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Justiça ordena suspensão de despejo de esgoto da Cesan no Rio Benevente

Ação aponta que empresa de saneamento causa danos ambientais há duas décadas

A 1ª Vara de Anchieta, no sul do Estado, determinou que a Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan) suspenda “qualquer lançamento de efluentes não tratados ou tratados em desconformidade com os padrões previstos na Resolução Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente] 357/2005” no Rio Benevente.

A norma federal define os padrões mínimos de qualidade que um efluente tratado precisa cumprir para poder ser lançado em um rio, com parâmetros físico-químicos e biológicos que indicam se esse fluente está ou não dentro dos limites aceitáveis, como coliformes, Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), potencial hidrogeniônico (pH), turbidez, oxigênio dissolvido, nutrientes (nitrogênio/fósforo) e presença de substâncias tóxicas.

A decisão liminar, assinada pelo juiz Marcelo Mattar Coutinho na última quinta quinta-feira (6), atende a pedido feito pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) em ação civil pública. A ordem judicial ainda determinou a suspensão de lançamento de efluentes com qualidade inferiores aos padrões e deu 15 dias para que a empresa apresente um plano emergencial de adequação estrutural e operacional da Estação de Tratamento de Esgoto de Anchieta (ETE), com medidas imediatas e cronograma detalhado, sujeito à aprovação do órgão ambiental competente.

Na mesma decisão, o magistrado proibiu que a Cesan “realize qualquer obra, ampliação ou intervenção” da ETE na área do Sambaqui Porto do Mandoca, sítio arqueológico tombado pela União, até deliberação futura do Tribunal. O caso foi instaurado a partir de denúncias de moradores e relatório de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara de Anchieta, indicando despejo de esgoto acima dos limites legais.

Segundo o juiz, a documentação técnica comprova “de forma inequívoca, a deficiência operacional da Estação de Tratamento de Esgoto de Anchieta”. Ele cita relatório do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), que aferiu média de eficiência de remoção de DBO de apenas 66,06%, “muito aquém do mínimo de 83% a 93% exigido” na licença de regularização ambiental LARS nº 10/2017. E registra que houve liberação irregular de efluentes em 15 dos 19 meses monitorados entre junho de 2023 e novembro de 2024.

Na avaliação dele, há prova do “reiterado descumprimento de condicionantes” nas licenças mais recentes (LARS 08/2022 e LARS 01/2024), além de autos de infração do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovávei (Ibama) que reconhecem funcionamento irregular da ETE em área de preservação permanente e impacto sobre manguezal da região e laudo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que constatou “sobreposição física do emissário de lançamento à área do Sambaqui Porto do Mandoca, apontando danos estruturais e risco de perda de material arqueológico”.

O magistrado destaca que a continuidade da situação revela “risco concreto e imediato de agravamento do prejuízo ambiental, cuja reversão, em regra, é de difícil, quando não impossível, reparação”, e justifica a necessidade de tutela de urgência “para interromper a cadeia causal de dano e assegurar a efetividade do processo”. Explica, porém, que modulou a liminar para permitir a manutenção da operação apenas de forma emergencial e “necessariamente tecnicamente adequada aos padrões ambientais exigidos, sob supervisão direta do Iema”.

A decisão ponderou que uma interrupção completa e abrupta da operação da ETE, sem modulação, poderia gerar “prejuízo social de magnitude notável”, expondo a população urbana “a riscos sanitários severos”. O juiz fixou multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento, limitada inicialmente a R$ 100 mil, mas passível de aumento. Além disso, determinou que a Cesan monitore e reporte, a cada 60 dias, a qualidade da água e o corpo receptor, conforme parâmetros definidos na inicial do MPES.

Cesan

Danos ambientais

Na manifestação do MP, baseada em Inquérito Civil instaurado em 2018, o órgão destaca que foi constatado que o dano ambiental causado pela Cesan se prolonga há pelo menos duas décadas, em decorrência do lançamento de efluentes com tratamento “insatisfatório” no Rio Benevente, no Porto do Mandoca, em Anchieta. Os danos causados, acrescenta, “jamais serão integralmente reparados”.

O órgão ministerial apresenta denúncias, relatórios públicos, autos de infração e documentos administrativos de órgãos ambientais que evidenciam como a ETE Anchieta Sede opera repetidamente sem cumprir parâmetros ambientais mínimos, seja de eficiência de tratamento, seja de garantia de integridade estrutural do emissário que lança o efluente tratado no corpo hídrico.

O histórico apresentado ao Judiciário inclui depoimentos de moradores à CPI da Câmara de Anchieta, que investigou, ainda em 2015, o esgoto no Mandoca. Na ocasião, o presidente da Associação dos Caranguejeiros, Jadir Purcino, que mora na região desde 1999, disse que a instalação da ETE suprimiu o manguezal, “prejudicando o espaço turístico ali existente”. Segundo o relato, um ano depois da inauguração, “faltava um aparelho chamado aerador, e o tratamento seria deficiente”.

“Depois da instalação da ETE, houve uma catástrofe no que se refere a procriação de caranguejos”, afirmou o representante da associação no relato recuperado pelo MP. Além disso, afirmou ter conhecimento de morte de peixes após a instalação da Cesan, e “30 famílias que sobrevivem da cata do caranguejo amargam o prejuízo para sua sobrevivência”.

O sistema de esgoto de Anchieta entrou em operação em 2009, e desde 2008 a própria Cesan faz monitoramento físico-químico e bacteriológico, aponta o MP. Mesmo assim, e apesar de sucessivas licenças de regularização, as metas de eficiência exigidas pelas próprias licenças ambientais não estariam sendo alcançadas.

Em 2016, a estação foi autuada pelo Ibama por “fazer funcionar atividade potencialmente poluidora sem licença do órgão ambiental competente” e recebeu multa de R$ 50 mil, além de Termo de Embargo. A autarquia também determinou cobrança de reparação pelo dano ambiental. Relatórios de monitoramento desde 2017, citados na manifestação, registraram lançamento de “água de cor bem escura e com odor forte” e média de remoção de DBO5 de 77,7%, quando deveria estar entre 83 e 93%, na ETE Anchieta Sede entre maio/2017 a abril/2018.

Em novo parecer técnico de 2023, o Iema afirmou que o emissário “não estava funcionando de maneira submersa”, “estaria com trecho exposto, promovendo formação de ‘espuma’, sem garantir diluição adequada do efluente tratado”. O MP cita ainda laudo de fiscalização do Iphan que constatou “impacto direto à área do sítio arqueológico Sambaqui Porto do Mandoca”. Em 2024, nova denúncia da Associação Comunitária do Bairro Benevente alertou a Presidência da República sobre possível poluição no Porto do Mandoca, pedindo “proteção do manguezal como patrimônio ambiental”.

Em análise de amostras de água coletadas na região, os relatórios laboratoriais pontam que “não atendem” aos padrões para parâmetros como carbono orgânico total, fósforo total, materiais flutuantes, nitrogênio amoniacal total e oxigênio dissolvido. Mesmo com a conclusão recente das obras de ampliação da ETE Anchieta, o último parecer técnico do Iema, de 2025, registrou que a eficiência mínima de tratamento da ETE continua não sendo cumprida. A média apresentada foi de 66,06% muito abaixo da faixa obrigatória (83 a 93%). Apenas em quatro das 19 análises apresentadas a estação alcançou o mínimo.

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