descreve.
Ministra da palavra na igreja católica local, Josiane reforça o discurso crístico de que é preciso "ter um corpo saudável em um espírito saudável" e que "Deus criou o mundo pra gente cuidar dele, da terra, da natureza, pra que sirvam pra outras gerações. Se usar veneno, veneno, veneno... a natureza vai acabar, ela está gritando por socorro. É nosso papel cuidar com amor, com zelo, com carinho", ensina.
Toda essa movimentação em torno da agroecologia e da diversificação da produção agrícola, há 15 anos, foi responsável por abrir os horizontes da juventude de Feliz Lembrança, permitindo que toda uma geração fosse beneficiada com a redução drástica do êxodo rural.
A prosperidade o animou. Casou-se em meio à efervescência do movimento juvenil que revitalizava a comunidade e teve dois filhos, que seguem seus passos. "A gente morava numa terra que era nua, pasto, e hoje está toda formada de café, frutas, agroindústria de mel", relata, com satisfação.
Outros equipamentos também foram sendo incorporados, como a chamada "sala de conhecimento", com laboratório de informática, onde os moradores podem se conectar à internet e fazer serviços digitais, que, antes da revolução jovem, era distantes da realidade local.
Há cerca de quatro anos, uma nova guinada: a mobilização de esforços dos jovens e seus pais para a compra de uma área há muito sonhada por toda a comunidade, localizada ao redor do vale onde ela se instalou. Um grande pasto degradado e improdutivo, mas cujo proprietário se recusava a vender. Depois de muita negociação, finalmente o negócio foi fechado e o pagamento concluído em janeiro deste ano.
Na pecuária extensiva, cada alqueire abriga em torno de quatro cabeças de gado, que, após três anos, rende 250 a 300 kg de carne. Na agricultura familiar, por sua vez, na mesma área que um boi ocupa, produz seis a sete vezes mais alimento, gerando mais oportunidades de emprego e renda.
Diones de Abreu Azevedo é um dos que retornou. "A volta está sendo incrível. Só espero melhoras", depõe. "A liberdade do campo, você saber que vai construir sua história, ser dono do seu caminho", diz. "Eu venho de uma comunidade que preza muito o conhecimento", orgulha-se.
"Falo para minha filha de 11 anos: agora você tem uma escolha que eu não tive, de pode viver da terra ou se formar e viver de uma profissão na cidade", diz.
O período que antecedeu a sua saída da comunidade é recordado como um tempo em que, primeiro, foi preciso vencer o preconceito e o sentimento de inferioridade. "Comecei a estudar em Alegre e chamavam a gente de roceiro. Quando comecei a entender que roceiro era elogio e não insulto, tudo mudou. Hoje tenho orgulho disso. É o que acontece com nossos jovens hoje de 11, 12, 13 anos. Hoje eles riem e deixam pra lá porque estão satisfeitos, é a alegria deles ser 'da roça'", conta.
Atual presidente da Amfra, João da Silva Abreu afirma que desde a conclusão da compra da nova terra, há quase um ano, "a comunidade está em festa até hoje" e que "tem hora que a gente nem acredita, tá andando dentro da propriedade e nem acredita!". As primeiras colheitas foram de feijão, milho e abóbora e já há muito café plantado.
O futuro se abriu em horizontes de ainda mais prosperidade. "Se a gente conseguir adquirir mais terra, vai reflorestar, para cuidar das águas". O cuidado se explica pelo contexto dramático que passa todo o planeta e atinge Feliz Lembrança também. "Teve período de muitas famílias ficarem sem água, as nascentes secaram e fizemos caixa seca e barragem seca nos altos de morro".A comunidade já tem uma barraginha e caixas secas para captar água e conter enxurrada. "Todas as nascentes da comunidade são protegidas", destaca. "Na área nova tem bastante água, então estamos tentando recurso com o Estado pra fazer uma barragem".
Os dois filhos, conta João, certamente não irão passar pelo que sua geração passou. "A vida hoje é muito diferente. Hoje somos uma comunidade empreendedora", orgulha, citando prêmios estaduais e municipais já conquistados, em reconhecimento ao trabalho inovador e os serviços que prestam à humanidade.
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Comentários: 3
Ao Século Diário,
Parabéns pela excelente reportagens sobre os jovens empreendedores da Comunidade de Feliz Lembrança neste Município de Alegre, o trabalho deles é digno de muitos elogios, são persistentes, possui muita fé, amor à família e à terra que habitam. Como ex-professor e diretor de sua maioria, sempre foram assíduos e pontuais na Escola depois de um árduo trabalho na lavoura que serve de exemplo para os demais jovens dessa geração, sempre conseguiram associar estudos com compromissos braçais. Jovens como esses prosperarao, orgulho para nós alegrenses.
A comunidade de Feliz Lembrança é motivo de orgulho e exemplo para a cidade de Alegre! Um oásis no meio de tanto pasto e degradação ambiental.
Fiquei, feliz orgulhosa lendo essa matéria. Vocês são felizes, e a terra produz para que todos tenhamos comida a mesa. Que bonita organização...desejo conhecer de perto...vou postar para o mundo conhecer...