Sábado, 04 Mai 2024

Jurong terá que indenizar pescadores que perderam área de pesca com estaleiro

O Estaleiro Jurong de Aracruz (EJA) foi obrigado pela justiça a indenizar as 200 famílias de pescadores da Barra do Riacho, área em que o empreendimento foi instalado, pelos danos morais coletivos no valor de um salário mínimo mensal. A decisão aconteceu por meio de uma Ação Civil Pública sugerida ao Ministério Público Estadual (MPES), que tomou a decisão em caráter liminar.
 
As famílias da região perderam toda a sua área de pesca com a instalação do estaleiro. A área, que antes tinha uma rica biodiversidade e ampla disponibilidade de lagostas, camarões e diversos outros animais marinhos, hoje se encontra completamente devastada. No texto da ação, é destacado trecho do Processo Administrativo n.º 46181938, no qual o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) reconheceu que o impacto decorrente das intervenções e operações marinhas, no que tange à perda de ambientes naturais, será "(...) negativo, direto, real, permanente, de prazo imediato, irreversível, com extensão local e de magnitude grande".
 
O documento ainda qualifica a exclusão de área pesqueira e a instalação de estruturas do empreendimento sem qualquer compensação/indenização prestada aos pescadores como dois fatores que afetam diretamente as comunidades locais. Até mesmo a navegação no entorno foi impedida com a instalação do quebra-mar, “que afeta diretamente a navegação na localidade, o modo de vida da comunidade e a sua geração de recursos, frise-se, sem que tenha havido até a presente data qualquer compensação para este impacto financeiro”.
 
Na ação, ainda é detalhado que o EJA reconheceu a necessidade da indenização às comunidades pesqueiras pelo impacto negativo que causa à região, tendo em vista a inviabilidade da aplicação de medidas mitigatórias para todos os impactos sócio-econômicos e ao ambiente marinho e costeiro. No Relatório de Impacto Ambiental (Rima), o estaleiro ainda reconhece que no Estado há uma das faunas de peixes mais ricas do país, com um total de 39 espécies, e detalha a atividade pesqueira mais expressiva nas comunidades da Barra do Sahy e Barra do Riacho, justamente a área de impacto do empreendimento. O empreendimento "afirma categoricamente que haverá exclusão de área de pesca e que deve compensar os danos ambientais decorrentes de sua interferência na atividade pesqueira".
 
Mesmo diante do reconhecimento de que a chegada do estaleiro provocaria impactos negativos imediatos, relata a ação, afetando diretamente a quantidade de pescado e, consequentemente, a renda da comunidade, nenhuma contraprestação foi apresentada pela empresa como forma de compensação a esses prejuízos.
 
Segundo o presidente da Associação dos Pescadores da Barra do Riacho e da Barra do Sahy, Vicente Buteri, um salário mínimo não é suficiente para indenizar os pescadores por tamanha perda. Como os danos causados pela Jurong se estendem desde o início da obra do estaleiro, em janeiro de 2012, um novo pedido será enviado ao MPES para que as indenizações cubram, também, o período anterior à ação no qual os pescadores não puderam exercer suas atividades por conta da obra do estaleiro. 
 
Vicente ainda informou que os pescadores querem que a verba arrecadada com a venda do calcário que será extraído nas escavações do estaleiro seja completamente revertida à comunidade. Segundo ele, a própria Jurong estimou o valor em R$ 350 mil.
 
 
Apadrinhada
 
O EJA é um empreendimento da Jurong do Brasil com origem em Cingapura. A empresa é acusada de receber apoio dos órgãos públicos para garantir sua participação no processo de licitação de empresas construtoras de sondas e navios de perfuração para a Petrobras. A Licença Prévia (LP) do empreendimento foi obtida com o apoio do Conselho Regional de Meio Ambiente (Conrema III) em uma análise recorde de seu Estudo de Impacto Ambiental (EIA) por parte do Iema, cuja diretoria foi acusada de ter revertido o indeferimento da LP, recomendado pelo corpo técnico responsável pela análise dos impactos que serão gerados pelo empreendimento na região. 
 
