Segunda, 29 Abril 2024

Liminar judicial atesta intervenção irregular no Morro de Guaibura

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Gaya Religare

A Mitra Arquidiocesana de Vitória obteve uma liminar judicial de reintegração de posse de uma área no Morro de Guaibura, que fica na região da Enseada Azul, em Guarapari, na região metropolitana do Estado. A empresa Design 16 deu início à construção do condomínio Manami Ocean Living no local e cercou o morro com tapumes, impedindo o acesso por parte da comunidade e provocando destruição ambiental.

A Organização Não Governamental (ONG) Gaya Religare também fez novas denúncias nas últimas semanas sobre as intervenções do condomínio. De acordo com a ONG, a região de mangue do morro foi cercada de forma irregular e houve poda de árvores usadas pelos pássaros para fazerem seus ninhos – impactando, inclusive, uma espécie ameaçada de extinção no Espírito Santo, a Mimus gilvus. Foi feita, ainda, a construção de um muro na areia da praia, intervindo em área de marinha.

A liminar de reintegração de posse foi concedida na última quinta-feira (3), pelo juiz Gil Vellozo Taddei, da 3ª Vara Cível de Guarapari. No processo (número 5003121-49.2024.8.08.0021), a Mitra Arquidiocesana provou que é proprietária de um imóvel localizado no Morro de Guaibura desde 1997, quando recebeu a doação da Câmara de Vereadores.

Na petição inicial, a defesa da Mitra relata que, em 1998, o então prefeito determinou a inscrição do imóvel no cadastro imobiliário, que serviu para dar início ao processo de licenciamento para construção da Igreja da Comunidade Católica de Santo Agostinho. Nessa igreja, foram celebrados vários casamentos, e uma solenidade contou com a com a presença do Bispo Dom Geraldo Lírio Rocha, que celebrou uma missa no local.

Entretanto, algum tempo depois, "um senhor chamado Haddad e seu irmão", segundo a petição, demoliram parte da igreja, munidos de documentos falsos de propriedade e "se aproveitando do desconhecimento jurídico da comunidade carente de pescadores". A falsidade, porém, foi descoberta e os dois não voltaram mais ao morro após a destruição.

Área do imóvel da Igreja Católica em vermelho; em amarelo, os limites do Manami. Foto: Google Maps

Mesmo que a capela tenha sido destruída, a Mitra Arquidiocesana afirma que continua fazendo o pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e mantém a limpeza do espaço. Além disso, existe a expectativa de juntar recursos para reiniciar as obras para reerguer a igreja.

A defesa da Mitra afirma, ainda, que um morador os comunicou no último dia 13 de março que o imóvel estava sendo invadido e cercado pelo Manami. O advogado foi nesse dia com membros da comunidade até o local, mas foram impedidos por seguranças de entrar no imóvel.

"A nova cerca foi construída em detrimento da área do empreendimento, conforme se verifica dos documentos da própria requerida [Manami]. A nova cerca não está contemplada dentro da área da ré. Causou surpresa a invasão, pois existem marcas e piquetes da cerca na divisa correta, feito pela própria requerida, confrontando com a requerente, comprovando a posse da Mitra", diz o texto da petição.

Além da reintegração de posse, a defesa da Mitra Arquidiocesana pediu R$ 200 mil a título de reparação, bem como 20% referente ao valor da causa, e o processo continuará em tramitação após a liminar.

Disputa pelo Morro de Guaibura

Uma pesquisa sobre as origens indígenas do Morro de Guaibura feita por Potira de Almeida, da Gaya Religare, também aponta para décadas de disputa entre a comunidade, que requer o uso comum do Morro de Guaibura, e figuras que atribuem a si a propriedade do território, em processos com amplos indícios de grilagem de terras.

Nos anos 1950, um grupo de Minas Gerais liderado por José Cunha Lima reivindicou a posse do morro, mas a comunidade os impediu. Em 1964, foi aprovado o loteamento de Enseada Azul, ignorando as comunidades de pescadores e nativos da região e dando início a um processo de especulação imobiliária. O próprio José da Cunha Lima vendeu sua escritura do Morro de Guaibura, que, por sua vez, foi revendida diversas vezes.

Entre os 1980 e 1990, há uma nova investida. Jan Siepierski Filho, Jan Siepierski Netto e Eduardo Luiz Siepierski afirmaram que eram donos da área, em conjunto com a empresa Carlos Guilherme Lima Construtora. Essa propriedade foi apresentada como um espólio de Hanna Hadad, pai de Michel Yazeji Hadad, ex-vereador e ex-prefeito de Guarapari – o homem responsável por ordenar a demolição da igreja.

Novas tentativas de exploração imobiliária da área foram feitas ao longo dos anos 1990 e início dos 2000, mas barradas pelo Conselho Estadual de Cultura (CEC) e pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema), que atestaram a importância ambiental e cultural do Morro de Guaibura. O atual processo de implantação do condomínio de luxo Manami pela empresa Design 16 teve início em 2019, mas a comunidade só tomou conhecimento em 2022.

Registro da antiga capela do Morro de Guaibura nos anos 1990. Foto: Arquivo/Potira de Almeida

Ação na Justiça Federal

A ação civil pública movida pela Gaya Religare para impedir a instalação do Manami no Morro de Guaibura será remetida da Justiça Estadual para a Federal. A decisão foi proferida pelo juiz Gustavo Marçal da Silva e Silva na semana passada, em resposta ao pedido da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para ingressar como assistente do povo Borum M'nhag Uipe, comunidade autodeclarada indígena de Guaibura.

Entretanto, sem uma liminar contra as ações da empresa Design 16, responsável pelo empreendimento, as intervenções continuam no espaço localizado na região da Enseada Azul, com avanço do desmatamento. No final de março, foi iniciada a terraplanagem no morro, conforme registros em vídeo feitos por moradores.

Desde o segundo semestre do ano passado, a ONG Gaya Religare já realizou dezenas de denúncias sobre a situação do Morro de Guaibura. A comunidade alerta que a construção do condomínio de luxo provoca destruição em uma área de preservação ambiental e provoca cerceamento às suas práticas culturais. 

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