A Associação Capixaba de Proteção ao Meio Ambiente (Acapema) reclamou que faltava um Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) para o licenciamento do empreendimento, em 2010, que deveria ter sido feito conforme o art. 37 da Lei Federal Nº 10.257/01, que determina que o EIV visa a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento à qualidade de vida da população residente na área e deve ser feito com o EIA.
 
O acordo para a implantação do estaleiro Jurong em Aracruz foi firmado em 2008 entre a Jurong do Brasil e o governo do Estado. A instalação é composta de plataformas de petróleo, de sondas e de reparo naval e atividades de intenso impacto ambiental que podem até provocar colapsos na biodiversidade local, uma vez que parte do terreno onde o estaleiro está sendo instalado é de uma Área de Preservação Permanente (APP). O local, na Barra do Sahy, fica próximo ao terminal da Portocel, que pertence a Aracruz Celulose (Fibria).
 
Além de degradar a unidade de conservação, os impactos socioambientais com a migração de trabalhadores e a restrição da área de pesca e navegação poderão causar danos às populações indígenas e de pescadores, que já têm grande limitação de atuação na área, principalmente por conta dos intensivos plantios de eucalipto da Aracruz Celulose.
 
Apesar dos danos que serão levados ao local pela empresa, a prefeitura do município fez a doação da área onde será instalado o estaleiro, que tem 825 mil m² e foi estimada em R$ 25 milhões. A doação aponta para a criação de uma lei municipal, que entrou em vigor simultaneamente aos interesses da construção do estaleiro, em 2009. A criação de renda, de empregos e o incremento na arrecadação de impostos seriam algumas das contrapartidas obtidas pelo município nessa troca.
 
Como tentativa de legitimar a doação de área pública ao empreendimento, o governador atuante na época, Paulo Hartung (PMDB), decretou o estaleiro como de utilidade pública. Dessa forma, o prejuízo estimado de R$ 25 milhões à sociedade foram completamente ignorados, bem como as respectivas denúncias aos órgãos públicos sobre a doação irregular de área pública que não demonstra aptidão do ponto de vista ambiental para abrigar o estaleiro, conforme atestado pelos técnicos do Iema responsáveis por analisar o EIA do empreendimento.
 
Desde 2010, a região recebe trabalhadores de diversas partes do País, atraídos pelas promessas de emprego oferecidas pela Jurong e pela Petrobras na região. Os que não foram contratados pela Petrobras ficaram, como uma população flutuante, aguardando os serviços da Jurong. Enquanto isso, os trabalhadores locais não são absorvidos, o que gera um grande problema social. Mesmo os contratados, são utilizados somente na fase de obras. A empresa exige qualificações que vão muito além daquela que a localidade dispõe. A Jurong, como consideram os pescadores locais, “dá emprego desempregando”.
 
No mesmo ano, o Conrema III aprovou a supressão de vegetação de restinga para a construção do estaleiro. Anteriormente, a Jurong já havia sido multada por desmatar mais do que o autorizado na região e por manejar animais da fauna local sem autorização do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
 
No ano passado, um documento da ONG Amigos de Barra do Riacho foi protocolado na empresa e no Iema solicitando a suspensão total do processo, que não prioriza as comunidades diretamente afetadas e vizinhas ao empreendimento. Nesse documento, era relatado que a empresa dava "preferência para apadrinhados políticos que nem de perto sofrerão os impactos diretos".
 
Em novembro, o EJA requereu ao Iema as licenças de Instalação (LI) e de Operação (LO) para dragagem de aprofundamento de calado na área onde será instalado o estaleiro. As autorizações foram requeridas ao mesmo tempo, sendo que a LI define condicionantes a serem cumpridas para que a LO seja obtida. Dessa forma, a lógica seria que a empresa só deveria solicitar a LO com o cumprimento das condicionantes estabelecidas na LI. Já nessa segunda-feira (2), foi publicado no Diário Oficial que o EJA requereu, novamente do Iema, a Licença de Operação (LO) para sua oficina de cascos provisória.

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